QUARESMA

Campanha da Fraternidade prega mais diálogo e respeito

Iniciativa é lançada por católicos e protestantes em cerimônia ecumênica na Catedral

Raquel Valli/ Correio Popular
18/02/2021 às 17:10.
Atualizado em 22/03/2022 às 03:55
Missa de Quarta-Feira de Cinzas realizada na Catedral Metropolitana de Campinas: fiéis dão início à Quaresma (Kamá Ribeiro/ Correio Popular)

Missa de Quarta-Feira de Cinzas realizada na Catedral Metropolitana de Campinas: fiéis dão início à Quaresma (Kamá Ribeiro/ Correio Popular)

Praticamente todo mundo conhece alguém que tenha discutido nas redes sociais, ou mesmo na vida real, com um amigo, conhecido, ou familiar, sobre política, sobretudo nesses tempos de polarização opinativa. Em casos mais graves, laços são rompidos, e cicatrizes formadas onde antes havia relações tidas como sólidas. E esse é apenas um dos exemplos do que ocorre quando a capacidade de ouvir, e de ser ouvido, é renegada, e o respeito ao próximo, nulo.

O problema, tão comum no Brasil, sobretudo em tempos de rixas como as que ocorrem entre bolsonaristas e petistas - entre tantos outros exemplos - é o foco da Campanha da Fraternidade deste ano, cujo tema é "Fraternidade e Diálogo: compromisso de amor". A iniciativa foi lançada ontem de forma ecumênica pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e pelo Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (Conic), composto por igrejas protestantes e pela Igreja Ortodoxa.

"A campanha convida comunidades de fé e pessoas de boa vontade a superar polarizações e violências do mundo atual, através do diálogo e do testemunho da unidade na diversidade, inspirado no Cristo. Não podemos nos fechar em uma bolha. Jesus sabia olhar com dignidade e com respeito para todos, e mesmo para aqueles que tinham uma vida bem diferente daquela que Ele nos trouxe do Pai", afirmou o arcebispo metropolitano de Campinas, dom João Inácio Müller. "Devemos criar pontes que unem, ao invés de muros de indiferença e de ódio, que separam. Diálogo é falar e ouvir, com reverência, e devemos nos esforçar para mantê-lo com o diferente", acrescentou o clérigo.

Nesse sentido, dom Inácio lembra passagens bíblicas, como quando Cristo se aproximou da mulher que seria morta a pedradas, por ter sido pega em flagrante adultério, ou quando chama o coletor de impostos Mateus - um pecador público - para segui-lo como apóstolo. "Estabelecer diálogo com o diferente era a maneira de Jesus evangelizar. Ele não veio para os sãos, mas para os enfermos. Não veio para os justos, mas para os pecadores. Ensinou a ir ao encontro da ovelha perdida, e encarrega-se dela. Por isso, a unidade não está naqueles que pensam igual ou diferente de mim. Mas, está em Cristo, porque Ele fez, e é quem faz a unidade".

Em relação aos aspectos práticos da campanha, monsenhor José Eduardo Meschiatti, vigário-geral da Arquidiocese de Campinas, afirmou: "é preciso denunciar as diferentes violências, contribuir para que possamos superar desigualdades, com ações concretas". Citou, como exemplos, "a violência contra à mulher, aos negros e a grupos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros (LGBT), que, ao longo do seu posicionamento, têm sido vítimas crescentes de violência desde 2012".

Ainda de acordo com o monsenhor, "a Igreja tem um olhar de misericórdia, não apenas para este grupo, e não apoiando necessariamente suas bandeiras, mas dizendo: ninguém pode sofrer violência pelo seu jeito de ser, pela sua forma de pensar e de atuar na sociedade. Todas as pessoas têm o direito de se expressar, e elas precisam ser respeitadas".

