ENTREVISTA

Campinas adotará plano contra incidente crítico em escolas

A informação é do secretário de Segurança Pública de Campinas, Christiano Biggi Dias; protocolo de ação envolverá diversos órgãos municipais

Da Redação
16/04/2023 às 10:00.
Atualizado em 16/04/2023 às 10:00
O secretário Christiano Biggi Dias: plano estratégico usará métodos de inteligência para prevenir e controlar possíveis incidentes críticos em escolas (Kamá Ribeiro)

O secretário Christiano Biggi Dias: plano estratégico usará métodos de inteligência para prevenir e controlar possíveis incidentes críticos em escolas (Kamá Ribeiro)

O terno azul contrasta com a barba ruiva benfeita, que, à primeira vista, revelaria uma pessoa vaidosa. Minutos depois, o estereótipo é anulado pelo próprio personagem, um homem que não gosta de redes sociais, praticamente não tem hobby e não mantém filiação ou militância partidária. "Minha política é pública", define o secretário de Cooperação nos Assuntos de Segurança Pública de Campinas, o advogado Christiano Biggi Dias.

Uma das raras oportunidades para encontrá-lo fora do local de trabalho é no distrito de Joaquim Egídio, onde costuma pedalar. À frente de uma das maiores guardas municipais do país, ele prefere conferir credibilidade à corporação dando espaço aos que estão na ponta da linha: os agentes. 

Na última semana, Biggi visitou o Correio Popular a convite do presidente-executivo do jornal, Ítalo Hamilton Barioni. Em entrevista, ele falou dos desafios da sua Pasta e adiantou com exclusividade que nos próximos dias a Prefeitura anunciará uma medida complementar às iniciativas já divulgadas para ampliar a segurança nas escolas municipais.

"Vai ser lançado um planejamento estratégico de incidente crítico em escolas. Serão diversas ações sistematizadas, envolvendo os diversos órgãos do município, para que a gente possa, se houver um incidente, saber como agir. O maior mote desse projeto é a questão da inteligência. É uma interação com a comunidade escolar para que ela detecte qualquer fato que desperte atenção, como um jovem que tem um comportamento mais quieto ou que sofra bullying. Vamos buscar os pais, por meio da escola, e monitorar as redes sociais para saber se ele pode ser um potencial agressor", detalha. 

Qual sua trajetória? 

Eu nasci aqui em Campinas mesmo. Fui fazer faculdade de Direito com o sonho de ser delegado de polícia e a vida me encaminhou para outro lado dentro da universidade. Conheci uma professora e fui para um lado oposto ao direito penal. Em 2013, fui para a Prefeitura a convite do prefeito Jonas Donizette, para ser, na época, diretor de gabinete. Passado o primeiro mandato, fui alçado a secretário-executivo do Gabinete do Prefeito. Foi quando comecei a fazer gestão pública e aí, em setembro de 2020, o Jonas me convidou para assumir a Segurança Pública. Eu aceitei, já tinha vontade, mas mantendo sempre a ética. Tinha um relacionamento muito grande com as forças de segurança e com a própria Guarda Municipal (GM), porque no Gabinete a gente mantinha algumas ações estratégicas, como conter invasões. Eu aceitei o desafio e, com a eleição do Dário , ele me convidou para permanecer na Secretaria de Segurança. 

Sua graduação foi em qual instituição? 

Unip.

Como foi a infância? Escola? 

Morei basicamente a vida toda no Jardim Chapadão, me criei lá. Há pouco tempo me mudei, mas toda minha infância foi lá. O que me motivou a fazer Direito foi o meu avô, que também era advogado. Eu sempre gostei dessa temática de polícia. Era o que eu mais gostava e gosto até hoje. 

Antes, o senhor teve alguma atuação política? 

Não! Nada de político. Não tenho indicação partidária, filiação partidária, não tenho nada político. Até era um desafio essa questão política, mas hoje tenho uma visão muito clara de que a política que desenvolvemos é a pública. Política partidária, não, mas política pública a gente desenvolve muito. 

Recentemente, as cidades iniciaram uma ação conjugada para combater o crime, que não enxerga divisas. Como o senhor vê essa cooperação? 

Eu acho que, se tem uma característica que eu posso dizer que é minha, é a integração. Para que a gente vença essa questão e consiga regionalizar as coisas, como tem que ser mesmo, precisa esquecer a vaidade, que é o que mais verificamos. Isso interrompe todas as pontes que a gente tenta fazer. Hoje, há um movimento muito grande de integração das forças de segurança. Primeiro, pela falta de recursos humanos que todas enfrentam: Polícia Militar, Polícia Civil, Guarda Municipal. O efetivo nunca é o ideal. Se a gente não tiver essa sinergia entre as forças, sempre perderemos. O crime é organizado e a gente vai ficar brigando? Não tem lógica. 

