RECORDE

Benefícios da Previdência por motivo de saúde crescem 55%

Os dados são do Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho

Bruno Luporini/bruno.luporini@rac.com.br
01/05/2025 às 12:15.
Atualizado em 01/05/2025 às 12:52

A atividade de limpeza de prédios e em domicílios está entre as que mais registram afastamentos de funcionários por problemas de saúde e acidentes (Rodrigo Zanotto)

O número de concessões de benefícios previdenciários associados à saúde mental, acidentários e comuns aumentou 55% em Campinas em 2024 (3.238) em comparação a 2023 (2.089). Esse é o maior índice desde o início da série histórica, em 2012. Os dados são do Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho, vinculado ao Ministério Público do Trabalho (MPT).

Em 2024, transporte rodoviário de cargas (4%), limpeza em prédios e em domicílios (3,59%) e restaurantes e serviços de alimentos e bebidas (3,45%) foram os principais setores afetados por esses afastamentos. A despesa previdenciária acumulada desde 2012 em Campinas é de R$ 192,8 milhões em auxílio-doença e R$ 373,8 milhões por auxílioacidente.

O Observatório realiza o levantamento em uma iniciativa conjunta do MPT com a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Na série histórica, as fraturas continuam em primeiro lugar com 18,6%, seguido de problemas relacionados à área osteomuscular e tecido conjuntivo, 17,8%, e problemas mentais e comportamentais com 14,9%. A saúde mental foi um dos principais fatores para o aumento dos benefícios concedidos pela Previdência.

As principais causas de afastamento nesse campo em 2024 foram reações ao stress grave e transtornos de adaptação, com 42,1%, outros transtornos ansiosos, com 24,5%, e episódios depressivos, com 18,6%.

De acordo com a procuradora do trabalho do MPT de Campinas, Luana Lima Duarte, o aumento é resultado de dois fatores: a volta da atividade econômica depois da pandemia e a atuação rigorosa do MPT em identificar os afastamentos relacionados a problemas que envolvem a saúde mental. No entanto, ela observa que, apesar dos números expressivos apresentados pela pesquisa do Observatório, ainda existe muita subnotificação.

A legislação previdenciária considera três modalidades de acidente de trabalho: o típico, que são os acidentes que ocorrem de forma imediata e física. "Uma queda de altura, uma lesão, fratura, acidente provocado pela utilização inadequada de máquinas"; acidentes de trajeto, que ocorrem entre a residência do trabalhador e seu local de trabalho; e doenças ocupacionais, que relacionam os males causados pelo trabalho de modo geral. "Nessa terceira hipótese, percebemos que a subnotificação é muito grande", disse Luana.

No caso específico de problemas relacionados à saúde mental, a subnotificação é ainda maior, pois, de acordo com a procuradora, em muitos casos são alegados pelos empregadores a multicausalidade de agravos, que relaciona o problema de saúde mental a diversos fatores que não estão diretamente ligados ao trabalho. 

"Não podemos esquecer que o trabalho é um determinante social de saúde e de doença". De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 15% da população economicamente ativa sofre com transtornos ligados à saúde mental. O que acarreta em uma perda considerável, tanto para a economia quanto para a qualidade de vida das pessoas impactadas. "Em Campinas, no ano passado, a estimativa é de que 122 mil dias de trabalho e de vida saudável foram perdidos". Entre os anos de 2023 e 2024 os afastamentos por saúde mental registraram um aumento de 23,52%.

Luana refletiu que nem todos os afastamentos têm uma comprovação de vinculação com o trabalho, mas que o trabalho faz parte da construção social do indivíduo. Quando as formas de cobrança de metas e da gestão de pessoas excede os limites de uma pessoa, ela começa a manifestar problemas relacionados à própria saúde mental. "É da natureza das relações interpessoais dentro do ambiente de trabalho, que geram um impacto significativo para a vida da pessoa".

Rita de Cássia Oliveira, 48, trabalhava como cuidadora de idosos quando identificou um desconforto na mama. Após passar por exames, foi identificada a doença de Paget. "Infelizmente o tratamento é cirúrgico, desde dos meus 43 anos já realizei duas". Por conta dos afastamentos para a realização das cirurgias ela perdeu o emprego. Hoje Rita trabalha como controladora de acesso e contou que a utilização do uniforme é um incômodo para sua condição de saúde. Além disso, ela também se queixou da relação com os supervisores no trabalho e das condições de higiene do banheiro do local. "Meu sintomas pioraram bastante por conta do estresse, mesmo explicando. Minha situação é complicada porque preciso de um ambiente de trabalho tranquilo e com boa higiene". Ela vai se afastar novamente em breve, porque uma nova cirurgia está marcada para o final de maio. "É uma luta, tanto a questão física quanto psicológica estão ligadas, mas vai dar tudo certo".

