Lares provisórios oferecem amor e carinho para crianças que necessitam de abrigo Alessandro Torres
Professora de inglês Paula Breda tem preferência por acolher bebês, pois já equipou seu apartamento com berço, brinquedos e demais aparelhos para atender essa faixa etária (Alessandro Torres)
Campinas é referência nacional e internacional no acolhimento familiar sendo um serviço referencial como medida protetiva especial através do programa Família Acolhedora. A política pública foi implantada na cidade há 25 anos. O grande desafio no momento em Campinas é atrair famílias para integrarem o programa e assim ampliar a oferta de lares. Atualmente, 22 famílias oferecem suas casas para crianças que precisam de abrigo, em razão do afastamento da família de origem, seja por questões judiciais ou por serem órfãos e em processo de adoção. Ao todo, 21 crianças estão morando nesses lares, de forma temporária. O principal objetivo é possibilitar a reconstrução dos vínculos familiares e contribuir para a superação de situações de violência vividas por essas crianças, que ficam com as famílias até que sejam adotadas ou consigam retornar às famílias biológicas.
Na semana passada, Campinas sediou o IV Simpósio Internacional de Acolhimento Familiar que aconteceu no Centro de Convenções da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O evento contou com palestras e apresentações sobre famílias acolhedoras.
A coordenadora do evento, Jane Valente, que foi secretária de assistência social entre 2013 e 2017 explicou que Campinas iniciou esse serviço de famílias acolhedoras em 1997, antes de se tornar uma política pública em 2004. “Quando Campinas iniciou esse serviço, ainda era uma ação inovadora pensada por algumas pessoas”, disse a doutora em serviço social que escreveu um livro sobre o tema intitulado “Família Acolhedora: as relações de cuidado e de proteção no serviço de acolhimento”.
Jane destaca que é importante divulgar esse serviço para que mais pessoas conheçam e passem a fazer parte. “Campinas tem dois serviços e necessita de famílias acolhedoras para ampliar esse serviço”, apontou.
A Prefeitura de Campinas possui dois serviços que atendem ao programa Família Acolhedora. O Sapeca é um serviço público municipal, já o Conviver é um serviço terceirizado. A ideia de contratar uma empresa para auxiliar no processo é ampliar a oferta de famílias acolhedoras na cidade. Ambos trabalham com o mesmo propósito, que é fazer a ponte entre famílias acolhedoras com crianças e adolescentes que precisam de acolhida. As famílias inscritas recebem uma ajuda de custo, cujo valor não foi divulgado pela Prefeitura.
Vandecleya Moro, secretária municipal de Assistência Social, Pessoa com Deficiência e Direitos Humanos de Campinas, disse que a tarefa de encontrar famílias dispostas a participar é um desafio. “Eles precisam entender que não podem adotar aquelas crianças. Várias crianças passarão pela casa deles. Elas ficarão lá até que sejam restituídas ou adotadas”, explicou. Vandecleya destacou que o serviço de acolhida proporciona à criança amor e carinho.
A pesquisadora do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (NEPP) da Unicamp, Juliana Pasti Villalba, que trabalha com políticas públicas há 30 anos, concorda que é um desafio sensibilizar as famílias e motivá-las a fazer parte deste programa. “O acolhimento familiar inclui a criança em um ambiente familiar, mesmo que temporário, mas possa receber amor, afeto, estímulos, uma vida em comunidade e que permita a criança criar vínculos”, explica. Ela destaca que esse acolhimento é fundamental na primeira infância (fase que compreende do nascimento até os seis anos de idade da criança), uma vez que o afeto é fundamental para que as crianças cresçam emocionalmente e se tornem adultos com atitudes saudáveis.
Famílias Marcia Cristina das Dores Santos, de 52 anos, está no seu décimo acolhimento. Tudo começou em 2017 quando ela viu uma reportagem na televisão sobre famílias acolhedoras, depois disso resolveu buscar informações para entender como o programa funciona. “Naquele momento, eu estava pensando em ações que eu poderia fazer para o bem dos outros. Entrei em contato com o Sapeca”, disse.
Ela conta que o processo de despedida é difícil, mas vem trabalhando seu psicológico para que seja um processo menos doloroso ao dizer adeus às crianças que ela acolheu com tanto amor e carinho. "Nos primeiros dias a gente vive um luto. Eu comecei a trabalhar isso comigo. Porque não adianta eu fazer o bem para uma criança e quando ela for embora eu ficar mal”, relatou.
Marcia Cristina tem três filhos biológicos, sendo que apenas um mora com ela. Marcia disse que quando recebe uma criança pensa em fazer o melhor para ela por um período de tempo. Quando a criança vai embora, ela tenta ficar feliz porque fez o acolhimento com muito amor e carinho.
Ao contrário de Marcia, a professora de inglês Paula Breda não tem filhos. A professora de 45 anos disse que tem preferência por acolher bebês, pois já equipou seu apartamento com berço e demais aparelhos para crianças. Casada há 20 anos, ela e o marido, Osmael Breda, 50 anos, decidiram entrar para o programa de acolhida, pois não podem ter filhos. Eles pensaram na possibilidade de adoção, mas como a fila é longa, acabaram desistindo e optaram por acolher crianças que precisam dessa atenção.
O casal entrou para o programa em 2016. Atualmente estão recebendo a sexta criança e pretendem seguir no programa por mais tempo. Paula reconhece que a despedida é difícil, mas foi a missão que escolheram. “São laços profundos que o tempo não vai destruir. Precisamos de uma determinação muito forte e uma estrutura psicológica para o desenlace”, explicou a professora, que leciona para alunos do ensino fundamental.
Gustavo França, barbeiro de 26 anos, foi acolhido quando tinha apenas 3 anos de idade. Na época, a mãe do menino passava por dificuldades financeiras e o deixava com uma babá para ir trabalhar, até que um dia ela não voltou para buscá-lo. Então a babá procurou o Conselho Tutelar, que encaminhou França para uma família acolhedora por dois anos. Nesse período, a Justiça conseguiu contato com o pai do menino, que estava casado e assumiu a guarda da criança. “Hoje eu consigo entender que foi Deus que me ajudou desde o começo. Eu tive a oportunidade de ter um cuidado, um lar e uma família. Sem isso, talvez eu não estaria aqui para contar minha história”, disse França que até hoje mantém contato com a família que o acolheu e corta os cabelos dos meninos da família.
Inscrição
Os interessados em participar do programa Família Acolhedora Campinas devem residir na cidade, maior de idade, não apresentar problemas psiquiátricos e dependência de substâncias psicoativas (como álcool e drogas, por exemplo), não responder processos judiciais, ter disponibilidade para participar do processo de habilitação (que compreende um curso). Além desses aspectos, é importante que todo o grupo familiar aceite a ideia de acolher uma criança ou jovem e também é preciso que a família não tenha interesse em adoção, pois o programa de acolhimento é algo essencialmente temporário, ao contrário da adoção.
Paralelo ao acolhimento, os órgãos públicos realizam um trabalho para viabilizar o retorno da criança ou adolescente para sua família de origem. A guarda concedida à família é provisória e suspensa quando as autoridades entendem que a criança pode voltar para sua família de origem ou quando é adotada por outra família.