ATO DE AMOR

Campinas registra aumento de 61,9% no número de adoções em 2023

68 crianças e adolescentes foram adotadas no ano passado, a segunda maior quantidade em cinco anos

Edimarcio A. Monteiro/ [email protected]
17/03/2024 às 11:28.
Atualizado em 17/03/2024 às 11:28
Maria Cristina Queiroz da Silva e o marido José Altivo Barbosa já estavam praticamente com os filhos criados quando decidiram adotar uma sobrinha, a pequena Ysis, então com três anos e meio (Alessandro Torres)

Maria Cristina Queiroz da Silva e o marido José Altivo Barbosa já estavam praticamente com os filhos criados quando decidiram adotar uma sobrinha, a pequena Ysis, então com três anos e meio (Alessandro Torres)

O casal Maria Cristina Queiroz da Silva e José Altivo Barbosa já estavam praticamente com os filhos criados quando decidiram adotar uma sobrinha e recomeçar a experiência como pais. O filho Kayo, então com 24 anos, já era formado com Educação Física, enquanto a filha Tayná, 21, cursava Medicina Veterinária, e a família aumentou com a chegada de Ysis, então com três anos e meio. “Foi Deus que bateu na nossa porta e nos deu esse anjinho”, recorda o pai, com a voz carregada de carinho. Foi uma decisão de família para garantir um lar para a criança e seu casal de irmãos biológicos, que hoje moram no Ceará após serem adotados por uma irmã de Altivo.

Ysis, hoje com 8 anos, sempre com um sorriso no rosto, chama o casal de pai e mãe e diz que é tia da pequena Alice, filha de Tayná, com quem brinca e “ajuda a cuidar”. Ela tem contato com os irmãos por meio de redes sociais ou visitas em viagens, e a família segue unida dentro de outros núcleos. A disposição e entrega de Cristina e Altivo para amparar o próximo são alguns dos fatores que ajudaram a aumentar o número de adoções em Campinas, que atingiu a segunda maior quantidade em cinco anos de acordo com balanço divulgado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). Foram 68 crianças e adolescentes adotados em 2023, um aumento de 61,9% em relação às 42 adoções registradas em 2022. O resultado é inferior apenas às 74 adoções ocorridas em 2021. 

A professora aposentada, hoje com 58 anos, disse que decisão de adoção foi natural e instantânea, tomada em conjunto pelo casal e os filhos biológicos, mas também racional. Ela e o marido pensaram até na idade que terão quando Ysis chegar à fase adulta, pronta para cursar o ensino superior. “Adoção é cuidar, cooperar, mas o principal é o amor. Tem que se jogar”, disse Cristina. A filha de coração tem as mesmas oportunidades dos outros dois, estuda em escola particular, faz judô e dança.

PERFIL

De acordo com os dados do TJSP, 52 das adoções em 2023 foram de crianças até 8 anos. Na faixa etária de 8 a 12 anos foram oito casos, mesma quantidade de adoções de crianças acima dessa idade. “As pessoas ainda preferem adotar as crianças menores e brancas”, afirmou a diretora do Instituto Proteja no Estado de São Paulo, a advogada Cláudia Camargo. A entidade é uma organização sem fins lucrativos que atua com direitos humanos, principalmente de crianças e adolescentes, fornecendo assessoria jurídica, assistência social, psicológica e até proteção quando é necessário. Uma das iniciativas é apoiar a adoção para dar uma oportunidade de vida melhor para o público infantojuvenil em situação de risco.

A avaliação da profissional encontra respaldo nos dados oficiais. Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), atualmente estão em tramitação no país cerca de cinco mil processos de adoção, sendo que em torno de 300 envolvem grupos de irmãos adotados por uma mesma família. Menos de 15% são de crianças negras e apenas 73 processos são de adolescentes acima de 16 anos. 

Para o juiz assessor da Corregedoria Geral da Justiça na área da Infância e da Juventude., Iberê de Castro Dias, “a preferência marcada por crianças brancas ainda decorre do racismo estrutural, mas hoje essas preferências não são mais barreiras para crianças pretas.” De acordo com os dados do CNJ, em 2019, quando foi lançado o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), 6% das crianças encaminhadas para adoção eram pretas. “Há 20 anos, o fato de ser preta era determinante para ser adotada. Agora, a grande dificuldade está na idade acima de dez anos”, afirmou Iberê Dias.