A Polícia Militar faz Reuniões de Análise de Estatísticas Criminal (RAC), a Guarda participa e a Polícia Civil também começou a participar. Através disso, a gente detecta em uma área qual o tipo de crime, a incidência, o horário que ele ocorre e, aí, a gente desenvolve uma ação em conjunto. Às vezes agimos juntos, às vezes separados. Para que não ocorra sobreposição, cada um faz em um dia da semana, em um horário. A gente complementa nossas ações. E o que eu acho mais importante nessa integração? A questão de inteligência, da troca de informação. Campinas tem sistemas muito robustos, que abastecem o Estado, que abastecem o governo federal e que todo mundo faz uso dessas tecnologias. Então, a integração hoje é o caminho. É importantíssimo. Não pode ter vaidade, porque se cada um achar que é pai de algum projeto, de alguma ideia, a gente não consegue avançar nunca. 

Quais os resultados práticos dessa integração?

Tem sido produtiva. As guardas hoje têm acesso a diversos sistemas que nem as polícias Civil e a Militar têm, como o Cortex (sistema de monitoramento que atua em tempo real com base em banco de dados). Ele é um grande big data do governo federal, com dados de veículos, pessoas, diversas informações que os municípios têm acesso. Os próprios sistemas de monitoramento veicular que os municípios têm ajudam a abastecer o Detecta, que é o do governo do Estado. A própria Agência Metropolitana de Campinas (Agencamp) tem se movimentado bastante para que ocorra essa integração. Surgiu uma ideia, na última reunião, que despertou o interesse do presidente da Agencamp, Gustavo Reis, que também prefeito de Jaguariúna, que é a criação de uma agência metropolitana de inteligência. Que a gente possa agregar todos os órgãos, todas as informações dessas 20 cidades da região e compartilhá-las. Isso já ocorre, informalmente, mas queremos fazer um cinturão mesmo e ir trocando as informações. A ideia é de que a central seja aqui em Campinas. Cada um com sua informação, mas fazendo o compartilhamento. 

Isso permitiria um tempo de resposta muito maior, não?

Muito! E não só na ocorrência, mas também na questão da prevenção, na diligência. Se você monitora um veículo e já sabe onde ele está andando, de onde ele é, a gente consegue inibir muita coisa.

Indaiatuba tem um sistema que monitora os veículos por toda a cidade...

Nós também temos. Hoje temos esse sistema, que é feito pela mesma empresa, inclusive. É um gerenciamento muito eficaz. A gente consegue muito sucesso nas ações.

Recentemente, os ataques e ameaças contra escolas consternaram a sociedade. Campinas deu uma reposta rápida, com a criação de um canal direto entre GM e escolas e de um programa de monitoramento na rede municipal. Como o senhor vê essas ações?

Vai ser lançado um planejamento estratégico de incidente crítico em escola. São diversas ações sistematizadas, envolvendo os diversos órgãos do município, para que a gente possa, se houver um incidente, saber como agir. Acho que hoje o principal desafio é o que fazer quando há um incidente crítico dentro de uma escola. Mas o que a gente quer é que não ocorra. Então, o maior mote desse projeto é a questão da inteligência. É uma interação com a comunidade escolar para que qualquer fato que desperte atenção, como um jovem que tem um comportamento mais quieto ou que sofra bullying, a escola possa buscar os pais, e também possamos monitorar redes sociais para saber se ele é um potencial agressor. 

Deve ter um protocolo de ação?

Vamos criar isso com as escolas. Em que fase acionar, como acionar e como as forças de segurança devem se organizar para aquele tipo de incidente, tudo dentro da competência de cada órgão. A GM, a Polícia Civil, a Militar e eventualmente até a Polícia Federal. Tudo de forma organizada.

Como é a interdisciplinaridade nas ações com as outras secretarias? Por exemplo, a questão da população de rua envolve Segurança Pública, mas também envolve Assistência Social.

Funciona perfeitamente. É um dos legados da pandemia. Nós havíamos criado um comitê de crise, do qual, inclusive, fui coordenador à época. Isso conseguiu transmitir para as outras secretarias a importância de compreender as limitações, dificuldades de cada uma das pastas. A Segurança interage com todas as outras, não tem como não ser. Tivemos uma reunião recentemente para falar da parada LGBTQIA+: participaram Cultura, Assistência Social, Guarda, Emdec, Setec. Então, essa interação ocorre em diversos temas. Estamos sempre no meio.

E como foi se aproximando da área de segurança? 

