NO COMPLEXO FERROVIÁRIO

Camelôs de Campinas condicionam shopping popular à demolição de galpão

Projeto de novo camelódromo só é viável se prédio tombado for removido, diz Sindipeic

Edimarcio A. Monteiro
31/05/2022 às 08:28.
Atualizado em 31/05/2022 às 08:28
Galpão que, segundo o sindicato dos camelôs, precisa ser demolido é uma antiga garagem de manutenção de locomotivas que está pichado, com lixo e cujas telhas não são originais

Galpão que, segundo o sindicato dos camelôs, precisa ser demolido é uma antiga garagem de manutenção de locomotivas que está pichado, com lixo e cujas telhas não são originais

A construção do shopping popular no antigo pátio ferroviário da Fepasa está condicionada à demolição de um antigo galpão tombado pelo patrimônio histórico municipal e estadual. O Sindicato dos Empreendedores Individuais de Ponto Fixo Público e Móvel de Campinas (Sindipeic), que representa os camelôs, alega que a manutenção do galpão inviabiliza a instalação do que seria o maior centro comercial da região central. O projeto final do empreendimento, contendo o pedido de demolição do prédio, foi apresentado na reunião do Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Campinas (Condepacc) na última quinta-feira. O órgão avaliará a proposta nos próximos encontros para decidir pela aprovação ou veto do projeto.

O galpão — alvo do pedido de demolição — é uma antiga garagem de manutenção de locomotivas localizada na Rua Luiz Donizetti Rovaris, em frente ao Terminal Metropolitano de ônibus Prefeito Magalhães Teixeira, no Centro. O vereador José Carlos dos Santos, o Carlinhos Camelô (PSB), vice-presidente do Sindipeic e que participou da reunião do Condepacc, classifica o prédio como "um lixo" por estar muito degradado e defendeu a demolição. 

"Esse prédio não tem nenhum valor histórico e foi saqueado por usuários de droga", afirma. O galpão está tomado por lixo; muitas telhas de amianto, que não são as originais da construção, estão quebradas; e as paredes estão pichadas e trazem marcas negras de fumaça, provavelmente causada por fogo ateado por pessoas que ali dormem.

Com investimento de R$ 115 milhões, o projeto apresentado pelo Sindipeic prevê a ocupação de uma área de 18 mil metros quadrados, com três andares, 42 mil m2 de área construída e 1.688 boxes. 

Segundo o vereador, a manutenção do prédio tombado exigiria a redução de cerca de 600 boxes do shopping popular, impedindo o atendimento de todos os camelôs da área central da cidade. "Não tem como atender apenas mil, deixar uma parte para trás", justifica. De acordo com ele, o centro de compras receberá os 1.380 camelôs hoje espalhados por seis pontos do Centro, entre eles as Ruas Álvares Machado, Benedito Cavalcante Pinto e o Terminal Central.

"O shopping é muito importante para a revitalização do Centro, para o desenvolvimento da cidade", defendeu o vereador. "Se o projeto não puder ser viabilizado, aquela área [complexo ferroviário] não será usada para nada. Nada será instalado naquela região", afirma Carlinhos Camelô.

Preservação

O vice-presidente do Sindipeic avalia que a resolução n° 129, de 12 de junho de 2014, que trata do tombamento do complexo ferroviário, deixa em aberto a possibilidade de demolição. O 1° parágrafo do artigo nº 1 diz que "qualquer intervenção que se pretenda promover nos bens tombados deverá ser precedida de projeto previamente analisado e aprovado pelo Condepacc." Segundo o vereador, a necessidade de construção de calçada para pedestres, uma exigência legal para aprovação do projeto, já exigiria a derrubada do prédio. "Hoje, não tem calçada e o espaço que existe é muito estreito, não dá para passar uma pessoa", argumenta.

Carlinhos Camelô afirma que o novo projeto atende às mudanças exigidas anteriormente pelo Condepacc para incorporar ao shopping um outro prédio de tijolos na Rua Luiz Donizetti Rovaris. Carlinhos argumenta que somente a restauração desse galpão custará pelo menos R$ 7 milhões, encarecendo o custo do centro de compras. "Isso sem contar o aumento acima de 45% do material de construção, como ferro e cimento. Se esse projeto tivesse sido aprovado um ano e meio atrás, custaria R$ 70 milhões. Quanto mais o tempo passa, mais o valor aumenta", afirma.

