questionamento

Audiência de custódia gera polêmica

De um lado, policiais militares, rodoviários, civis, federais, guardas municipais e até vítimas defendem que as audiências levam a uma inversão de valores, colocando em xeque a função e a moral do agente de segurança pública

Alenita Ramirez
alenita.jesus@rac.com.br
05/03/2018 às 10:12.
Atualizado em 22/04/2022 às 15:12

O juiz Bruno Luiz Cassiolato, durante audiência de custódia na manhã de sexta-feira, na Cidade Judiciária, diante de um agente de segurança e um preso (Dominique Torquato/AAN)

Desde sua implantação no Brasil as audiências de custódia se tornaram alvo de discórdia entre agentes policiais, juristas, juízes, defensores públicos e de Direitos Humanos. De um lado, policiais militares, rodoviários, civis, federais, guardas municipais e até vítimas defendem que as audiências levam a uma inversão de valores, colocando em xeque a função e a moral do agente de segurança pública. Para eles, os policiais passaram de “mocinhos” a bandidos, ou seja são vistos como criminosos e o suspeito como vítima. Além disso, elas serviram mais para soltar bandidos do que para prendê-los, sobrepondo o desrespeito por parte da bandidagem.  Já os magistrados defendem que seguem a lei, que o mecanismo utilizado consta na Constituição Federal. Os juristas e defensores dos Direitos Humanos sustentam que a medida faz parte da democracia e que ela deixa mais claro o trabalho do policial, sem prejudicá-lo. A audiência de custódia foi instituída no Brasil por meio da Resolução 213/2015 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e é um ato do direito processual penal, onde o acusado por um crime, preso em flagrante, tem direito a ser ouvido por um juiz em um prazo de até 24 horas, de forma a que este avalie eventuais ilegalidades em sua prisão. Este instrumento é previsto internacionalmente. Durante a audiência, o juiz analisa a prisão sob o aspecto da legalidade, da necessidade e da adequação da continuidade da prisão ou da eventual concessão de liberdade. O juiz pode avaliar também eventuais ocorrências de tortura ou de maus-tratos, entre outras irregularidades. O rol de perguntas ao custodiado segue um questionário definido pelo CNJ e é justamente aí que a medida abalou os policiais. O questionário aplicado é composto com perguntas a respeito de dados pessoais do custodiado, local da prisão, motivo da prisão, seguido das perguntas polêmicas que levaram à revolta dos agentes: como foi a prisão e se o preso sofreu algum tipo de agressão ou de humilhação. Casos ilustrativos são compartilhados nas redes sociais por agentes. Entre eles, de dois detidos durante operação da polícia, em outubro do ano passado, na BR-227, em Foz do Iguaçu. No vídeo, o juiz pergunta se os presos foram bem tratados na delegacia, se durante a abordagem foram agredidos fisicamente ou se sofreram algum dano psicológico. "É um absurdo esse tipo de pergunta. A audiência de custódia é para verificar a legalidade da prisão. O tratado internacional diz que o preso tem que ser apresentado a um juiz de imediato. Se alguém for preso em flagrante e tenho elementos de prova daquele delito, tem que valer diante do juiz. A maldade não está na audiência de custódia, mas na forma que se aplica a lei no Brasil. Da forma que está, ela faz com que o bandido se passe por um coitadinho e a sociedade fica sem defesa nenhuma", disse o coronel Elias Miler da Silva, presidente da Defenda-PM, diretor legislativo e advogado da Federação Nacional das Entidades de Oficiais no Brasil. Liberdade provisória A concessão da liberdade provisória também é outro item que mexeu com policiais e vítimas. No ano passado, na região de Sorocaba, um casal foi liberado após ser detido com anabolizantes, armas, munições e drogas em abordagem aleatória na rodovia. Na ocasião, o juiz justificou que a prisão foi ilegal porque não havia uma operação em andamento. Outro caso que também revoltou os policiais foi a prisão de três policiais em Alagoas, que, indignados com a liberação na audiência de custódia, de uma mulher presa com oito armas, eles a filmaram em sua casa no dia seguinte e divulgaram nas redes sociais. O comando considerou a conduta deles inconveniente, censurando a decisão do Poder Judiciário. "Os policiais erraram, mas quem não fica revoltado. Parece que a gente está brincando em serviço. Essas decisões tiram nossa autoridade e nos desanima.O ladrão tem mais voz que a polícia que o prende", disse um policial militar de Campinas, cujo nome foi preservado. Briga de corporações Em Campinas, a audiência de custódia foi implantada em agosto de 2016 e no decorrer deste período, além da parte polêmica, houve até um atrito entre as polícias Militar (PM) e Civil. Ambas não entendiam de que era a responsabilidade da escolta do preso até a sala de audiência. A PM achava que era da Civil, e vice-versa. A discussão levou a um protesto da PM um ano após a implantação do serviço e dois policiais militares, um