FECHANDO O CERCO

Câmara de Campinas aprova projeto para aumentar multa a quem vandalizar patrimônio público

Um segundo PL protocolado no Legislativo pretende implantar um ‘Disque Pichação’ para tentar flagrar autores de depredações

Luis Eduardo de Sousa/ [email protected]
12/04/2024 às 09:17.
Atualizado em 12/04/2024 às 09:17
Monumento que homenageia os fundadores da Companhia Mogiana, no Largo Marechal Floriano Peixoto (Kamá Ribeiro)

Monumento que homenageia os fundadores da Companhia Mogiana, no Largo Marechal Floriano Peixoto (Kamá Ribeiro)

Novas ações do poder público de Campinas fecham o cerco contra os atos de depredação a monumentos históricos da cidade, após uma sequência de sucessivos registros nos últimos meses. Além de ações do Executivo, como a força-tarefa anunciada na última semana para conter os ataques aos ícones culturais, o Legislativo avançou com duas pautas nesse sentido.

Uma delas trata-se de um projeto do vereador Paulo Gaspar (Novo), aprovado em definitivo na sessão da última quarta-feira na Câmara Municipal, que eleva em quase três vezes o valor da multa aplicada a flagrantes de depredação do patrimônio público. O projeto depende da sanção do prefeito Dário Saadi (Republicanos) para entrar em vigor.

A segunda ação refere-se a um Projeto de Lei, protocolado pelos vereadores Rubens Gás (PSB) e Carmo Luiz (Republicanos), para implantar o “Disque Pichação”, serviço que tem como objetivo receber denúncias rápidas para conter a ação em prédios e monumentos. O projeto ainda precisa ser aprovado em duas votações, antes de ser apreciado pelo Executivo. De acordo com a Administração Municipal, Campinas desembolsa R$ 1 milhão por ano para reparar os danos causados aos seus monumentos.

As ações se dão em meio a um contexto epidêmico de depredação dos objetos, que não cessam mesmo com as recorrentes denúncias sobre os ataques. Em agosto do ano passado, uma reportagem do Correio Popular revelou a situação de desgaste do acervo, que é composto por 105 unidades tombadas e mais 20 não tombadas - o que configura o conjunto como um dos mais importantes do país.

À época, em um período de apenas três semanas daquele mês, o busto do Padre Anchieta (em frente ao Colégio Carlos Gomes), o monumento da Companhia Mogiana (em frente à Estação Cultura) e peças do monumento-túmulo de Carlos Gomes (na Praça Bento Quirino) foram furtados. Nenhum deles foi recuperado pelas autoridades. Quase oito meses depois, a situação das obras é a mesma.

Na quinta-feira (11), a reportagem percorreu diversas peças entre as principais da região central e encontrou, em algumas delas, cenários até piores que os anteriormente denunciados.

O monumento-túmulo de Carlos Gomes contém uma série de desgastes causados por vandalismo. O espaço, que conta com o sepulcro de uma das mais proeminentes figuras da história de Campinas, é guardado apenas por um pequeno cercado de grade cujo portão fica aberto, facilitando a entrada de qualquer pessoa. O monumento está pichado, sujo, quebrado, com marcas e odor de urina. A placa que o identifica foi furtada, bem como as cantoneiras que protegiam os degraus. O gramado que cerca a estátua aparenta não receber manutenção há muito tempo.

Na mesma praça, os bustos de Cesar Bierrenbach e Bento Quirino se encontram em situação similar. O primeiro está repleto de pichações e rabiscos, adesivos e fezes de pássaro, além de ter partes quebradas. Já o segundo tem partes faltando, como a placa de identificação da obra, que foi furtada, e pequenos fragmentos de aço, também removidos. Adicionalmente, a estátua virou um mosaico de chicletes, e transfere a impressão de que não recebe manutenção.

A degradação dos objetos na Praça Bento Quirino incomodam clientes e funcionários dos bares e lanchonetes do local, um dos espaços mais boêmios da metrópole.

