Associação Beneficente Cisne será responsável pela contratação de profissionais
Pacientes que são atendidos na UPA Campo Grande reclamam da demora no atendimento (Alessandro Torres)
A Associação Beneficente Cisne ficará responsável pela contratação de profissionais de saúde para a assistência e o desenvolvimento da área de ensino na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Anchieta. A entidade deve assumir no início de maio. A gestão da UPA segue sob responsabilidade de Rede Mário Gatti. O investimento previsto é de R$ 32,7 milhões para um período de dois anos. O contrato assinado entre a Rede Mário Gatti de Urgência, Emergência e Hospitalar com a Cisne prevê que a entidade deverá manter cinco clínicos, três pediatras, um assistente social, seis enfermeiros e 17 técnicos de enfermagem durante o dia. No período noturno serão três clínicos, dois pediatras, cinco enfermeiros e 16 técnicos de enfermagem. A mesma entidade administra as UPAs Campo Grande e São José.
A parceria com empresas terceirizadas para alocar profissionais nas unidades de saúde é alvo de debates. A Rede Mário Gatti tem a expectativa de uma melhora significativa no atendimento à população, uma vez que a entidade sanaria déficit em recursos humanos. Já o Conselho Municipal de Saúde (CMS) discorda que a terceirização seja a melhor alternativa para solucionar estes problemas.
A população, preocupada em ser atendida, não vê mudanças drásticas. Quem não gostava do atendimento e do tempo de espera continua reclamando e quem diz que os profissionais sempre foram atenciosos e certeiros, mesmo com as dificuldades, também não sentiram alterações na redução do tempo de espera ou na qualidade do atendimento.
Roseli Cristina Miranda, 47 anos, estava na quinta-feira (13) à tarde na UPA Campo Grande acompanhando a filha com um problema na vesícula. Ela contou que estava desde 10h no local, quase sete horas. "Está difícil. Minha filha passou por triagem, mas depois pediram para ela aguardar para tomar medicamento. Se ela não fosse falar que não tinha tomado estava esperando até agora, ela acabou de entrar."
Roseli disse que a UPA que mais frequenta é mesmo a do Campo Grande, porém, mesmo com a mudança ocorrida há 15 meses com a entrada da entidade terceirizada, ela não vê nenhuma diferença. "Para mim não melhorou nada, é a mesma coisa. É muito lento até ter o atendimento."
No mesmo local, José Geraldo, de 57 anos, e Etna Angelo, de 62 anos, esperavam o atendimento da filha de 23 anos. Eles também avaliam que não houve mudança na qualidade do atendimento em todos esses anos que frequentam a unidade. Os três disseram que não têm problemas e consideram a UPA boa. "Sempre viemos aqui e não mudou nada, sempre fomos bem atendidos. Essa é a melhor UPA de toda a região de Campinas em nossa opinião. Os médicos são bons e não temos do que reclamar, é a mesma coisa toda vez que venho", opinou José Geraldo.
A mesma situação foi encontrada na UPA São José. Um casal de jovens de 17 e 18 anos que estava saindo do local reclamou da demora de cinco horas na unidade. Não descontentes apenas com a situação deles, os dois disseram que outras pessoas em situação pior também demoraram o mesmo tempo para serem atendidas. A avaliação é a mesma: as mudanças não impactaram positivamente ou negativamente o serviço, criticado por eles.
Outra crítica - e percepção de que a terceirização da UPA São José não modificou a qualidade do atendimento - veio de André Gomes, 54 anos. Para ele, o problema é maior, estrutural, de gestão.
"Continua a mesma coisa. Não teve melhora em nada. Eu não vou falar mal dos funcionários. Todo ser humano que trabalha tem que descansar, mas deveria ter alguém para repor no lugar, não vejo isso acontecer. Aí não tem a reposição e sobrecarrega o outro e quem trabalha com sobrecarga não produz do mesmo jeito." A Rede Mário Gatti disse que as escalas são cumpridas e, em eventual ausência de profissionais por algum motivo, a entidade habilitada tem duas horas para realizar as reposições.
