CUIDADORES DA APP

Bairros se mobilizam para preservar mata e nascentes

Comunidade heterogênea comunga da mesma meta: salvar uma área da degradação

21/09/2021 às 09:38.
Atualizado em 24/03/2022 às 23:09
Integrantes do grupo "Cuidadores da APP do Jardim Miriam" estão continuamente de olho no local, cuidando de tudo na área como se ela fosse o próprio quintal de suas casas (Ricardo Lima)

Integrantes do grupo "Cuidadores da APP do Jardim Miriam" estão continuamente de olho no local, cuidando de tudo na área como se ela fosse o próprio quintal de suas casas (Ricardo Lima)

A preservação de uma área de nascentes está mobilizando moradores da região Norte de Campinas. O grupo, criado há cerca de um ano, é chamado de “Cuidadores da APP do Jardim Miriam” e reúne pessoas dos bairros Jardim Míriam, Xangrilá, Parque dos Pomares e condomínios como Alphaville, Ambiance e Casa Bela. Uma comunidade bastante heterogênea e de diferentes classes sociais, mas que comunga o mesmo objetivo: salvar uma área da degradação. Essa união tem conseguido avançar com lutas coletivas para evitar o descarte de lixo e esgoto clandestino, além de organização de mutirões para plantio, limpeza e outras ações práticas que estão preparando o local para se tornar, futuramente, um parque linear.

APP é a sigla que indica Área de Preservação Permanente e tem a finalidade de proteger as matas ciliares, ou seja, uma faixa (de pelo menos 30m) de floresta nativa que fica às margens dos cursos d’água e no raio de 50m de nascentes. Essa determinação é estabelecida pelo Código Florestal, por meio de legislação federal.

O nome “mata ciliar” vem do fato de sua importante proteção a rios e lagos, assim como os cílios são para nossos olhos. Na região do Jardim Miriam, correm dois riachos afluentes do Ribeirão Anhumas e existem pelo menos cinco nascentes em área de aproximadamente 60 hectares, dividida entre terrenos públicos e particulares.

Helena Whyte, uma das moradoras que participa do movimento, explica que a maior importância dessa iniciativa “é de as pessoas perceberem que vale a pena o trabalho coletivo”. Ela conta que foi a partir de um mutirão, realizado em outubro do ano passado - para recolher o lixo jogado na mata e plantar numa área que sofre com a erosão –, que os moradores do entorno perceberam que havia muita gente envolvida e decidiram formalizar o grupo. Hoje são 56 pessoas que integram um de WhatsApp, com divisão de trabalhos específicos, como comunicação, educação, conscientização, plantio e cuidados, além de articulação política. Eles mantem reuniões virtuais periódicas e muitas ações práticas.

Placas e abaixo-assinados

No último sábado, dia 18, moradores foram instalar as placas construídas artesanalmente por eles. Lobélia Dias e Silvia Gil participaram das oficinas de confecção das placas, produzidas com madeira descartada na área. As placas são pintadas a mão e alertam para detalhes da trilha que passa pela mata ao lado dos córregos. “Não jogue lixo”, “Perigo de deslizamento”, “Área Preservada”, “Risco de carrapatos” são algumas das mensagens espalhadas ao longo do caminho.

A trilha principal é leve, segundo Helena Whyte, e pode ser percorrida em 20 minutos de caminhada muito agradável. É bastante comum encontrar grupos de pais com os filhos percorrendo o trajeto aos finais de semana, além de cuidadores pegando água no riacho para regar as mudas nativas e frutíferas recém-plantadas.

O trabalho envolvendo as gerações mais novas tem sido organizado para que a cultura preservacionista seja ampliada. “Quem conhece gosta e quem gosta preserva, essa é a ideia”, salienta Helena.

É por isso que o grupo, junto às Secretarias Municipais do Verde e da Educação, está se articulando para envolver as duas escolas públicas do Jardim Miriam em um projeto de educação ambiental na APP com os alunos.

Ângela Guirao, diretora de Desenvolvimento Sustentável da Secretaria Municipal do Verde, confirma que já existe uma minuta desse projeto, construído em conjunto com moradores, escola e secretarias.

Ecoponto

A próxima ação do coletivo de cuidadores será a entrega de um abaixo-assinado com cerca de duas mil assinaturas para as autoridades municipais, solicitando a instalação de um Ecoponto. Helena relata que “já existe a prática de descarte de objetos no bairro, por isso, identificamos um local público que poderia receber a instalação do ecoponto, o que ajudaria bastante a preservar a área. Assim, estamos com o abaixo-assinado on-line, que deverá ser concluído até o final de setembro”.

Outra solicitação é a de que a Cohab faça um projeto para conter a erosão próxima à mata, que ocorre em área da Companhia Municipal de Habitação. “Os moradores têm feito plantios para conter a corrosão, mas não é suficiente”, diz.

Fiscalização e ações coletivas

Os moradores estão sempre de olho no local, cuidando de tudo como se fosse o próprio quintal. Foi assim que descobriram dois pontos de vazamento de esgoto na área. Seguiram o rastro e descobriram o ponto de origem.

Conversas e contatos foram suficientes para o encaminhamento de soluções. Da mesma forma, a construção de um condomínio próximo a uma das nascentes provoca o deslocamento de terra toda vez que chove, colocando a nascente em risco.

Dessa vez, as conversas não foram suficientes e o grupo encaminhou o caso, devidamente documentado com fotos, ao Ministério Público, que está cuidando dele.

Os moradores comentam que as conquistas por melhorias são possíveis, mas só avançam com união, muita conversa e um grupo coeso, que se respeita e tem clareza do que quer. “Tem gente que sonha em morar na Europa, por ser um país de Primeiro Mundo. Mas se esquece que eles só chegaram a esse nível de civilidade porque grupos fizeram isso que a gente está fazendo”, pondera Helena Whyte.

“Se você começa a cuidar do seu local de moradia, está ajudando a construir um país de Primeiro Mundo. É muito importante o trabalho de preservação, de salvar a natureza, de ter uma área preservada, mas a cidadania para mim é mais importante ainda. As pessoas perceberem que não estamos à mercê dos governos, que as coisas não estão só na mão do governo, assim como não estão só na nossa mão. As coisas são híbridas e a gente consegue que o governo faça, desde que haja mobilização, união da comunidade. Essa cidadania é que leva um país de Terceiro Mundo ao Primeiro Mundo.”

Parque Linear São Francisco

A empresa Arborea Ambiental realizou, em 2019, estudos técnicos e detalhamento de 11 trechos de parques lineares definidos como de alta prioridade no Plano Municipal do Verde de Campinas. Entre eles está o Parque Linear São Francisco, localizado na região Norte do município, tendo no entorno o bairro Jardim Miriam e o loteamento Alphaville.

A área de 603 mil m² fica na bacia hidrográfica do ribeirão Anhumas e acompanha dois cursos d’água (sem denominação), afluentes da margem direita, com fragmentos de mata Atlântica e reflorestamento. A APP adotada pelo grupo de Cuidadores do Jardim Miriam fica exatamente nessa área.

“A ideia é a de que o Parque São Francisco seja implantado em etapas, à medida que os loteamentos já aprovados sejam construídos e implementem-se trechos do Parque Linear como medida compensatória”, explica Ângela Guirao, diretora de Desenvolvimento Sustentável. Ela conta que tem discutido essas ideias com os moradores, que este ano já participaram da Semana Municipal do Meio Ambiente, apresentando um vídeo sobre o trabalho da APP do Jardim Miriam. Conheça mais sobre o grupo no Instagram: @proteja.app.

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