No primeiro ano de faculdade teve um concurso para ser conciliador do juizado especial que estava abrindo. E eu fiquei quatro anos lá, conheci uma professora e fui trabalhar no escritório dela. Toda essa experiência eu trago hoje também. De conciliação, principalmente na questão da violência doméstica, que tem se destacado. Temos usado tudo isso. 

Ser "apolítico" não atrapalha os relacionamentos na Administração? 

Eu não sou político, mas o cargo é. Obviamente, ele é político e nós não fechamos as portas para ninguém. Sendo políticas públicas, aplicáveis, estamos à disposição e sabemos que esse é nosso papel, de ser interlocutor para conseguir espaços nos governos federal e estadual. Não é uma política partidária, é uma política pública. 

Nenhuma dificuldade? 

De forma alguma. Ao contrário, acho que isso contribui para desempenhar o melhor papel. 

Pelo caráter neutro?

É, acho que isso ajuda muito. Diálogo com todas as faces sem nenhuma resistência. 

Em uma cidade com a proporção de Campinas, que está conurbada com outras cidades de médio porte, como Sumaré e Hortolândia, quais os principais desafios para a segurança pública? 

A troca de informações, a ação em conjunto. Hoje a questão operacional não é um problema para GM. Temos um concurso em andamento que vai suprir o déficit. Lógico, quanto mais a gente tiver, melhor. Nós recebemos 4 mil ocorrências por mês, cerca de 120 por dia, um número bastante alto. Entre sexta-feira e domingo, são 700 ocorrências em média. E aí, o que a gente tem de grosso? Perturbação de sossego e violência doméstica. Então, o grande desafio, hoje, é a integração. Se conseguirmos fazer isso de forma integrada na plenitude, conseguimos desvencilhar muita coisa. Importante também não ter a utopia de achar que o crime vai acabar, que vamos viver na plena paz. O crime migra. Campinas já foi a capital do sequestro. Hoje, já não temos mais casos do tipo. Mudou, agora o arrebatamento de vítimas é pelo Pix, mas também está sendo desarticulado. 

Para o secretário Christiano Biggi Dias, o uso de câmeras nas fardas, a exemplo do utilizado na Polícia Militar, não se aplica à GM, dada às suas características (Kamá Ribeiro)

Para o secretário Christiano Biggi Dias, o uso de câmeras nas fardas, a exemplo do utilizado na Polícia Militar, não se aplica à GM, dada às suas características (Kamá Ribeiro)

Voltando à integração: quais as barreiras que ainda atrapalham? 

O domínio da informação. Já tivemos resistência entre corporações, hoje não mais. O que a gente precisa ter em mente, quando se fala de integração, é que ela tem que ser uma via de mão dupla. Se o Estado quer determinada informação ou determinada competência, temos que fazer. Por exemplo: o Estado dá aos municípios a delegação de competência para fiscalização de trânsito. Campinas não recebeu essa delegação. Por quê? Porque a gente entende que tem de ser de mão dupla. Quando a gente entender que "eu te dou, mas tenho algo para receber" isso acaba. Essa é a resistência que se tem. 

Qual efetivo da GM? 

Estamos com 680 guardas. Tenho 80 guardas na academia e há uma perspectiva de que tenha outra chamada no concurso em andamento. 

É o ideal? 

Ideal não tem. Quanto mais, melhor. 

Eventualmente, surge na mídia algum caso de violência por parte de agentes de segurança pública ou abuso de autoridade. Tem uma preparação na Guarda para evitar esse tipo de problema? 

Temos. A academia da Guarda hoje é um modelo de referência nacional. Além da matriz curricular que o Ministério da Justiça, através da Polícia Federal, exige, nós temos mil horas de academia. Nós treinamos Campinas e mais outras cidades: Holambra, Indaiatuba, Lindóia, Olímpia, Pinhalzinho, Potirendaba, Santo Antônio de Posse e Serra Negra. Temos firmados alguns convênios para potencializar essa questão da abordagem. Campinas é a única força de segurança pública do Brasil a firmar um convênio com a Unicef. Há dois anos fui procurado pelo Unicef, Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) e Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) para implantar um Procedimento Operacional Padrão (POP) dentro da Guarda. Fechado! Foram dois anos para construir isso. É uma padronização da abordagem de menores infratores. Diversas forças de segurança da Europa e América Latina têm esse convênio. Campinas é a única do Brasil a ter isso. Outra coisa que investimos muito na formação dos guardas foi quanto ao atendimento de casos de violência doméstica. Nós temos o Guarda Amigo da Mulher (GAMA), um programa que recebeu um selo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública pela inauguração da Sala Lilás, um espaço de acolhimento às vítimas de violência doméstica. Então, toda essa preparação que temos, aliada a uma corregedoria atuante, faz com que ajustemos a conduta do guarda. A GM não tem índice de mortalidade ou abuso de autoridade. A gente tem tudo sob controle, para evitar problemas. 