Já o cônego Cláudio Menegazzi, traçou um paralelo entre o nosso tempo e o vivido por Cristo, durante o Império Romano. "Há uma semelhança muito grande em relação aos muros de intolerância, inimizade, divisões, violências, desigualdades sociais e econômicas, e na dominação do povo. Mas, Jesus vai construindo pontes através do Seu amor e de Suas atitudes concretas, promovendo acolhida e inclusão. A diferença não é motivo para conflito, mas, ao contrário, nos traz conhecimento. Não é possível estar com Deus, e, ao menos tempo, discriminar e desrespeitar as pessoas por causa de suas diferenças éticas, religiosas ou de gênero".

Todos somos iguais

Se o tema da campanha é "Fraternidade e Diálogo: compromisso de amor", o lema é "Cristo é a nossa paz: do que era dividido, fez uma unidade", extraído do capítulo 2, versículo 14, da carta de São Paulo aos Efésios - evocando o muro divisor do pátio dos gentios no Templo de Herodes. Isso porque os não judeus, tidos como não crentes, eram proibidos de acessar os pátios internos do templo, por uma barreira de 1,4 metro de altura, segundo o historiador Titus Flavius Josephus (37 d.C - 100 d.C). E nessa barreira havia 13 placas de pedra, com inscrições em grego e em latim, advertindo-os para que não entrassem. Caso assim o fizessem, estariam sujeitos à morte.

De acordo com a Bíblia, São Paulo foi preso em Jerusalém por supostamente levar um gentio para o pátio interno do templo (Atos 21,16-30), mas a morte de Jesus na cruz e Sua ressurreição já haviam rompido esse muro divisor, equalizando gentios e judeus como iguais. Como resultado, a epístola do apóstolo apregoa que todas as pessoas têm acesso garantido a Deus por meio da fé em Cristo Jesus. "De fato, Ele é a nossa paz: de dois povos fez um só, em sua carne derrubando o muro da inimizade que os separava." (Ef 2: 14)

Igreja prepara fiéis para a Quaresma

Celebração na Quarta-Feira de Cinzas é oportunidade de reflexão e penitência

Após a terça-feira de Carnaval, a Igreja Católica convida os fiéis ao jejum e à abstinência de carne na Quarta-Feira de Cinzas. O recolhimento é destinado à preparação das almas para receberem Cristo, que se aproxima na Solenidade da Páscoa.

Durante a cerimônia, o sacerdote traça uma cruz na testa do fiel, ungindo a fronte com óleo e cinzas, recitando "Lembra-te, ó homem, que és pó e em pó te hás de tornar". O versículo é proveniente do capítulo três do livro de Gênesis, ressaltando a futilidade das glórias do mundo, voláteis como a cinza que o vento leva.

O rito tem duplo significado: primeiro, relativo à consciência da precariedade humana, e, segundo, à mudança interior, por meio de conversão e penitência. Por isso, o sacerdote pode recitar também "Convertei-vos e crede no Evangelho", referente ao versículo 1 do capítulo 15 do Evangelho de São Marcos.

Ainda de acordo com a Igreja, o ser humano não é apenas carne, mas também espírito; e se a carne tem como destino o pó, o espírito é feito para a eternidade. Além disso, Cristo ressuscitou, derrotando a morte, e o homem, ao proclamar-se pecador, necessitado do perdão de Deus, pode voltar à vida, por meio do encontro com Cristo Jesus.

A faxineira Marli Silva, de 48 anos, estava presente ontem na missa da Catedral Metropolitana de Campinas. "Não poderia faltar. Não é um dia qualquer. Eu me refugio em Cristo, e é disso que o mundo precisa. E isso não é apenas muito importante. Importante é pouco. É muito abençoado, e é muita graça de Deus poder seguir a doutrina". Em relação à Quaresma, especificamente, afirmou: "é uma proposta pra gente se converter mais e mais. E eu me emociono porque ser filha da Igreja Católica é o melhor que eu tenho na minha vida". 

Assuntos Relacionados
Compartilhar
Correio Popular© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por