ISRAEL E PALESTINA

Campinas apela pelo fim dos confrontos no Oriente Médio

Comunidades muçulmanas e israelita de Campinas assinaram uma carta pela paz

Cibele Buoro/ [email protected]
27/12/2023 às 11:08.
Atualizado em 27/12/2023 às 11:08
O encontro entre as comunidades muçulmana e israelita, realizado na Câmara de Vereadores, foi interpretado como uma evidência de que o diálogo é possível entre os dois povos (Câmara Municipal de Campinas)

O encontro entre as comunidades muçulmana e israelita, realizado na Câmara de Vereadores, foi interpretado como uma evidência de que o diálogo é possível entre os dois povos (Câmara Municipal de Campinas)

Uma carta manifesto pelo imediato cessar-fogo e pela promoção da paz no Oriente Médio marcou um encontro histórico na cidade de Campinas entre a Comunidade Muçulmana e a Sociedade Israelita Brasileira Beth Jacob de Campinas. As duas comunidades religiosas se reuniram na Câmara de Vereadores em 20 de dezembro de 2023 para a assinatura do documento intitulado 'Palestina e Israel: Por uma Resolução Pacífica, Justa e Definitiva'.

O aumento da violência contínua no Oriente Médio motivou a redação e a assinatura do manifesto, em um gesto conjunto das duas comunidades. No mesmo dia do encontro histórico, o documento foi encaminhado ao presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Em 7 de outubro, às 6h30 (horário local), o grupo Hamas, posicionado na Faixa de Gaza, disparou foguetes com destino a cidades de Israel, conforme relatado pela Agência Brasil. O conflito deste ano foi reconhecido por especialistas como o mais grave desde os confrontos entre Israel e o Hamas, que ocorreram por dez dias em 2021.

A Sociedade Israelita Brasileira Beth Jacob de Campinas é composta por 80 famílias, totalizando aproximadamente 300 pessoas, e possui duas sinagogas no município. Por sua vez, a Comunidade Muçulmana reúne 400 pessoas em toda a Região Metropolitana de Campinas (RMC).

Conforme destacado pelo diretor da Sociedade Islâmica de Campinas, Nader Ezz El Din Habib, a comunidade abrange membros de diversas nacionalidades, incluindo brasileiros que seguem a fé islâmica. Localizada no Parque São Quirino, na Rua Professor Nicolau Marchini, 87, a Sociedade Islâmica de Campinas representa uma diversidade cultural e religiosa.

PASSADO HISTÓRICO

No contexto histórico, o presidente da Sociedade Israelita, Ricardo Puccetti, considera o encontro inédito entre as duas comunidades como uma evidência de que o diálogo é possível.

Ao ser questionado sobre os impactos que a carta manifesto pode gerar nas duas comunidades e na população de Campinas, Puccetti ressalta a importância de adotar uma posição, mesmo que os efeitos da guerra sejam pouco perceptíveis localmente. Ele enfatiza que ambos os povos possuem laços históricos e têm direitos legítimos a seus territórios e à segurança.

Nader Ezz El Din Habib destaca a relevância do posicionamento dos muçulmanos, afirmando que é fundamental demonstrar à sociedade brasileira o apoio à igualdade de direitos, sem hierarquias baseadas em indivíduos, grupos, países, raças ou etnias. Além disso, ele enfatiza que a Sociedade Islâmica de Campinas defende os direitos de todos os povos, buscando a justiça e reconhecendo que o povo palestino foi privado de sua própria casa. Habib ressalta a compreensão da resistência de um povo que buscou, por meios pacíficos, proteger-se.

CARTA MANIFESTO

Quanto à importância da carta manifesto, Puccetti ressalta que os dois países em conflito devem coexistir e manter o respeito mútuo. Ele destaca que a convivência pacífica entre as duas comunidades em Campinas pode servir como um exemplo inspirador para o mundo. "Temos a capacidade de conversarmos sobre nossas diferenças sem causarmos uma crise, pois temos pontos em comum que podem fortalecer nosso diálogo."

Habib lamenta que vidas humanas continuem sendo perdidas, devido à incapacidade humana de compartilhar. Ele enfatiza que toda vida é valiosa e que a vida de um palestino não tem menos valor do que a de um israelense.

