INADIMPLÊNCIA

Aumenta número de ações de despejo em Campinas

Em 2023, a Justiça acolheu 733 processos do gênero na cidade, volume 18,9% superior ao registrado no ano anterior, segundo dados do TJ-SP

Paulo Medina/ paulo.medina@rac.com.br
26/01/2024 às 09:15.
Atualizado em 26/01/2024 às 09:15
Proprietário anuncia casa para alugar no bairro Cidade Jardim, em Campinas: ações de despejo por falta de pagamento cresceram 18,9% na cidade no ano passado (Alessandro Torres)

Proprietário anuncia casa para alugar no bairro Cidade Jardim, em Campinas: ações de despejo por falta de pagamento cresceram 18,9% na cidade no ano passado (Alessandro Torres)

O número de ações judiciais de despejo que correm no Fórum de Campinas cresce a cada ano e registrou alta de 18,9% entre 2022 e 2023. Do período prépandemia até dezembro passado, o volume de processos avançou 87,9%. Campinas encerrou o ano passado com uma média de duas ações por despejo por dia, ou uma a cada 12 horas. Os dados foram disponibilizados ao Correio Popular pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). Neste cenário, o reajuste do aluguel em Campinas é quase o dobro que a média nacional, fechando 2023 em 29,52%.

De acordo com o levantamento, a Justiça campineira contabilizou em 2023, 733 processos por despejo, caracterizados pela falta de pagamento de alugueis. Em 2022, o volume de ações chegou a 616. Os dados mostram que em 2019, antes da pandemia do novo coronavírus, foram 390 processos dessa natureza na Justiça local. Em 2020, foram 346 casos. Em 2021, as ações quase dobraram, alcançando 622 casos. Nos últimos cinco anos, Campinas totalizou 2.707 ações por ordem de despejo, aponta o TJSP.

O professor do curso de Ciências Econômicas da PUCCampinas, Dimas Gonçalves, explicou que os baixos salários, desemprego estrutural, alto custo dos aluguéis e pouca oferta de habitações populares contribuem para a elevação das ações de despejo na cidade.

"Morar em Campinas é caro. O custo de vida se assemelha ao das grandes capitais e o custo da moradia também", considerou. "Os valores de aluguéis em Campinas, bem como o mercado imobiliário (vendas) sempre foram mais altos na Região Metropolitana de Campinas e Estado de São Paulo", analisou.

Uma pesquisa feita pelo Índice Fipe-Zap de 2023, divulgada neste mês, mostra que o reajuste do aluguel em Campinas bateu a casa dos 29,52%, bem acima do índice nacional, que é de 16,16%. Ou seja, quem pagava R$ 1,2 mil no aluguel de uma casa ou apartamento passou a desembolsar R$ 1.555 mensais.

Conforme o índice FipeZap, em Campinas, o preço médio de locação residencial é de R$ 24,87 o metro quadrado e o preço médio geral do quadrado na cidade é R$ 34, 87, o 13˚ maior valor nacional aferido pela pesquisa. Uma das explicações é o descongelamento dos reajustes no pós-pandemia.

No ano passado, o Índice Geral de Preços - Mercado (IGP-M), calculado pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e utilizado como base para reajustar aluguéis, fechou com queda de 3,18%. Com o resultado, 2023 virou o ano com o menor IGP-M da série histórica. Em dezembro, o índice ficou em 0,74%.

Proprietário de uma imobiliária na Vila Industrial, em Campinas, Renato Geraldo Rezende, afirmou que constatou uma alta de cerca de 10% na quantidade de inquilinos que não pagaram o aluguel no fim de 2023. "Teve uma piora no final de 2023: 10% dos inquilinos residenciais alegam dificuldade financeira e desemprego", disse Renato.

Segundo o advogado José Carlos de Camargo, que atua com esse tipo de ação, "o alto índice de endividamento das famílias brasileiras - que em dezembro do ano passado ainda estava acima dos 75% - ajuda a compreender a inadimplência que, por sua vez, representa a principal causa do ajuizamento das ações de despejo".

Para ele, é possível que esses números ainda sejam um reflexo dos efeitos da pandemia, que agravou as condições econômicas de famílias, causando "desarranjos" no orçamento e inviabilizando a manutenção dos compromissos financeiros assumidos por elas. "Não é difícil imaginarmos pais e mães que tenham de decidir entre pagar o aluguel em dia ou colocar comida na mesa", disse.