A última data prevista para início das obras do shopping popular era janeiro passado. Porém, a exigência de incorporação do prédio de tijolo à vista provocou o adiamento. A construção do shopping será bancada pelos próprios camelôs, por meio de uma linha de financiamento a ser quitada entre 48 e 72 meses. "O pagamento será viável porque o camelódromo continuará funcionando até o shopping ficar pronto. Os camelôs vão ganhar dinheiro no camelódromo e pagar o box no shopping", diz a presidente do Sindipeic, Maria José Massioli Salles, a Zezé.

"Muitas pessoas ficam cobrando porque os camelôs atuam na informalidade. Quando queremos nos adequar, encontramos obstáculos que dificultam a mudança", reclama Carlinhos, referindo-se aos atrasos na construção do shopping popular. O camelô Rômulo Silva Oliveira, que atua há 22 anos no setor, considera que a transferência para o centro de compras "será melhor" para a categoria.

O empreendimento está previsto para ser construído em local com grande fluxo de pessoas dos terminais metropolitano e rodoviário, com possibilidade de aumento após a instalação do trem intercidades. O vereador diz que a construtora prevista para executar a obra do shopping estima a conclusão em dois anos. Segundo ele, após a aprovação pelo Condepacc, o Sindipeic entrará com o pedido de aprovação do projeto na Prefeitura. Ele acredita na possibilidade das obras terem início no segundo semestre deste ano. "Para a categoria, dar o pontapé inicial é um avanço muito grande", diz.

Polêmica

Porém, há a possibilidade do shopping popular levar mais tempo para sair do papel. A coordenadora de Comissão de Patrimônio Cultural do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo (CAU-SP) e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), Vanessa Bello, alerta que o pedido do Sindipeic para demolição de um dos prédios do complexo ferroviário deverá ser bem avaliado. "Se for um galpão que não está no rol de bens tombados municipais, até pode demolir", explica.

A resolução 129 elenca 31 prédios, trilhos, espaços vazios que estão nos pátios que eram usados pela Companhia Paulista de Estradas de Ferro e Companhia Mogiana de Estradas de Ferro. De qualquer forma, alerta Vanessa, que ocupa ainda a coordenadoria do Núcleo São Paulo do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos, na sigla em inglês), a aprovação pelo Condepacc, que é um órgão municipal, não basta.

Ela lembra que a área da antiga Fepasa, que assumiu as duas companhias férreas, é tombada pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat), subordinado à Secretaria Estadual da Cultura. Portanto, esse órgão também terá que aprovar o projeto do shopping popular para que possa ser construído.

A professora da PUC aponta ainda mais um empecilho para o centro de compras. "Tem outro problema. A área concessionada para os camelôs pela União seria de interesse para operação do trem intercidades da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), pois é exatamente a área próxima à Rodoviária e isso facilita a conectividade intermodal entre trem e ônibus. Ou seja, independente das questões de patrimônio, a área não é boa para ceder apenas aos camelôs."

Para a coordenadora do Icomos, "um projeto mais inteligente seria os interessados não disputarem áreas, mas fazer o projeto da nova estação de trem junto com o espaço comercial para os camelôs. Aliás, isso seria até melhor para os camelôs, pois onde há gente circulando em estações, sobretudo intermodais, há mais clientes e eles ganhariam mais dinheiro."

Vanessa defende um concurso de projetos para encontrar uma solução que atenda todos os interessados e demandas.

Procurada pela reportagem, a Secretaria Municipal de Cultura e Turismo e presidente do Condepacc, Adriana Caprioli, respondeu: "o Condepacc entende que o projeto do shopping dos camelôs é um desejo do sindicato, mas informamos que ele foi somente apresentado na reunião, mas não foi apreciado e nem discutido pelos membros do Conselho. O Condepacc vai se manifestar sobre o assunto somente quando retomar a pauta". 

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