Crise econômica impele muitos a trabalhar transportando passageiros ou mercadorias
Jefferson Coelho renovou a CNH no ano passado e manteve a observação de EAR : ele exerce a atividade de motociclista/entregador em Campinas (Rodrigo Zanotto)
No ano passado, a cada 15 minutos, em média, um motorista solicitou a inscrição de Exercício de Atividade Remunerada (EAR) em sua Carteira Nacional de Habilitação (CNH) no ano passado nas cinco maiores cidades da região de Campinas. A iniciativa é um reflexo da crise econômica do país, que impele os condutores a atuar principalmente como motoristas de aplicativos e de entregas diante da falta de empregos com carteira registrada e melhores salários. Em 2022, 34.080 pessoas pediram a inscrição, uma alta de 24,2% em relação aos 27.438 pedidos de 2019, de acordo com balanço divulgado pelo Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo (Detran-SP).
Proporcionalmente, o maior aumento ocorreu em Sumaré, onde foram realizadas 5.704 solicitações, incremento de e 35,1% em relação às 4.221 de 2019. Em segundo lugar aparece Indaiatuba, com crescimento de 32,93% - 4.545 pedidos em 2022 contra 3.419 de três anos antes. Na terceira colocação vem Hortolândia (26,79%), seguida por Campinas (22,47%) e Americana (6%).
Para economistas, a alta é consequência da crise econômica que atinge o Brasil desde 2013, quadro agravado com a pandemia de covid-19 a partir de 2020. E a perspectiva é a de aumentar cada vez mais esse tipo de trabalho informal diante de um cenário de incertezas e de recessão mundial. “Se o PIB [Produto Interno Bruto] apresentar forte recuperação, podemos esperar um impacto positivo no mercado de trabalho, porém, não é esse o quadro que se vislumbra neste momento”, afirma o economista André Nassif. “Mesmo com os empregos com carteira registrada gerados de janeiro a novembro de 2022, o número ainda é ínfimo para atender a todos os desempregados. Com isso, muitos trabalhadores buscam na atuação como motoristas de aplicativo uma renda para cobrir suas despesas mínimas”, afirma outro economista, Paulo José Rangel.
Em 2014, o Brasil tinha 7 milhões de desempregados, número que saltou para 9,5 milhões no 3º trimestre de 2022, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Além dessa legião, há ainda outros 4,3 milhões de desalentados - como o órgão chama as pessoas que desistiram de procurar emprego porque não têm esperanças de que encontrar um.
Mudança de ramo
Com milhares de pessoas desempregadas e as contas chegando, a opção de se tornar motorista foi a solução que muitos encontraram para sobreviver diante da crise. Esse é o caso de Clayton Silva, que viu o movimento no seu salão de cabeleireiro definhar por causa da covid-19. A solução foi pedir a inscrição de EAR e prestar serviço como entregador de mercadorias. “A pandemia mudou a realidade”, afirma ele.
O motoboy Jefferson Coelho renovou a CNH no ano passado e manteve a observação de EAR. Ele trabalhava com lacração de veículo em Itajaí (Santa Catarina) e passou a exercer a atividade de motociclista/entregador desde que retornou a Campinas. “Atualmente, o trabalho com registro não remunera o que a gente merece”, diz ele, que roda entre 100 e 150 quilômetros todos os dias pelas ruas da cidade. Para garantir a aposentadoria, fez inscrição como microempreendedor individual (MEI) e trabalha de segunda a sexta-feira, das 8h até por volta de 19h e, aos sábados - quando encerra o expediente um pouco antes - por volta das 16 horas.
A inscrição de EAR na CNH é obrigatória para quem trabalha em atividades como motorista de app, entrega, incluindo também os de táxi, ambulâncias, ônibus, transporte funerário, de cargas e outras atividades. Contudo, foi a expansão dos aplicativos que puxou a alta dos pedidos. Esse crescimento incentivou o microempresário Adilson Cândido a mudar de lado. “O aumento dos aplicativos acabou com o meu negócio e o de muita gente em todo o país”, afirma.