RENEGOCIAÇÃO

O advogado orienta inquilinos a tentar negociar cláusulas e multas por atraso em seus contratos. "Ainda que muitos proprietários e imobiliárias tenham um procedimento préestabelecido, o que também compreende um contrato padrão, é possível que as partes negociem algumas questões, como a isenção de multa em razão da restituição antecipada do imóvel, depois de cumprido uma fração do contrato, em caso de desemprego. Até mesmo porque a judicialização não deve ser interessante para nenhuma das partes, considerando os custos inerentes ao processo e a morosidade de uma ação dessa natureza", avaliou. Uma ação como essa, explicou, pode demorar cerca de dois anos para ser finalizada no Judiciário, caso o devedor utilize todos os mecanismos de defesa disponíveis.

SOLUÇÃO

Para o professor da PUC, a saída para reduzir casos de despejo é a "ampliação significativa de habitações populares" via programas como o "Minha Casa Minha Vida". "Desde que eu estou em Campinas há 44 anos escuto dizer que o déficit habitacional é de aproximadamente 40 mil imóveis", ponderou.

A fila de espera por moradia em Campinas foi reduzida em 44,8% em oito anos, segundo levantamento divulgado em dezembro passado pela Companhia de Habitação Popular (Cohab). De 2015 a 2023, o número de famílias interessadas em comprar a casa própria passou de 42,1 mil para 23,2 mil, uma diferença de 18.941. Conforme a Administração Municipal, para os próximos quatro anos está prevista a construção de 36.506 moradias com apoio da iniciativa privada, o que deve zerar a fila de espera.

De acordo com os indicadores, a Prefeitura de Campinas registrou 14.502 regularizações fundiárias e parcerias para moradias desde 2015. Este total divide-se em 10.074 matrículas entregues após aprovação de núcleos informais, 4.428 moradias por meio de parcerias como o programa "Minha Casa, Minha Vida", além de outros 4.439 cadastros inativos - quando a pessoa mudou de situação ou cidade e deixou de atualizar os dados para seguir na fila da espera.

SUBSÍDIO

Na semana passada, o governo paulista liberou 1.572 subsídios habitacionais, que totalizam R$ 20,48 milhões, para famílias de baixa renda de oito municípios da Região Metropolitana de Campinas (RMC). Os recursos são destinados para que grupos familiares com renda de até três salários mínimos (R$ 4.236) possam adquirir a casa própria. O número de imóveis que receberão o subsídio individual de R$ 13 mil representa 12,73% dos 12.349 anunciados para todo o Estado na quarta etapa do programa Casa Paulista. Além de Campinas, outras cidades da RMC que receberão o subsídio. São: Americana, Indaiatuba, Itatiba, Paulínia, Santa Bárbara d'Oeste, Sumaré e Valinhos.

Apenas Campinas recebeu subsídios para 877 casas e apartamentos populares. Ao todo, eles somam R$ 11,4 milhões, sendo a cidade da RMC que mais teve benefícios liberados e a terceira no Estado de São Paulo.

Os subsídios estão disponíveis para nove empreendimentos imobiliários nos distritos do Campo Grande e Ouro Verde, na região Sudoeste, que foram analisados e aprovados pela Secretaria Estadual de Habitação. A obtenção do benefício depende dos possíveis compradores terem o empréstimo para a aquisição liberado pela Caixa Econômica Federal, que é o agente financiador dos imóveis.

Situação não tem relação com avanço da população de rua, diz economista

Oprofessor de Economia da PUC-Campinas, Dimas Gonçalves, especialista em projetos sociais e gestão pública, não vê relação entre o aumento do número de ações de despejo e o possível crescimento da população de rua em Campinas. "Primeiramente, é importante destacar que o fenômeno 'pessoas em situação de rua' ou 'moradores de rua' não tem uma causa única. É um fenômeno da nossa modernidade e afeta todos os países do globo. As causas podem se encontrar, de certa forma, na desestruturação familiar, basicamente. Também podemos agregar alcoolismo, uso de drogas, separações conjugais e conflitos familiares", citou.

"Cada caso é um caso, múltiplas origens, múltiplas causas e poucas soluções. E sem contar ainda as expulsões de casa de filhos LGBTQI+, o que vem aumentando sensivelmente. Quando fui secretário municipal da Ação Social, em 2012, tínhamos por volta de 840 moradores de rua em Campinas. Esse número nunca abaixou, só vem crescendo", disse. No último dia 17, o Correio mostrou que Campinas é a nona cidade brasileira com o maior número de pessoas em situação de rua, conforme dados do Observatório Nacional dos Direitos Humanos, do governo federal. O órgão indica que 2.324 ocupam as ruas da cidade, totalizando 1,1% do índice nacional de população de rua. Os números são baseados no Cadastro Único (CadÚnico) de julho de 2023.

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