O gestor do contrato por parte da Associação Beneficente Cisne, Ely Hollen, disse que a entidade aciona outro profissional quando há uma ausência. Ele explicou que a cobertura necessária e o número de profissionais é definida por contrato e que se a Cisne não consegue manter essa cobertura, há desconto financeiro, o que ainda não teria acontecido. "Em todos esses meses conseguimos manter o número tanto de médicos como de outros profissionais, tudo dentro da meta estabelecida pela própria Rede Mário Gatti, até para não haver prejuízos ao atendimento do paciente, que é a razão da nossa existência."
O representante da entidade disse que o tempo de espera foi reduzido desde que assumiram a atuação nas UPAs, mas pode ocorrer uma demora maior em alguns dias de mais movimento. "A média de 30 dias coloca o tempo de espera em torno de 1h20, entretanto, vai ter dias como segunda-feira, que essa espera pode chegar a quatro, cinco horas. Em alguns dias atendemos mais do que a nossa capacidade operacional, então gera uma fila pela superação da capacidade".
O presidente do Conselho Municipal de Saúde, Paulo Mariante, ressaltou que uma redução no tempo de espera não é o único critério para avaliar uma melhora no atendimento à população. É preciso que a qualidade nos atendimentos seja considerada.
"É uma pergunta que tem que ser feita, se a espera menor é acompanhada de uma melhora na qualidade de atendimento, o que chamamos de resolutividade. Se o paciente de fato espera menos, dependendo da qualidade isso pode não ser tão significativo."
Mariante destacou que não é contra a terceirização "apenas por ser contra", mas ele considera que há alternativas melhores. Uma delas, a realização de concursos públicos para que a Rede Mário Gatti tenha servidores próprios no seu quadro de funcionários. Outra, uma opção constitucionalmente garantida, a de contratação por meio de processos seletivos. "Ele é mais rápido, tem um grau de controle, é temporário... a Constituição prevê isso justamente para a gestão pública ter instrumentos nessas situações."
O presidente do Conselho analisa que a opção pela terceirização é política e não a única ou melhor possibilidade. Segundo o presidente do CMS, a modalidade de menor preço oferecido faz com que a entidade não remunere os profissionais de maneira adequada. Ele relatou ter conhecimento de vencimentos com valores até 50% menores do que o de servidores concursados da Rede.
Sobre isso, a Associação Cisne diz que o salário pago é acima do piso dos sindicatos das categorias, mas o presidente do Conselho entende que para muita gente essa quantia não é suficiente, está defasada. O que sobraria, de acordo com o Conselho, são pessoas que aceitam trabalhar mesmo longe das condições e remuneração ideais, o que pode gerar uma alta rotatividade, além de profissionais mais inexperientes.
"Não é culpá-los. Os trabalhadores e trabalhadoras terceirizados não são os culpados. Eles estão trabalhando, querem trabalhar, é um direito, e estão se sujeitando a essas condições porque esse é o modelo que está sendo imposto."
Mariante também reclama da falta de concursos, algo previsto na lei de criação da Rede Mário Gatti. Em resposta, a Rede informou que elaborou um projeto de lei para a criação de cargos e a formação de quadro próprio de pessoal. O projeto está em tramitação na Prefeitura e será enviado à Câmara Municipal, mas não revelou quando isso deve acontecer.
Sobre a alternativa sugerida pelo Conselho, de realizar processo seletivo, a Rede alegou que já efetuou a contratação de médicos pelo sistema temporário, porém o resultado não foi satisfatório. "Por ser um contrato precário por somente 12 não meses, não conseguíamos preencher todas as vagas. Além disso, os que assumiam nem sempre completavam os 12 meses. Com isso, o déficit das escalas nunca foi sanado."
A Rede acrescentou que a opção de contratação da empresa garante a escala completa pela substituição de ausentes em até duas horas. "A contratada tem que providenciar a substituição imediata, o que é impossível ao ente público em se tratando de concurso ou processo seletivo, que levam meses para finalização."
De acordo com a Rede, o remanejamento de cerca de 100 profissionais (entre clínicos, pediatras, enfermeiros e técnicos de enfermagem) permitirá que a UPA Carlos Lourenço, a única que não dispõe de atendimento pediátrico, possa passar a ter essa oferta pela alocação de profissionais da área por lá. Profissionais também serão remanejados para o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), Hospital Municipal Dr. Mário Gatti, Unidade Pediátrica Mário Gattinho e no serviço de transporte hospitalar da Rede.