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Biblioteca 'cidadã' fecha as portas em Campinas

Crise encerra atividades da Adir Gigliotti, fundada por juiz há 13 anos e mantida pela família

Rogério Verzignasse
05/04/2014 às 05:00.
Atualizado em 27/04/2022 às 01:19

Por 13 anos, a biblioteca funcionou em prédios alugados. Eram 55 mil volumes. A coleção pertencia ao juiz aposentado Alcy Gigliotti. Ele, que sempre manteve o acervo gigantesco aberto ao público, tirava dinheiro do próprio bolso para pagar as contas. O juiz morreu em 2007 e, hoje, a viúva Maria Lair sobrevive da pensão do marido. A família não consegue arcar com despesas que chegam aos R$ 9 mil mensais. Livros, revistas, vinis, fitas de vídeo, CDs e jornais estão sendo encaixotados para doação. Campinas está prestes a perder um centro cultural público, onde ninguém pagava um centavo para se informar e divertir.A biblioteca abriu as portas em 2001. Na época, Alcy batizou o espaço com o nome do seu irmão falecido, Adir Gigiliotti, que na década de 60 trabalhou como repórter do Correio Popular. Entre 2005 e 2010, o acervo permaneceu em um sobrado de 600 metros quadrados no Taquaral. Foi por lá que os mantenedores da biblioteca — parentes próximos e voluntários — tiveram a ideia de fundar uma associação cultural que pudesse captar recursos para a manutenção da obra. A Cenapec - Associação Centro Auxiliar de Pesquisas Culturais, reconhecida como de utilidade pública, teve projetos aprovados que podiam ser mantidos por fundos de investimento cultural. Mas, para não depender das doações, o grupo passou a organizar cursos, encontros literários, apresentações artísticas e concursos culturais. A regra sempre foi bem simples. O profissional que se oferecia para ministrar um curso, ficava com 80% da arrecadação das matrículas simbólicas. Os 20% restantes iam para o caixa da associação. As receitas, porém, cobriam menos de um quarto das despesas. E, cansada de assumir os prejuízos, a família se desfaz do acervo.Luciana Maria Gigiliotti — filha de Alcy e secretária da Cenapec — diz que a atual sede alugada, um prédio de três pavimentos na Chácara da Barra, precisa ser desocupada. O prédio, diz, tem quatro proprietários. E dois deles, inclusive, abrem mão da parte no aluguel para ajudar a biblioteca. Mas, depois de dois anos, o contrato de locação será revisto. O aluguel, que já beira os R$ 6 mil mensais, será reajustado. “A gente sente uma imensa dor no coração. Meu pai, Alcy, tinha um carinho imenso pelo acervo. Mas não temos como mantê-lo sem parceiros”, fala. Quem passeia pelo salão amplo que era ocupado pelas prateleiras, nos fundos do prédio, fica impressionado. Mais de 800 caixas de papelão (arrecadadas em supermercados e atacadões) já estão cheias de livros. A única funcionária contratada, Margaret da Silva Delgado, pacientemente anotou o conteúdo de cada caixa e em que estante os volumes eram expostos. No fundo, ela ainda tem esperança de que o grupo consiga um espaço para remontar as prateleiras. “Todo o acervo é organizado de acordo com o assunto. Existe, inclusive, um controle digital sobre títulos, autores e disposição”, diz. DoaçõesDiante da crise financeira que crescia, a direção da biblioteca já tinha tomado medidas. Cerca de 3 mil vinis foram doados a colecionadores particulares. Livros de literatura infanto-juvenil foram entregues a bibliotecas de igrejas ou hospitais. Importantes universidades fizeram contato demonstrando interesse, mas a intenção não se concretizou na prática. As instituições alegaram não ter prédiopara acomodar tantos livros. Também reclamaram da falta de dinheiro para o transporte e da burocracia para a contratação do serviço. “O mais impressionante é que a família não cobra pelos livros. Estamos doando. O acervo podia ser disponibilizado em bibliotecas públicas, escolas, museus, galpões desocupados”, diz Luciana, desapontada.

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