REAÇÃO

Câmara rejeita moção de repúdio a Bolsonaro

Ao dar o seu voto a favor do impeachment, Bolsonaro homenageou o coronel Ustra (1932 - 2015), militar conhecido pela como torturador

Raquel Valli
19/04/2016 às 22:09.
Atualizado em 23/04/2022 às 00:58
Repúdio ao discurso de Jair Bolsonaro não avançou na Comissão de Legalidade da Câmara de Campinas (Cedoc/RAC)

Repúdio ao discurso de Jair Bolsonaro não avançou na Comissão de Legalidade da Câmara de Campinas (Cedoc/RAC)

Uma moção de repúdio contra o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) foi rejeitada na última segunda pela Câmara de Campinas. Ao dar o seu voto a favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT), Bolsonaro homenageou o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra (1932 - 2015), militar reconhecido pela Comissão Nacional da Verdade e pela Justiça de São Paulo como torturador na Ditadura Militar. Ustra foi chefe do Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) de São Paulo, entre 1970 e 1974, e teria torturado a presidente Dilma Rousseff, presa por participação na luta armada contra o governo militar. A moção foi rejeitada por ter sido considerada “parcial”, disse o vereador Zé Carlos (PSB), integrante da Comissão de Constituição e Legalidade da Câmara, que vetou a proposta feita pelo vereador Pedro Tourinho (PT). Para Zé Carlos, houve dois fatos gravíssimos durante a votação do impeachment: a fala de Bolsonaro, e o fato do deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) ter cuspido no deputado rival. A agressão, segundo Wyllys, foi em reação a xingamentos preconceituosos de Bolsonaro em relação à sua sexualidade. Para Tourinho, a justificativa de parcialidade da comissão em Campinas foi apenas “uma desculpa para a comissão rejeitar a moção” contra Bolsonaro. "Por que Tourinho não repudia os dois? Sou contra todo tipo de tortura, e contra toda falta de respeito. Não se cospe na cara dos outros. Os direitos e deveres são iguais para todo mundo. Se tivesse moção repudiando tanto Bolsonaro quanto Wyllys, eu teria votado a favor”, afirmou Zé Carlos. Já para o petista, “uma coisa não tem nada a ver com a outra”. “Por que o Zé Carlos não fez uma moção contra o Jean Wyllys?” Mas Tourinho afirmou que não votaria a favor de uma moção contra Wyllys. “Não acho que tudo bem ele ter cuspido, mas não votaria (repudiando).” Para o petista, o fato de a Câmara ter vetado a rejeição ao ato de Bolsonaro “é preocupante porque de uma maneira indireta (a Casa) referenda o que esse fascista representa: o assassinato, a tortura, e isso não deveria ser legitimado em hipótese nenhuma”. A citação “celebratória de Ustra, uma das figuras mais repugnantes da História do Brasil, é muito triste. É muito pesado contra todos nós”, completou o vereador. O especialista em Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra (Portugal) Alexandre Sanches Cunha, advogado criminal pela PUC-Campinas e bacharel em filosofia pela Unicamp, afirma que tanto Bolsonaro quanto Wyllys feriram o decoro parlamentar, e tiveram atitudes lamentáveis. “Isso é tudo o que não se espera de um deputado. Em um parlamento civilizado isso é inconcebível. O povo brasileiro ficou estarrecido com a falta de preparo dos nossos representantes. Mas, esse raio-X foi bom. Quem sabe assim, nas próximas eleições, não se vota melhor? As crises são positivas quando produzem mudanças.” Ainda de acordo com Sanches, “os deputados contam com a impunidade” para cometer atos como os vistos no domingo. “Tomam esse tipo de atitude para cativar seus respectivos públicos, contando que não sofrerão sanções.” Ustra é acusado de chefiar 45 mortes; Dilma lamenta fala Carlos Alberto Brilhante Ustra, tenente-coronel pelo Exército Brasileiro, chefiou de 29 de setembro de 1970 a 23 de janeiro de 1974 o DOI-Codi de São Paulo — órgão cujo objetivo era investigar e combater a ameaça comunista no Brasil. Sob sua chefia, foram registradas pelo menos 45 mortes, de acordo com relatório da Comissão Nacional da Verdade, que apurou crimes cometidos pela Ditadura Militar (1964-1985). Em 2008, Ustra foi condenado em 1ª instância pelo juiz Gustavo Santini Teodoro da 23ª Vara Cível de São Paulo a pagar indenizações a famílias de vítimas, tornado-se assim o primeiro militar reconhecido pela Justiça como torturador. Quatro anos depois, em 2013, depôs na Comissão Nacional da Verdade, em Brasília. Afirmou que cumpriu as ordens que lhe foram designadas à frente da unidade militar — de combater o terrorismo —, e negou que tenha cometido algum crime. “Ela (a presidente Dilma Rousseff) pertenceu a organizações terroristas. E se não fosse a nossa luta, se não tivéssemos lutado, hoje eu não estaria aqui porque eu já teria ido para o ‘paredon’”, disse na ocasião. Dilma foi integrante de organizações clandestinas e, acusada de subversiva, ficou encarcerada de 1970 a 1972 no presídio Tiradentes, em São Paulo. Em 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu as ações penais contra o militar justificando ser necessário aguardar o parecer da Lei da Anistia. Naquele mesmo ano, Ustra morreu de câncer e de complicações cardíacas. Dilma relatou em 2001 à Comissão Estadual de indenização às Vítimas de Tortura de Minas Gerais que teve um dente arrancado a socos, que foi pendurada em “pau de arara” e que levou choques elétricos durante as sessões de tortura. Em entrevista à imprensa estrangeira, ontem, Dilma repudiou o discurso de Bolsonaro. “A fala desse deputado é lamentável. Fui presa e torturada, e esse senhor (Ustra) foi um dos maiores torturadores do Brasil. Sobre ele recaem acusações de tortura e morte”, disse.

Assuntos Relacionados
Compartilhar
Correio Popular© Copyright 2025Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por