Os cursos preparatórios do TJSP, obrigatórios aos pretendentes, abordam a adoção interracial, incluindo depoimentos de homens e mulheres que ignoraram a etnia, deficiência física e faixa etária. A ação oficial e de entidades privadas têm reduzido as barreiras para adoção. Dos aproximadamente 9 mil pretendentes, quase 6 mil aceitam adotar qualquer etnia. Há ainda um grupo de 526 que querem uma criança preta, número superior às 168 crianças dessa etnia que estavam disponíveis para serem adotadas até novembro passado. 

A vice-presidente do Conselho da Comunidade Negra de Campinas, Marcela Reis, seu marido Daniel Luis Alves e seus quatro filhos, Maria Clara, Lohanna, Malike e Radhi (Divulgação)

A vice-presidente do Conselho da Comunidade Negra de Campinas, Marcela Reis, seu marido Daniel Luis Alves e seus quatro filhos, Maria Clara, Lohanna, Malike e Radhi (Divulgação)

EXPERIÊNCIA

Para a vice-presidente do Conselho da Comunidade Negra de Campinas, Marcela Reis, é preciso que as crianças e os adolescentes estejam preparados para encarar as situações de preconceito, e os responsáveis também devem ter informações sobre como protegê-las. Esse é o ensinamento que ela e o marido, Daniel Luis Alves, passam para os quatro filhos, a adotiva Maria Clara (18) e os três biológicos, Lohanna (18), Malike (22) e Radhi (9). “É preciso respeitar o próximo”, disse Marcela, para quem o descumprimento desse princípio é o que leva aos casos de xenofobia, gordofobia, sexismo, etarismo, discriminação racial, intolerância religiosa e outros tipos de preconceito.

Ela estava grávida pela primeira vez quando decidiu pela adoção da filha de três meses de um tio. Aos 22 anos de idade, se colocou na condição de mãe/prima. “Nós tínhamos uma condição melhor para ficar com ela”, disse. “Eu sempre tive a responsabilidade de uma mulher mais velha. Aos 10 anos já cuidava dos meus irmãos menores para minha mãe poder trabalhar. Eu que ia as reuniões de escola, participava da festa de Dia das Mães”, completou.

A vice-presidente do Conselho da Comunidade Negra fala com orgulho das conquistas obtidas por todos os filhos. Maria Clara está prestes a começar a faculdade, enquanto Lohanna está concluindo o ensino médio. “A adoção é, acima de tudo, um ato de amor”, afirmou Marcela. 

PROCESSO 

O tempo médio de um processo de adoção no Brasil é de um ano, mas o período pode ser muito mais longo dependendo das características de caso. “Há processos que levam mais de seis anos até conseguir a adoção definitiva. Isso cria até uma insegurança entre os interessados em adotar porque as famílias têm medo de perder a criança durante a tramitação”, disse Cláudia Camargo. A advogada entende que a adoção exige vários cuidados para proteção da criança, mas adverte que a burocracia também é um desestimulante. 

Pela legislação, com base no Estatuto da Criança e Adolescente, qualquer pessoa com mais de 18 anos pode se candidatar a adoção, bastando procurar o Fórum ou a Vara da Infância e Juventude e apresentar documentos como comprovante de renda e de residência, atestados de sanidade física e mental, certidão negativa de distribuição cível e certidão de antecedentes criminais. Após a análise da documentação, começam outras sete etapas.

Elas envolvem avaliação por uma equipe multidisciplinar, participação em programação de preparação para adoção e análise pela autoridade judiciária. Com a habilitação, os dados do postulante são inseridos no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento. Se for encontrado um perfil desejado, a Justiça apresentará o histórico da criança e fará o início do processo de aproximação.

O próximo estágio é de convivência, com a criança ou adolescente passando a morar com a família por três meses, prazo que pode ser prorrogado por igual período. Se o postulante e a criança/adolescente confirmarem interesse, será concedida a adoção provisória. Para Cláudia Camargo, se essa fase for muito longa, há o risco de discriminação na escola, pois o ente a ser adotado não terá os nomes dos novos pais na documentação, ao contrário dos amigos. Isso porque a liberação de um novo registro de nascimento, já com o sobrenome da nova família, ocorre somente após a adoção definitiva. Nessa etapa, a criança pode até ter o nome trocado, quebrando o elo com os pais biológicos.

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