capitão e um tenente, ao não acatarem a determinação do juiz, foram encaminhados à autoridade policial para registro do ocorrido, averiguação e providências. A Secretaria de Segurança Pública (SSP) teve que reformular a portaria da Polícia Militar até então vigente, que regulamentava o assunto, e deixar claro a função de cada um. O documento contrariava a portaria da SSP, superior ao da PM. Hoje, o que mais pesa e gera indignação é a soltura provisória de detidos em crimes como furto, receptação e posse de arma. Em um dos casos revoltantes para vítimas, está o de um suspeito detido na região do Jardim Chapadão, por uma série de furtos e liberado na audiência de custódia. Em outra situação, um casal também detido por furtos a comércios na mesma região, inclusive com agressão a vítimas, também vai responder em liberdade. "A Constituição Federal determina que em regra um acusado responda ao processo em liberdade, mas permite a prisão em determinados casos previstos em lei. O juiz faz a análise do caso para verificar se naquela situação é possível a manutenção da liberdade ou se deverá ser decretada a prisão. Há uma série de requisitos para isso, todos previstos em lei. E ainda assim, com a Constituição Federal trazendo a liberdade como regra e a prisão como exceção, com a previsão de vários requisitos para que se possa cercear a liberdade de alguém, o fato é que, objetivamente, nas audiências de custódia prende-se mais do que solta-se. Basta ver os dados oficiais, inclusive os de Campinas, o que comprova que há distorções infundadas no que se propaga por aí", disse o juiz titular da audiência de custódia em Campinas, Bruno Luiz Cassiolato. "Os juízes, antes de serem juízes, são cidadãos. Cidadãos que moram nas comarcas com suas famílias. E a nenhum juiz, portanto, interessa uma sociedade violenta e perigosa. Todos fazem seu trabalho com responsabilidade e rigor, nos termos da lei", continuou o magistrado. O juiz reforça que há informações distorcidas sobre a audiência de custódia. "Ela não coloca ninguém em liberdade e muito menos acusa um policial. O juiz filtra as informações que um custodiado passa. Tem que haver laudo e provas. Não são todos os presos que falam que sofrem violência e quando realmente percebo que houve um abuso, eu recomendo ao Ministério Público para que se apure, mas isso é muito raro", disse Cassiolato. "Eu não condeno ou absolvo a pessoa. Há várias etapas a serem seguidas até a decisão para aquele momento, com base no parecer Ministério Público", acrescentou. Além de dois policiais e três servidores públicos do Tribunal de Justiça (TJ), também participam um promotor público, um defensor público ou advogado do preso. Juristas consultados pelo Correio Popular defendem a audiência de custódia e acreditam que elas servem de transparência para as ações dos agentes de segurança pública. In loco Para entender o embate, o Correio acompanhou uma pauta de audiências de custódia na Cidade Judiciária no dia 16 de fevereiro. Naquela data, havia dez flagrantes, com um total de 12 custodiados. As prisões aconteceram entre a noite do dia 15 e madrugada do dia 16. Do montante, oito tiveram o flagrante convertido em prisão preventiva e nos demais a prisão foi relaxada, ou seja, foram soltos. Os casos eram de furto, porte de arma, tráfico, roubo e roubo com corrupção de menores. Dos que responderão em liberdade, três foram por furto e um por porte ilegal de arma. Também dos 12 custodiados, oito negaram agressão por parte dos policiais militares ou guardas municipais no ato da detenção. Quatro relataram terem sidos agredidos. Dos 12 acusados, um era mulher. Também dos 12, metade já foi presa mais de uma vez. Ainda do total, dois estavam com advogados. Os demais recorreram à Defensoria Pública. Campinas prendeu mais que a Capital Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apontam que Campinas prendeu mais que a Capital, em território paulista, entre agosto de 2016 e 15 de fevereiro deste ano, nas audiências de custódia. Em âmbito nacional, o percentual de prisões efetuadas no município só é menor que o registrado no Rio Grande do Sul. Nesse período, foram presos 2.085 custodiados (64%) e liberados provisoriamente 1.135 (35%), dos 3.233 que ficaram frente à frente ao juiz. A diferença (13) é dos detidos que tiveram a prisão relaxada por falta de provas ou de dados que configurassem em crime. Na Capital, para efeito comparativo, a decisão da audiência nesse mesmo período levou a 2.764 prisões (apenas 42% dos casos) e 3.142 (48%) a liberdade provisória. O Estado de São Paulo registrou 47.289 (64%) e 24.504 (33%), respectivamente. O Rio Grande do Sul foi o que mais manteve a decisão do delegado nas audiências, com 87% dos 5.020 custodiados apresentados (4.402). Em Campinas, não há investigação de tortura por parte de policiais. Na Capital paulista há 770 casos (11%). Em todo o Estado, 2.125 (2%). No Brasil, 7.006 (3%).

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