Entre 2023 e 2024 aconteceram 32% das ocorrências registradas desde 2014
Pessoas acima de 60 anos ouvidas demonstraram revolta com os casos de violência e desconhecimento sobre os seus direitos (Kamá Ribeiro)
Dados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DataSus) revelam que 460 casos de violência contra pessoas acima de 60 anos aconteceram em Campinas em 2023 e 2024, o que representa cerca de 32% de todas as 1.460 notificações de ocorrências desse tipo registradas no banco de dados do órgão no período entre 2014 e 2024.
Dessas 460 denúncias, 224 foram feitas no ano passado, com as mulheres sendo as maiores vítimas (168 casos). Do total de idosos alvos de violência em 2024, uma parte significativa (96 pessoas) é composta por pessoas analfabetas ou com ensino fundamental, isto é, com menor escolaridade.
O DataSus disponibiliza ainda dados sobre os tipos de violência contra os idosos registrados em Campinas no ano passado. A violência física (87 casos) e a negligência e o abandono (56 casos) se destacam, assim como a violência psicológica e moral, com 32 ocorrências.
Neste mês, quando ocorre o Junho Violeta, que esse ano tem como slogan "Envelhecer é uma conquista. Torná-la digna é dever de todos", o aumento do número de casos de violência contra idosos em Campinas acendeu um sinal de alerta entre as instituições que atuam na área, como a Prefeitura e o Conselho Municipal do Idoso.
A presidente do Conselho Municipal do Idoso de Campinas (CMI), Karla Borghi, disse que o aumento de casos de violência contra pessoas acima de 60 anos é algo já percebido há algum tempo pelo colegiado. Mas que não é um cenário específico da cidade, mas também do Estado de São Paulo e do Brasil como um todo. "Os casos de violência foram aumentando principalmente no período pós-pandemia, mas também contra as crianças e as mulheres. No caso dos idosos, temos de avaliar dois pontos. Primeiro que a população está vivendo mais, aumentando o número de indivíduos dessa faixa etária em relação aos mais jovens. Proporcionalmente temos mais casos de violência contra os idosos do que anos atrás. Ao mesmo tempo, identificamos que a sociedade está mais violenta neste período pós-pandemia. O idoso é uma vítima mais vulnerável nesse contexto. Um dos exemplos disso é que muitas famílias perderam renda na pandemia e ficaram dependendo exclusivamente da renda dos idosos, que possuem valores fixos de pensões e aposentadorias. E muitas vezes essas pessoas controlavam esses recursos contra a vontade dos mais velhos. É a chamada violência financeira", descreveu.
Karina reforçou ainda que a conscientização da população mais idosa acerca dos seus direitos, garantidos no Estatuto da Pessoa Idosa, é o caminho que precisa ser adotado para prevenir e evitar novos casos de violência contra indivíduos acima dos 60 anos de idade. "E não só conscientizar os idosos quanto ao idadismo, preconceito sofrido por pessoas por causa da idade, mas alertar toda a população da cidade quanto a essa situação."
O Coordenador de Política para Pessoas Idosas da Prefeitura de Campinas, Diego Santos, disse que o panorama de violência contra pessoas acima dos 60 anos de idade na cidade impulsiona a gestão pública a intensificar ainda mais os esforços da administração municipal. "Atuamos em diversas frentes para que possamos reverter esse quadro e prevenir novos casos. Uma das nossas principais estratégias é a campanha do Junho Violeta em alusão ao dia 15 de junho, Dia Mundial de Conscientização da Violência contra a Pessoa Idosa. É uma campanha intersetorial, pois envolve a Secretaria de Desenvolvimento e Assistência Social, com apoio de outras pastas, como de Saúde e Esportes, além do Conselho Municipal do Idoso. São mais de 20 ações em todas as regiões da cidade, levando informações sobre os diferentes tipos de violência contra a pessoa idosa, como esses casos podem ser denunciados, etc. Fazemos isso durante todo o ano, mas intensificamos agora em junho", pontuou.
Santos destacou também que a cidade de Campinas possui uma rede de apoio robusta para as pessoas idosas, que vão além da campanha "Junho Violeta". Um exemplo é o CVI, além do Centro Dia da Pessoa Idosa, localizado no Jardim do Lago II. "São locais que promovem atividades de lazer, cultura e também a socialização, ajudando a combater o isolamento. É um dos fatores que podem tornar a pessoa idosa ainda mais vulnerável à violência."
Existem canais de denúncia em Campinas para alertar as autoridades quanto a episódios de violência contra idosos. Um deles é o telefone Disque 100, que é gratuito e funciona 24h por dia, em todos os dias da semana. Os relatos chegam de forma anônima, sendo encaminhados para todos os órgãos locais de proteção aos idosos. Os Centros de Referência de Assistência Social (Cras) e Centros de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) também podem ser anunciados para denúncias, onde existem profissionais que podem acolher os denunciantes e ofertar orientações e encaminhamentos para todos os serviços eventualmente necessários. Por fim, o Ministério Público é outra instância que pode ser envolvida, com o objetivo de denunciar atos de violência contra idosos em Campinas.
REVOLTA E DESCONHECIMENTO
Pessoas acima de 60 anos entrevistadas pela reportagem do Correio Popular demonstraram revolta com os casos de violência e desconhecimento sobre os seus direitos.
O casal Antônio Carlos Garcia e Regina Garcia foi abordado no final da manhã de ontem pela reportagem na entrada do Centro de Vivência dos Idosos (CVI), no Parque Taquaral. Regina freqüenta o espaço onde faz várias atividades para pessoas da terceira idade. Eles se revoltaram ao saber do aumento de casos de violência contra pessoas idosas ocorridos nos últimos anos.
Perguntado sobre os possíveis motivos para isso, Antônio Carlos foi direto e atribuiu o maior número de casos registrados no DataSUS à fragilidade das pessoas com mais de 60 anos de idade. "Os agressores se aproveitam das pessoas mais frágeis, como os idosos. E que é mais fácil nos atacarem por isso. E aí nos tornamos alvos mais freqüentes. Eu mesmo tenho 75 anos e não posso bobear", contou.
Benedito de Lima tem 78 anos e é viúvo. Ele vive na região do Vida Nova e já não tem mais a companhia dos dois filhos, já falecidos. Lima afirmou ter pouco conhecimento dos próprios direitos como idoso, mas que evita ser "passado para trás". "Vejo muitos casos de agressão contra os idosos pela televisão. Eu tomo o máximo de cuidado para eu não ser a próxima vítima."
Marcolina Pereira é moradora do Satélite Íris e desabafou quanto ao crescente desrespeito contra ela, que possui 64 anos de idade. Ela relatou vários episódios do tipo ocorridos na cidade, cometidos por pessoas mais jovens. "Sei que os idosos possuem alguns direitos, mas não conheço muito sobre esse assunto. Mas vejo muito desrespeito com as pessoas mais velhas, como eu. Como alguns jovens que ficam nos lugares reservados aos mais idosos nos ônibus", explicou.
Coordenadora de uma feira que é realizada em frente à Catedral Metropolitana de Campinas, Maria das Graças do Rosário Cossu compartilhou um relato de violência contra o idoso que aconteceu com o exmarido dela. Ele foi ferido em uma tentativa de assalto. "Isso aconteceu há alguns anos, quando ainda éramos casados e ele tinha 68 anos de idade. Ele foi ferido com uma faca. Por pouco que ele escapou de um destino pior."
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