EDUCAÇÃO MUNICIPAL

Aula presencial exigiu recursos de R$ 25 mi para ajustes em escolas

Informação é do secretário de Educação de Campinas, José Tadeu Jorge

Tássia Vinhas/ Correio Popular
03/05/2021 às 14:09.
Atualizado em 15/03/2022 às 20:36
Estudantes têm a temperatura aferida antes de ingressarem na escola: Educação diz que adota protocolo rígido de segurança (Kamá Ribeiro/ Correio Popular)

Estudantes têm a temperatura aferida antes de ingressarem na escola: Educação diz que adota protocolo rígido de segurança (Kamá Ribeiro/ Correio Popular)

Em um cenário cheio de incertezas por conta da pandemia do coronavírus, uma das áreas que têm preocupado muito os especialistas é a de educação. "A pandemia não afeta da mesma maneira todas as pessoas, e isso vale também para os nossos alunos. Alguns tinham melhores condições de acesso, mais facilidade para utilizar a internet, para se comunicar com a escola, com os professores", aponta o secretário de Educação de Campinas, José Tadeu Jorge.

Para tentar minimizar os impactos dos prejuízos no aprendizado nesse período, a pasta se organiza para fazer uma avaliação de como toda essa experiência inédita na história da educação afetou cada um dos alunos e, a partir disso, traçar novos planos pedagógicos. "Empenharemos todos os esforços para tentar metodologias e caminhos que minimizem as sequelas resultantes dessa situação. Evidentemente, todos foram afetados, alguns mais, outros menos, e o papel da escola no retorno presencial será o de verificar quais foram esses prejuízos, buscar identificá-los e minimizá-los em cada um dos nossos alunos", afirma.

Outro ponto destacado pelo secretário como desafio enfrentado nesta retomada foi a preparação e adaptação das escolas para atender aos novos parâmetros exigidos pela vigilância sanitária. Cumprir todas as normas e possibilitar o retorno de forma segura exigiu um investimento de cerca de R$ 25 milhões. Paralelamente a isso, persistem problemas que são crônicos, como a falta de vagas em creches na cidade, questão que o secretário acredita que estará resolvida até o final deste mandato, com a construção de dez novas unidades.

Graduado em Engenharia de Alimentos pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde também fez mestrado em Tecnologia de Alimentos e doutorado em Ciências de Alimentos, José Tadeu Jorge foi reitor da Unicamp nas gestões 2013-2017 e 2005-2009. É professor titular da Faculdade de Engenharia Agrícola da Unicamp (Feagri), da qual também foi diretor. Atuou ainda como diretor-executivo da Funcamp, chefe de gabinete da Reitoria, pró-reitor de Desenvolvimento Universitário e vice-reitor da universidade. Exerceu o cargo de secretário municipal da Educação de Campinas de 2009 a 2011. Além de ser membro de vários conselhos e comitês, presidiu ainda a Associação Brasileira de Engenheiros de Alimentos. Com muito trabalho pela frente, o secretário fez um balanço sobre os principais obstáculos, desafios e projetos previstos para os próximos quatro anos, durante visita ao presidente executivo do Grupo RAC, Ítalo Hamilton Barioni.

Difícil fugir do tema educação na pandemia. Como está sendo trabalhar neste panorama de incertezas, de abre e fecha, de medo do retorno? Tem enfrentado muitas dificuldades?

Acho que a situação é inédita. Ela não permite estabelecer comparações com nada, porque nós nunca vivenciamos uma situação como esta. Assumi a Secretaria de Educação já com a perspectiva de que as aulas estavam sendo realizadas unicamente de forma remota. A pasta fez um enorme esforço para conseguir estabelecer essa sistemática de ensino, visto que as situações são muito diferentes, dependendo das condições que as famílias dispõem. A questão do acesso à internet, por exemplo, é algo difícil em muitas regiões. As escolas municipais estão frequentemente em regiões carentes, e aqui me refiro não apenas à carência social, mas também de infraestrutura. Dessa forma, os professores tiveram que se desdobrar para estabelecer uma metodologia de ensino remota, que não dependesse única e exclusivamente do acesso à internet. Trabalhos foram enviados aos alunos para que eles os fizessem em casa, da maneira que fosse possível a eles, com consultas via internet quando possível, com disponibilidade dos professores no atendimento a dúvidas e esclarecimentos. A Secretaria distribuiu chips de celulares para todos os estudantes. No entanto, essa providência esbarrou em locais de Campinas onde nem mesmo o sinal de telefonia celular permite um acesso adequado à internet.