“Há quem entre (no monumento-túmulo de Carlos Gomes) para usar drogas e faz isso sem nenhum constrangimento. Jogam lixo, deixam os restos, urinam e até defecam. Geralmente a praça tem policiamento, mas em um intervalo pequeno, com a ausência de uma viatura, eles agem”, conta o garçom Leonardo Cenna, de 27 anos. “Penso que afasta parte do público aqui da praça. Dá a impressão de que é um lugar sujo e de proliferação da impunidade. Aliase a isso a presença da população de rua, que acaba por incomodar os clientes nas mesas e vira um problema generalizado”, complementa.

Segundo a comerciante Caroline Oliveira, de 37 anos, as ações acontecem majoritariamente no período noturno. “Nós não os vemos com as mãos na massa, mas é comum chegarmos no dia seguinte e nos depararmos com uma nova pichação, um novo furto”, relata. Ela administra uma pastelaria no local. “O comentário comum na boca do povo é que o ‘lixo de Campinas é o Centro’, lamentavelmente.”

Maceioense, Alessandra Santana, 52 anos, frequenta a Praça Bento Quirino ao menos três vezes por mês, porém, por falta de opção. Ela avalia, no entanto, que o espaço poderia ser melhor e que a situação de degradação do patrimônio é um “desperdício para uma cidade do porte de Campinas”.

“Quando cheguei aqui, confesso que me assustei. Achei que, assim como São Paulo, a cidade teria espaços trabalhados para serem atraentes, como a Vila Mariana, na capital. O mesmo tem sido feito em Maceió, que restaura seu centro histórico incluindo um atrativo a mais para o turista, além da praia. É triste ver os monumentos assim. Eles decoram a cidade e inibem um potencial enorme que Campinas tem."

Além dos monumentos citados, a reportagem constatou furtos no Monumento a Campos Sales, na Praça Heitor Teixeira Penteado, e no monumento que homenageia os fundadores da Companhia Mogiana, no Largo Marechal Floriano Peixoto. No primeiro local, as facas que compunham uma das estátuas foram removidas. Comerciantes relataram que não sabem precisar se os objetos foram furtados ou removidos pela própria Administração justamente para evitar os crimes, mas garantem que já estiveram ali.

No último dia 3, o novo totem em homenagem ao Guarani amanheceu coberto por inscrições e manchas pretas. Este totem, instalado na Praça Carlos Gomes, foi inaugurado um dia antes, em comemoração aos 113 anos do time, substituindo o anterior que também havia sido alvo de vandalismo em novembro passado.

AÇÕES

O projeto que eleva a multa para quem for pego depredando patrimônio altera a penalidade. Se sancionado, o valor da multa salta de cerca de R$ 3,7 mil para mais de R$ 9 mil.

“Nossa cidade vive uma proliferação desenfreada de vandalismo ao patrimônio, em especial com pichações e danos causados que não somente geram gastos para a reparação como impedem que a população utilize os equipamentos municipais. Fica claro que o valor da multa não surtiu o efeito de persuasão necessário para impedir que os danos continuem a ocorrer, e o aumento do valor poderá ajudar a amenizar o problema”, acredita o vereador Paulo Gaspar, autor do PL.

Já o “Disque Pichação”, proposto pelos vereadores Carmo e Rubens, almeja criar um canal de comunicação para permitir à população notificar a Guarda Municipal em tempo hábil de realizar o flagrante.

Paralelo a isso, a Prefeitura toca uma força-tarefa, junto a entidades da cidade, para discutir e propor ações de manutenção, preservação e fiscalização dos monumentos.

“A Secretaria de Serviços Públicos estima que os gastos para reparar a depredação cheguem a R$ 1 milhão por ano. Segundo a Pasta, este custo é uma estimativa feita a partir do valor da compra de materiais e de horas de trabalho. Com este recurso seria possível implantar dois campos de futebol, com alambrado e iluminação, ou um parque ecológico de 100 mil metros quadrados, equipado, ou a urbanização de três praças de médio porte, ou o recapeamento de 5 km de vias públicas”, informa a Administração.

“Esses monumentos são marcos, obras de arte históricas, têm valor histórico, representativo e até mesmo de preço. Preservá-los é necessário, pois não o fazer desgasta a nossa paisagem cultural”, destaca o arquiteto e professor da PUC-Campinas, Fábio Muzetti.

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