Ele tinha uma pequena transportadora e seis funcionários, mas fechou a empresa por causa da concorrência que passou a enfrentar. Hoje, Cândido é entregador, trabalhando com motocicleta ou carro, dependendo do serviço que aparece. Ele atua como agregado de uma transportadora de Vinhedo e obteve o EAR por exigência da empresa e também dos seguros dos veículos e do particular de vida. “A gente sai para trabalhar e nunca sabe quando pode se envolver em um acidente”, justifica.
Infração
Gabriel Figueiredo Alves decidiu ser motorista de aplicativo para ficar mais próximo da família. “Se é para ganhar apenas para pagar as contas, pelo menos agora eu vejo meu filho e minha mulher todos os dias”, explica. Antes, ele trabalhava como técnico de eletrônica e ficava de 15 a 30 dias fora, em viagens a trabalho. “Cheguei à conclusão de que o salário era muito baixo para passar tanto tempo fora de casa”, avalia Alves.
A falta de inscrição de EAR na CNH pode resultar em multa para quem exerce atividade remunerada sem a devida legalização. “Como não há uma penalidade clara para isso no Código de Trânsito Brasileiro, o que ocorre, em geral, é a aplicação de multa seguindo o artigo número 241 do CTB: ‘Deixar de atualizar o cadastro de registro do veículo ou de habilitação do condutor’”, explica o advogado Gustavo Fonseca, especialista em Direito de Trânsito.
Com isso, o motorista fica sujeito a multa de R$ 88,38, além de levar 3 pontos na CNH. A solicitação do EAR pode ser feita por qualquer pessoa habilitada, independentemente da categoria (A, B, C, D ou E), incluindo quem tem apenas a Permissão para Dirigir (PPD). Para se inscrever, basta ter a original e uma cópia simples da CNH e dar entrada no pedido de inclusão, o que pode ser feito pelo site ou aplicativo do Poupatempo, nas cidades que contam com esse serviço, ou do Detran-SP. O custo total é de R$ 369,02.
O interessado pagará os exames médico (R$ 113,06), psicotécnico (R$ 131,90) e a taxa de emissão da nova CNH com EAR, além da tarifa para envio pelos Correios (R$ 124,06). Depois, basta agendar a entrada da documentação na unidade do Detran no Poupatempo, isso para as cidades que contam com esse serviço.
A inscrição de Exercício de Atividade Remunerada na carteira de motorista é uma exigência das empresas de aplicativo ao efetivar um novo cadastro de interessado. A obrigatoriedade também é exigida pelas companhias de seguro de veículos. “Gosto de andar com tudo certinho. A lei está aí para ser colocada em prática”, afirma o motoboy Jefferson Coelho.
Porém, o veículo que o motorista poderá dirigir dependerá da categoria da CNH. No caso da B, a mais comum, por exemplo, o peso bruto do veículo é de no máximo 3.500 quilos ou cuja lotação não seja superior a oito lugares, o que engloba os carros de passeio. Para ônibus ou caminhões pesados, a exigência da CNH é a categoria E. Se for condutor que tem apenas a categoria A (motociclista), é preciso ter 21 anos completos, estar habilitado há, no mínimo, dois anos, e ter sido aprovado em curso especializado de motofrete ou mototáxi.
No Estado de São Paulo, foram emitidas no ano passado 626.172 CNHs com a inscrição EAR. O número é 47,3% superior aos 425.032 documentos de 2019. Atualmente, há 5,6 milhões de condutores em todo o Estado autorizados a exercer a função remunerada. De acordo com o Detran, o maior crescimento foi registrado entre as mulheres. O aumento foi de 35%, com o número de motoristas com o registro passando de 1,023 milhão, em 2019, para 1,38 milhão, em 2002. Já entre os homens, o crescimento foi de 16%, com as CNHs com a inscrição sendo de 4,22 milhões no ano passado, contra 3,63 milhões três anos antes.