Nas escolas nas quais já ocorrem aulas presenciais, a adesão dos estudantes tem sido baixa

Foram muitas dificuldades e, graças ao esforço das escolas, essa situação foi levada, dentro do possível, a bom termo. Além disso, eu assumi a secretaria em janeiro com o ano letivo com início previsto para o dia 8 de fevereiro. A expectativa era de retorno presencial naquela data, embora não com a totalidade dos alunos. Naquele momento, nós vivíamos a existência da fase amarela e programamos a volta com metade do número de alunos, com a adoção de todos os protocolos de segurança. Mas aí nos deparamos com um novo crescimento dos casos de covid. Em um primeiro momento, ainda com a incerteza de como a situação evoluiria, nós simplesmente adiamos o retorno para 1º de março, para verificar como que os números da pandemia se comportariam. No entanto, a situação piorou e a curva começou a crescer. O retorno ficou completamente distante. Em seguida, vieram as medidas emergenciais, e nós tínhamos imaginado o retorno para dia 5 de abril, e também ficou claro que não seria possível cumprir o planejado. Quando os indicadores epidemiológicos e sanitários começaram a cair, nós começamos a reestudar a questão do retorno presencial. No começo de abril a vigilância sanitária entendeu que os indicadores já permitiriam imaginar o retorno presencial, claro que sempre com restrições e cumprimento dos protocolos. Isso resultou numa decisão tomada no dia 9 de abril, de retornarmos presencialmente, de uma maneira escalonada, mantendo o cumprimento de todos os protocolos e fazendo as adaptações necessárias.

É possível fazer uma estimativa de quanto custou para o orçamento da Educação promover todas essas adaptações?

Se considerarmos as mais de duzentas escolas que temos, todas com histórias muito diferentes, desde excelentes projetos arquitetônicos, que foram feitos com a finalidade específica de que seria ali uma escola, até lugares que foram adaptados para atender a uma demanda provisória e que, de repente, se tornou permanente, então surgem grandes dificuldades para dotar alguns prédios das condições necessárias para responder a uma situação como a que estamos vivendo. Somando tudo isso, uma estimativa realista estaria em torno de R$ 25 milhões de reais, lembrando que algumas dessas medidas se estendem por bastante tempo e que esse abastecimento é feito mediante licitação.

O que está computado basicamente nessa estimativa?

Aquisição de máscaras, álcool em gel, totens, sinalização, além das obras que foram necessárias para as adaptações aos parâmetros exigidos pelo Departamento de Vigilância Sanitária (Devisa), como em banheiros, refeitórios, aumento de ventilação nas salas de aula etc. Lembrando que algumas dessas medidas se estendem por tempos. Por exemplo, o álcool em gel não compramos uma quantidade justinha, visto que não fazemos compra mensal, é uma licitação. Então, calculamos uma quantidade capaz de suportar o tempo necessário. Pensando por essa lógica, adquirirmos máscaras não descartáveis, são de tecido, no padrão Fundação de Desenvolvimento da Educação do Estado. Formamos um kit para entregar ao aluno e também aos profissionais da educação. A face shield foi uma compra também já pensando na necessidade de uma reposição, embora a durabilidade seja significativa. Temos ainda os termômetros para aferir a temperatura e os aventais. Não é um gasto que vai ocorrer todo mês. O material terá que suportar o funcionamento, talvez, ao longo de todo este ano.

Já existem estudos que apontam o prazo de doze anos para se recuperar o aprendizado de matemática perdido neste período de pandemia. Como a rede municipal pretende ajudar na recomposição dessa perda?

Considero que algumas avaliações mundiais são questionáveis. Não que elas estejam erradas, mas é necessário ponderar as diferenças de contexto e de realidade. Eu volto à questão de medir as dificuldades, os prejuízos de aprendizagem. Quando se concebe um projeto político pedagógico para cada ano, para cada escola, para cada turma, tem-se com clareza qual deverá ser o conhecimento adquirido ao terminar cada fase. Na Secretaria de Educação de Campinas, trabalhamos com quatro ciclos. No Fundamental I, que são os cinco primeiros anos, existem dois ciclos, um de três anos e outro de dois. Ao final da terceira série, por exemplo, o aluno deverá ter aprendido determinados conteúdos já previstos.

‘A formação dos professores da rede municipal é invejável’

O senhor acredita que alguma etapa da educação sofrerá maior impacto negativo?

Na etapa de alfabetização. Será feita uma avaliação diagnóstica agora e um ano e pouco depois, para verificar como foi o aprendizado em termos de alfabetização. É possível fazer essa mensuração considerando-se o estágio em que ela deveria estar. Isso pode ser medido em função do que ela vai demonstrar agora no retorno presencial. Esse é um parâmetro, a habilidade matemática, por exemplo. Também há indicadores, se a criança deveria estar sabendo somar e subtrair. Vamos ver como ela está nisso. Podemos medir todas as habilidades que ela deveria ter adquirido nesse período de formação, e isso se extrapola para tudo, leitura, interpretação de texto.

Em Campinas, existe uma questão histórica da falta de vagas em creche. Várias gestões prometeram atacar o problema, mas isso nunca foi feito. Como o senhor pretende enfrentar essa demanda reprimida?