A população respeita a Guarda? 

Respeita! Bastante. A GM de Campinas tem esse reconhecimento e esse número alto de ocorrências decorre também do respeito que a população tem. A gente percebe que tem um papel institucional importante por trás disso. 

A GM tem uma comandante. Como é a participação da mulher nesse efetivo? 

Temos mulheres em pontos estratégicos da Guarda. A comandante (Maria de Lourdes Soares) é extremamente competente, dedicada, preocupada com as questões de direitos humanos. É bem interessante e ela vai muito bem, muito bem mesmo. Ela tem um respeito imenso na corporação. 

A corporação tem equipamento suficiente? 

Tudo que hoje as guardas do país têm de equipamento, nós temos. Temos 80 viaturas. Temos um grupamento de motocicletas que anda de BMW 750 cilindradas. Temos o Canil, o Grupo de Ações Especiais (GAE) e o patrulhamento rural. Todos bem equipados.

Os guardas municipais têm muitas demandas? 

Temos uma antiga. A reformulação do plano de cargos e salários. A gente conseguiu, na última semana, fechar e encaminhar uma proposta para o prefeito. Todos os guardas participaram da formação do plano. Essa é uma demanda premente na Guarda. Graças a Deus, conseguimos entregar a lição de casa lá na Secretaria de Recursos Humanos. 

No dia 8 de janeiro, alguns GMs de Campinas usaram as redes sociais para declarar apoio aos atos terroristas e questionar o resultado das urnas. Tem alguma orientação sobre uso de redes sociais dentro da corporação? 

A orientação que a gente tem é que um órgão institucional. Nenhuma vontade pessoal, nem minha nem dos guardas, impera. O que impera é o posicionamento estratégico de cada instituição. Eu entendo que a Guarda é um órgão de Estado, não de governo. Essa é a autonomia que temos para desenvolver nosso trabalho. Dentro desse conceito, nenhum guarda deve ter esse viés no interior da instituição. Se houver esse comportamento, com certeza será apurado pela corregedoria, porque essa não é a visão estratégica da Guarda. 

Temos GMs influenciadores? 

Tem alguns guardas que divulgam o trabalho, mas, como ele só acontece graças à instituição como um todo, esse material passa pela Secretaria de Comunicação (Secom). Depois que se tornou público, aí o conteúdo pode ser compartilhado.

Qual opinião do senhor sobre o uso da câmera nas fardas dos GMs? 

Eu sou contra. Principalmente dentro da Guarda. Foi usado como uma medida para conter violência policial, sobretudo a questão de mortes, o que a GM não tem. Nós tivemos apenas um evento registrado. Então, não justifica o investimento em câmeras. Entendo que devemos treinar o guarda e o policial, para que ele não desvie da função dele. A câmera hoje para o Estado custa R$ 1,8 mil. Como todo lugar tem câmera, tem alguém filmando. O investimento não se justifica. 

Quais as áreas críticas de Campinas? 

Depende do tipo de crime. Quando falamos de violência doméstica, por exemplo, o problema ocorre predominantemente na periferia. Não que não ocorra em outras áreas, mas a incidência é maior em áreas periféricas. Furto e roubos de veículos são mais dinâmicos. 

Reclamam muito de barulho no Cambuí...

A GM absorveu uma função que não era dela, de perturbação de sossego. As reclamações dos moradores chegam aos guardas e a gente tem feito a fiscalização. Só que, às vezes, o volume do som é maior no apartamento, no alto, que no solo. Se a pessoa não permitir a entrada da Guarda nesse apartamento para aferir os decibéis, fica difícil autuar. 

Atuam na Lei do Pancadão? 

Atuamos, mas hoje, graças a Deus, esse problema acabou em Campinas. É uma lei exemplar, copiada por vários municípios. Os locais com maior número de ocorrências já foram dispersados. Ainda tem alguns pequenos lugares, mas a maioria já foi resolvida. 

As pessoas reclamam que o Centro é inseguro. Por quê? 

A característica que a gente tem no Centro hoje: ele já não é tão atrativo, desestimula a ocupação dos prédios. Por outro lado, com os imóveis vazios, com essa falta de ocupação, mostra outra face oculta, dos moradores em situação de rua. Mas existe um programa da Prefeitura que vai reavivar o Centro. Isso vai fazer com que seja ocupado novamente, e a gente vai conseguir melhorar a segurança. 

Tem alguma projeção política para o futuro? 

Sou plenamente realizado na Secretaria. Alçar outros cargos, de forma alguma. 

Torce para algum time? 

Não gosto de futebol. 

Tem algum hobby? 

Trabalho, eu gosto de trabalhar! 

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