A Sociedade Islâmica de Campinas, segundo ele, busca ser um exemplo de união com a comunidade judaica, evidenciando que a convivência harmoniosa no Brasil é prova de que a união entre os dois povos é possível.

Habib destaca, ainda, que a religião não deve ser usada como pretexto "para justificar ou encobrir disputas materiais gananciosas promovidas pelos seres humanos". Ele acrescenta: "Não temos nenhum problema com nossos irmãos judeus. Eles também sofrem com os danos causados pelo governo israelense, que prejudicam a imagem da religião judaica, utilizando a fé para fomentar o racismo e o ódio contra os árabes e os muçulmanos".

FUTURO

Na análise de Puccetti, a sociedade israelita demonstra a intenção de continuar promovendo debates sobre o reconhecimento da coexistência entre os dois povos, buscando diálogo e aproximação.

Para Habib, a iniciativa de redigir e assinar a carta manifesto em consenso foi uma tentativa de gerar conscientização e união, não apenas de forças políticas e diplomáticas, mas também de apoio popular. Isso representou uma inédita parceria entre representações religiosas islâmicas e judaicas, não apenas no Brasil, mas globalmente. Ele expressa confiança na capacidade dos líderes brasileiros na ONU para facilitar o entendimento e alcançar uma solução de paz definitiva, após um cessar-fogo imediato.

O diretor da Sociedade Islâmica de Campinas assegura que continuarão trabalhando pela paz justa, dignidade e pelo princípio da autodeterminação dos povos, conforme estabelecido no Direito Internacional. O objetivo é garantir a independência, liberdade, segurança e o direito à organização própria. Ele expressa o desejo de que ambos os lados, com o respaldo de todos os países, alcancem finalmente o reconhecimento de seu direito à existência como Estados livres e democráticos, Palestina e Israel.

CÂMARA

Ao possibilitar o encontro das duas comunidades para a assinatura de um documento histórico, redigido em um momento crítico devido à intensidade dos conflitos entre os dois países, "Campinas oferece um exemplo de que diferentes tradições religiosas podem coexistir pacificamente", avalia Luiz Rossini (PV), presidente do poder Legislativo de Campinas.

O vereador destaca ainda que a Câmara Municipal demonstra que, com vontade política, é viável alcançar uma solução pacífica para os conflitos globais. Em relação ao envio da carta manifesto ao Presidente Lula, Rossini afirma que, dada a reconhecida habilidade diplomática e política do Brasil no cenário internacional, liderada pela figura do presidente da República, o apelo à máxima autoridade do país era inevitável.

Rossini revela que a Câmara planeja realizar outras iniciativas e elaborar uma moção (um requerimento que expressa a posição da Casa Legislativa) para ser encaminhada a outros órgãos legislativos no país. No retorno das atividades da Câmara em fevereiro, ele expressa a intenção de convidar representantes de diversas religiões como uma forma de "ampliar o caminho para a paz". Quando questionado sobre a expectativa de resposta do presidente Lula, Rossini demonstra otimismo: "Sim, espero um 'conte comigo' por parte de Lula".

TRECHOS DA CARTA (...) 

Estamos diante de um ciclo de violência que se retroalimenta. E mesmo diante da intensidade e da gravidade do conflito, não se observa intenção real das lideranças mundiais em buscar a paz. Isto acaba eternizando perdas constantes de vidas, de ambos os lados. Salvar uma vida equivale a salvar a humanidade. Em 1947, o Brasil presidiu a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, com o senhor Oswaldo Aranha, para definir a partilha da Palestina pela Resolução 181, além de convencer os demais países da América Latina a votarem a favor da proposta.

Portanto, o Brasil teve um papel decisivo na história recente da Palestina e no reconhecimento de dois Estados, independentes e soberanos. E, hoje, possui um status moral capaz de carregar a enorme responsabilidade de ajudar a solucionar o problema. As comunidades muçulmana e judaica de Campinas, unidas pelo bem comum, gostariam que o Brasil continuasse protagonizando sua liderança em nome da paz mundial, com uma linha de atuação que promova equilíbrio e justiça, e que permita que as duas partes possam ser ouvidas. Para alcançar este objetivo, os dois lados devem cessar, incondicional e imediatamente, toda e qualquer violência, preservando a vida e o bem-estar de seus civis.

Assuntos Relacionados
Compartilhar
Correio Popular© Copyright 2025Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por