Déficit de creche no Brasil existe desde sempre, não da pra localizar. A situação de Campinas não é das piores quando você compara com as demais cidades brasileiras. Os números que existem hoje precisam ser vistos com cuidado. A fila de espera em Campinas, hoje, tem aproximadamente duas mil crianças em termos de buscas de vagas na educação infantil, que vai até 4 anos. Mas esse número é irreal porque, com a pandemia, as escolas estavam fechadas. Durante muito tempo não havia expectativa de retorno, então cai a demanda. Além disso, os alunos cresceram e passaram da primeira fase da educação infantil, que são os bebês desde que nascem até 1 ano 7 meses, para o agrupamento dois, que é são crianças de 1 ano e 8 meses até 4 anos. Então, a entrada por causa da pandemia foi naturalmente reduzida. Acho que as pessoas pensaram que não iria adiantar procurar a vaga, por isso pode ser que esse número aumente um pouco com a volta. Mesmo assim, acho que a gente pode estimar que teremos um número por volta de três mil crianças.

No planejamento está previsto a construção de dez creches até o final do mandato, em lugares onde se verificam as maiores demandas, visto que a necessidade é diferente em cada região. Dessa forma, esperamos dar conta de matricular essas crianças. São todas creches grandes, com mais de duzentas vagas e algumas até com quatrocentas. Além da construção das dez creches, há várias que podem ser ampliadas, onde é possível fazer salas a mais, pois foram construídas em terrenos grandes, que permitem uma ampliação sem comprometer o espaço aberto, que é fundamental para creche. Contudo, penso que, depois de resolvido o problema do déficit, será preciso repensar a política, de forma a adequar as unidades mais às microrregiões. Porque ai a questão passa a ser outra: oferecer creche mais próxima à moradia da criança. Lógico que isso hoje é visto, mas é visto com a dimensão de regiões, de bairros.

Como o senhor vê o diálogo com outras cidades da Região Metropolitana de Campinas (RMC), no sentido de fazer projetos e ações que possam ser tratadas no âmbito regional?

A região metropolitana, em alguns pontos, já funciona um pouco assim. O bairro Reforma Agrária, por exemplo, que é em Valinhos, tem uma parte de alunos que formalmente residem em Campinas, mas estudam lá. São acordos, digamos, bilaterais. Campinas se entende com Valinhos e vice-versa, mas não acho que isso seja um problema. Nesse conceito de proximidade, quando é preciso negociar em bairros onde uma rua é Campinas e outra fica na cidade vizinha, é feita uma relação direta com as secretarias de Educação, com as prefeituras, isso já há algum tempo. As cidades conseguem se entender nas suas dificuldades, mas esse tipo de ação não resolve grandes problemas, já que as regiões carentes de creche, por exemplo, são a noroeste e a sudoeste. Nesse caso, é Campinas mesmo que tem que resolver, não tem muito como dividir com outras cidades vizinhas, a não ser questões muito pontuais.

O senhor teria um projeto, um plano, estrutural ou pedagógico, que gostaria de implementar na educação? Qual seu pensamento em relação à estrutura atual. O que poderia melhorar?

Uma coisa que sempre observei é que a qualidade dos profissionais de educação que compõe a rede municipal é muito destacada. Eu diria que chega a impressionar. A formação dos nossos professores, e mesmo os outros profissionais da educação que atuam na rede municipal, é invejável. Temos professores com mestrado, com doutorado, a maioria com cursos de aperfeiçoamento, especialização. A partir dessa qualidade em termos de corpo docente e atendimento às necessidades da educação, fico confortável em buscar os 'gargalos', os 'funis', as dificuldades a serem superadas em termos das condições de trabalho oferecidas a esses profissionais, que muitas vezes impedem que todo esse conhecimento, essa capacidade, essa capacitação, se traduza em uma educação melhor.

Analisar a infraestrutura mesmo, a qualidade das nossas bibliotecas, a implantação de laboratórios nos anos finais do ensino fundamental, a disponibilidade de espaços na creche e na pré-escola, espaços lúdicos mais voltados a aproveitar a enorme capacidade de aprendizagem intuitiva que as crianças têm nessa faixa etária, dos dois aos sete anos de idade.

Falando desses profissionais, existe algum plano de valorização para essa classe?

Temos o Centro de Formação, Tecnologia e Pesquisa Educacional "Prof. Milton de Almeida Santos" (Cefortepe), que oferece um cardápio de opções e alternativas para capacitação, qualificação dos professores. Temos uma carreira que precisa, digamos, considerar o esforço dos professores em termos de qualificação ainda maior. Se essas coisas não funcionam de uma maneira integrada, surge a desmotivação, e desmotivação pode ter impacto nessa questão de não conseguir entregar tudo o que poderia ser entregue em termos da formação da criança. Essas coisas têm que estar necessariamente integradas, não tem jeito.

O senhor foi por duas vezes reitor da Unicamp, há a pretensão de aproximar a Prefeitura e a Unicamp, visando à aplicação de pesquisas na rede municipal?

Isso tem que ser intensificado, mas já existe. Esse Cefortepe que eu mencionei, em seu cardápio, em termos de educação, de formação continuada para os profissionais da educação, tem vários cursos que são oferecidos pela Unicamp. São ministrados pela Faculdade de Educação, pelo Instituto de Estudos da Linguagem. Com a matemática também tem, mas isso sem dúvida precisa ser intensificado, não apenas com a Unicamp, mas também com outras instituições de ensino superior que possam fornecer esse aprimoramento a essa qualificação, que já é boa. A formação tem que ser continuada, não vai terminar nunca.

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