A partir do dia 26 de maio, passa a valer, ainda em caráter educativo e orientativo, a Norma Regulamentadora nº-1 (NR-1), criada pelo Ministério do Trabalho. Ela inclui expressamente os fatores de risco psicossociais no Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO). Tais fatores são situações que envolvem a maneira como as atividades são planejadas, organizadas e executadas. Os exemplos mais comuns incluem metas impossíveis de cumprir, excesso de trabalho, assédio moral, falta de apoio dos chefes, tarefas repetitivas ou solitárias, desequilíbrio entre o esforço e a recompensa e locais com falhas na comunicação.

A procuradora explicou que pela NR-1, durante o período de um ano as fiscalizações terão o objetivo de orientar as empresas. "Ainda não serão emitidos autos de infração e o pagamento de multas". Para o MPT, Duarte comentou que a norma servirá para fundamentar pedidos, como ações civis públicas, utilizadas para o aperfeiçoamento da gestão empresarial e também nos procedimentos internos do MPT, dentro dos inquéritos e investigações. "De forma a pautar as empresas de que é necessário olhar também para esse aspecto".

Um trabalhador, que preferiu não ser identificado, pois está processando a empresa onde trabalhava, contou que durante cinco anos trabalhou em uma fábrica de pneus e estava há quase dois anos sem férias e sofrendo muita pressão de seus superiores para melhorar o desempenho. Eram jornadas de trabalho diárias, apenas com três dias de folga no mês. "Meu colegas perceberam que eu estava perdendo cabelo, pelos da sobrancelha e barba". Ao procurar ajuda de um psiquiatra, foi diagnosticado com Síndrome de Burnout. Ele foi afastado em novembro do ano passado. "Nunca tinha levado a sério essas questões de estresse emocional, até começar a sofrer com ela, não é brincadeira". Ao voltar do afastamento médico, nada mudou. "Inclusive o supervisor começou a gritar comigo". Ele foi demitido no meio de abril e aguarda o desenrolar jurídico de seu caso. "Infelizmente para a empresa você é só um número, se não está bom não serve mais para nada". 

A psicóloga Amana Assumpção afirmou que o aumento dos afastamentos por saúde mental, podem ser considerados como um reconhecimento de que existe uma crise de saúde e de que ela merece atenção e cuidado. Sobre a situação de estresse, a psicóloga explicou que a sensação é uma resposta de adaptação do organismo a qualquer evento que exija uma mudança. "O estresse passa por fases que são de alerta, de resistência, de quase exaustão e exaustão". E ele pode se tornar crônico repetitivo se não houver um descanso adequado, um período onde o organismo possa de fato se adaptar. "O estresse consome energia e a disposição do organismo". A situação pode desencadear quadros de ansiedade e depressão, além de provocar respostas físicas do organismo como hipertensão arterial, problemas cardíacos, gástricos e até quadros alérgicos.

Para ela, é preciso, com relação a quem gere uma empresa e é responsável pela gestão dos trabalhadores, que se estabeleça um sistema cuidadoso de descanso, respeito, horário de trabalho definidos, estímulos com gratificações concretas, cuidados com assédio moral. "Cuidar para que o ambiente de trabalho seja respeitoso e justo".

ACIDENTE TÍPICO

Acidentes que culminam em fraturas lideram o ranking histórico, computado desde 2012, correspondendo a 18,6% dos afastamentos. Entre os anos de 2023 e 2024, Campinas registrou um aumento de 33,8% dos casos. O motorista de caminhão Daniel Ferreira dos Santos, 43, ao voltar de moto do trabalho em 2023 colidiu na traseira de um caminhão na rodovia Anhanguera. Ele realizou uma cirurgia no joelho, ombro e braço, em um processo que levou mais de um ano para se recuperar do acidente. "Todo esse período recebi o salário pelo INSS". Antes do acidente, além de dirigir, Daniel também ajudava na carga e descarga dos móveis que levava no caminhão. Serviço que hoje ele não consegue mais fazer. "Não posso mais fazer todo aquele esforço, contínuo apenas como motorista".

AUDIÊNCIA

Ocorreu na última terça-feira, dia 29 de abril, uma audiência promovida pelo MPT de Campinas, o Centro de Referência em Saúde do Trabalho (Cerest) e cerca de 40 empresas que atuam no aeroporto de Viracopos. De acordo com o Cerest, entre os anos de 2023 e 2024, oito empresas apresentaram um aumento de 62% em notificações de acidentes durante atividades de trabalho, de 29 para 47 notificações. A parceria com o MPT tem como objetivo propor alterações e adequações nos processos e ambientes de trabalho e na organização das empresas para que outros trabalhadores não sejam expostos. "Ampliando esse olhar para a saúde e segurança de todos", explicou a coordenadora do Cerest, Fernanda Drumont.

Siga o perfil do Correio Popular no Instagram.

Assuntos Relacionados
Compartilhar
Anuncie
(19) 3736-3085
comercial@rac.com.br
Fale Conosco
(19) 3772-8000
Central do Assinante
(19) 3736-3200
WhatsApp
(19) 9 9998-9902
Correio Popular© Copyright 2025Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por