Prova dessa incrível descoberta está em algumas rochas do Parque Ecológico
Análises nos laboratórios da Unicamp comprovaram que essas rochas presentes no Parque Ecológico são oceânicas e com ao menos 626 milhões de anos (Kamá Ribeiro)
Quem diria que um passeio de bicicleta em um dos parques mais frequentados de Campinas - distante 150 quilômetros do litoral - culminaria com a descoberta de que o território ocupado atualmente pelo município abrigou um oceano há cerca de 600 milhões de anos. Em 2020, o professor do Departamento de Geologia e Recursos Naturais do Instituto de Geociências (IG) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Wagner Amaral, decidiu passear de bike no Parque Ecológico Monsenhor Emílio José Salim, onde avistou uma rocha que chamou a sua atenção. Ele, que tem doutorado na área de pesquisas de rochas, pegou o martelo que carrega sempre quando sai de casa e coletou uma amostra para analisar a sua composição. Após as análises nos laboratórios da Unicamp, o professor conclui que se trata de uma rocha oceânica com ao menos 626 milhões de anos, ou seja, essa rocha foi formada no fundo de um oceano. Isso indica que há mais de 600 milhões de anos atrás, o cenário em Campinas era muito diferente do que é atualmente. Ao invés do solo repleto de árvores e animais terrestres, essa porção de terra era o fundo de um oceano com peixes e demais animais marinhos.
"Um oceano foi fechado na região de Campinas e esse fechamento deixou cicatrizes, que são esses pedaços de rochas", disse o pesquisador. O que explica esse fato é que a região onde fica Campinas anteriormente era uma zona de subducção, que são regiões onde há o encontro de duas placas tectônicas e uma começa a deslizar para baixo da outra. "Esse fundo oceânico desceu, o que chamamos de zona de subducção. Com isso as rochas foram levadas a profundidades de 50 quilômetros e depois voltaram para a superfície", explicou o professor. Com esse movimento das placas, o oceano foi se fechando. A descoberta dessas rochas oceânicas revela que Campinas é uma zona de sutura. O professor disse que as porções de terra que formam Campinas antes eram todas quebradas e, a partir desses movimentos das placas tectônicas, foram se juntando para formar a cidade.
Essa informação despertou a curiosidade nos frequentadores do Parque Ecológico Monsenhor Emílio José Salim. O gerente de tecnologia, Alisson Pedro, 37 anos, costuma ir ao parque para jogar tênis e confessou ser difícil imaginar que a região era um oceano, mesmo que há milhões de anos atrás. "Eu estou jogando tênis em um lugar que foi um oceano em um momento. Não dá para imaginar que tudo se acabou e se transformou em um parque frequentado por pessoas", afirmou a gerente de tecnologia, Kátia Vargas, professora da educação infantil, de 34 anos, que estava jogando tênis. "É muito difícil imaginar. Quero ver essas rochas", declarou a professora.
A pedagoga Simone César, 56 anos, que estava fazendo um piquenique no parque, gostou da descoberta. "É maravilhoso isso. Fico imaginando como deveria ser na época", disse Simone com olhar distante, como se estivesse de fato vendo uma projeção de mais de 600 milhões de anos atrás. O noivo de Simone, Renato Dias, 63 anos, disse que consegue imaginar. "O planeta mudou. Antes o Brasil se encaixava na África", observou o professor de Educação Física.
A ideia de que a porção de terra que hoje abriga Campinas em algum momento estava submersa por águas salgadas despertou curiosidade em Ana Clara Carvalho, uma garotinha de 6 anos. Mesmo sendo uma menina com a imaginação fértil, ela confessou que a tarefa de imaginar um oceano em Campinas não é simples. "Talvez eu consiga imaginar os peixinhos aqui. Mas tenho que me esforçar um pouquinho", disse a menina empenhada na missão de imaginar peixes onde hoje ela vê grama e árvores.
O irmão de Ana Clara, Caio de Carvalho, 14 anos, concorda com a irmã. "É difícil imaginar que em um local cheio de árvores, tenha sido parte de um oceano. Não dá para imaginar", disse o garoto. Rosilene Silva Santos de Carvalho, mãe das crianças, 35 anos, compartilha da mesma opinião dos filhos. "Difícil imaginar que aqui era um oceano antes". Por sua vez, o pai das crianças, Anderson José de Carvalho, 36 anos, disse que é algo interessante para investigar. "Algo legal para se estudar, para o que mais pode aparecer", sugeriu.
A arquiteta Hegne da Costa, 33 anos, foi ao Parque Ecológico Monsenhor Emílio José Salim levar o gato, que se chama Gato, para passear e disse não conseguir imaginar que o solo que agora ela caminha antes era um oceano. "Eu nem imaginava isso", confessou. O pai de Hegne, Egmont Costa, 60 anos, é da Bahia e veio visitar a filha em Campinas. Acostumado com praias, ele disse que essa descoberta é boa para a região. "Nunca imaginaria que essa região de São Paulo era parte de um oceano. Dá para estudar bastante", sugeriu o gráfico.
De fato, o professor do Departamento de Geologia e Recursos Naturais do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp, Wagner Amaral, responsável pela pesquisa, disse que, apesar de terem feito essa descoberta que antes havia um oceano em Campinas, ele quer descobrir a idade exata da rocha, que pode estar associada à evolução do supercontinente chamado Gondwana. Além disso, ele segue empenhado nos estudos de mais rochas pela cidade. Os estudos do professor se concentram na faixa do embasamento metamórfico de Campinas, uma faixa que vai do nordeste ao sudoeste da metrópole, que tem extensão de aproximadamente 30 quilômetros, por 5 quilômetros de largura. "Estamos buscando outros pedaços de rochas para determinar a continuidade longitudinal desses afloramentos de rochas", disse.
Ao identificar esse afloramento no parque, o professor observou e percebeu que se tratava de uma rocha diferente das demais. Com isso, ele elaborou um mapa para identificar espécies semelhantes. "Com esse mapeamento identificamos 8 corpos iguais", afirmou. O segundo passo foi coletar amostras. A constatação de que as rochas encontradas no Parque Ecológico Monsenhor Emílio José Salim são de fato rochas oceânicas, bem como a idade delas, foi feita através de análises no laboratórios da Unicamp. "Foram feitas análises petroquímicas, químicas e isotópicas. Utilizamos esses caminhos para entender como essas rochas se formaram", disse. Um dos métodos para determinar a idade das rochas, foi o método urânio-chumbo, que consiste em identificar a quantidade de cada um desses elementos químicos nas rochas. "Quando tem uma grande quantidade de urânio, a rocha é mais nova. Uma vez que o urânio decai para chumbo", explicou.
Com essa descoberta, Wagner Amaral sugere a criação de parques voltados para o turismo geológico. "A descoberta já foi feita em um local que é um parque, já é uma região de lazer. Então, iríamos agregar a essa área uma divulgação científica, que tem um valor educacional e histórico muito grande para as pessoas, além de inserir o município em um cenário geológico importante para entender a evolução do planeta", explicou o professor, que admitiu que, apesar de existirem muitos estudos sobre a evolução da paisagem do planeta Terra, ainda não se sabe muita coisa, especialmente dos tempos mais longínquos. "A gente começa a entender o passado e, a partir disso, entende o presente", defendeu.
Além disso, o professor celebrou que foi descoberto mais um segredo da história da Terra. "A gente descobre mais uma peça de um grande quebra-cabeça que é de como o continente Gondwana evoluiu na nossa região. Colocamos mais um ingrediente para entender a abertura e o fechamento de um oceano", comemorou.