FUTURO INCERTO

Atendimento a bebês surdos chega ao fim e preocupa pais

Parceria Feac e Apascamp se encerra após acolher 23 crianças em 12 meses

Israel Moreira/ [email protected]
16/05/2023 às 09:11.
Atualizado em 16/05/2023 às 09:11
A equipe multidisciplinar participante do projeto foi composta por uma fonoaudióloga, uma psicopedagoga, uma terapeuta ocupacional, uma psicóloga e um assistente social (Divulgação)

A equipe multidisciplinar participante do projeto foi composta por uma fonoaudióloga, uma psicopedagoga, uma terapeuta ocupacional, uma psicóloga e um assistente social (Divulgação)

O encerramento de um projeto que acolhia e tratava precocemente bebês com perda auditiva ou atraso na fala em Campinas deixou pais e profissionais da área apreensivos. O projeto intitulado "O cuidado da intervenção precoce na primeira infância", uma parceria entre a Associação de Pais de Amigos de Surdos (Apascamp) e Federação das Entidades Assistenciais (Feac) foi descontinuado. Nos últimos 12 meses, foram atendidas 23 crianças de 0 a 4 anos com comorbidades associadas à audição e fala, minimizando possíveis atrasos no desenvolvimento motor, cognitivo e de linguagem nos primeiros anos de vida. 

A equipe multidisciplinar participante do projeto foi composta por uma fonoaudióloga, uma psicopedagoga, uma terapeuta ocupacional, uma psicóloga e um assistente social, vislumbrando um olhar multidimensional para melhor atendimento das crianças. Mesmo com o fim do contrato de parceria, a Apascamp continuará o acompanhamento independente em encontros mensais entre os funcionários e os pais.

Segundo o coordenador do projeto, Diego de Assis, a perda auditiva, independente do grau, pode levar a uma série de comprometimentos nas crianças e a alterações no desenvolvimento da linguagem e fala, prejudicando a sua comunicação e chegando até a causar deficiências secundárias que envolvem os aspectos cognitivos, emocionais e sociais.

Diego destaca que para minimizar os efeitos da deficiência na vida cotidiana dos bebês e apoiar o seu desenvolvimento junto à família, esse projeto de intervenções focou tanto no ambiente familiar como na própria criança, visando desenvolvimento integral e a participação da família neste processo na totalidade.

"As crianças atendidas pelo projeto chegam encaminhadas com o diagnóstico "aberto", onde ainda não se pode garantir se os bebês desenvolveriam surdez de fato. Após as avaliações da equipe multidisciplinar com as crianças, constatando a necessidade do acompanhamento, eles permaneciam conosco", diz o coordenador.

Com a finalização desse projeto, marca a conclusão de um ciclo de aprendizagem para a instituição que pode experimentar o quão importante é a estimulação sensorial precoce nas crianças com deficiência, para que estas possam se desenvolver e atingir a autonomia em suas atividades.

Os profissionais que acompanharam os bebês durante o último ano, como a pedagoga Alessandra Sancinetti Amaral e a psicóloga Letícia Marin Hofstatter, lamentaram o encerramento do projeto. "Romper um trabalho que carece de continuidade e a acompanhamento, como diagnóstico de surdez nos primeiros anos de vida, cria-se uma lacuna no desenvolvimento dessa criança", afirma Alessandra.

"Além do vínculo afetivo com as crianças, a importância dos resultados corrobora com a necessidade da continuidade do acompanhamento. Não há outro espaço público de acompanhamento de bebês com perda auditiva na cidade. É extremamente triste para mim enquanto profissional e para os pais, principalmente", relata a psicóloga.

Conforme Letícia, cada criança tem seu tempo. Há uma margem de observação, como a interação com outras crianças, desenvolvimento nas atividades escolares e, principalmente, o acompanhamento dos familiares.

Os pais dos bebês atendidos pelo projeto compartilham com os funcionários os mesmos sentimentos de tristeza e lamento que os funcionários da Apascamp. Rosemeire Sabina Dantas, mãe de uma das crianças atendidas, confirma a preocupação com o fim do projeto e os problemas que isso possa causar. "O projeto ajudou muito meu filho, que iniciou na Apascamp bem debilitado. Ele teve consideradamente uma evolução de 80% na melhora de coordenação motora e estímulo. Começou a engatinhar e deu os primeiros passos. Ele tem microcefalia, paralisia cerebral e perda de audição, se não fosse o acompanhamento e paciência de toda a equipe, ele não teria conseguido", lamenta a mãe.

Para Eliane de Jesus Araujo Viana, o projeto foi muito importante, porque não é fácil conseguir vagas nas instituições que oferecem atendimento específico. Meu filho teve muita sorte de participar desse projeto, foi muito bem acolhido e se desenvolveu bastante.

Segundo a fonoaudióloga especialista em reabilitação auditiva da PUC-Campinas, Regina Antoniolli, a capacidade de audição dos bebês vem desde o ventre materno. Ao nascer, a medicina já consegue precocemente identificar as dificuldades em relação à audição, através do teste da "orelhinha", conhecido como triagem auditiva neonatal, gratuito em toda a rede pública e privada. Com os resultados positivos para a falta de audição, os bebês são encaminhados para outro teste mais aprofundado, chamado "Bera", é um exame eletrofisiológico que avalia a integridade das vias auditivas, baseada na captação de sinais de condução neural, que se dá por meio de sensores fixados à pele. Essa resposta ocorre após estímulos sonoros realizados com o uso de fones de ouvido, e em situações excepcionais por estímulos de vibração (estímulo por via óssea). 

A criança terá um sucesso nos resultados, conforme a precocidade do diagnóstico e o início da reabilitação, desenvolvendo com mais rapidez sua melhora na audição. Por isso, é fundamental realizar os testes logo após o parto, e ocorrendo a identificação do possível problema, já iniciar a reabilitação", finaliza Regina.

FEAC

Conforme a analista de projetos da fundação FEAC, Viviane Santos, chegar ao final do projeto com os avanços registrados não é só gratificante, mas também sinônimo de sucesso e validação da metodologia e da demanda apresentada. Conseguir garantir aos bebês e crianças assistidas pela proposta um atendimento qualificado e planejado a partir de suas especificidades foi o grande diferencial. Uma das principais metas era aproveitar a janela de desenvolvimento desta faixa-etária, oportunizando assim ganhos na qualidade de vida dos pequenos. "Uma vez que o projeto proporcionou o mapeamento da demanda para o município, e temos comprovação da importância da intervenção precoce para garantir o direito das crianças se desenvolverem, entendemos que a iniciativa tem grande potencial e necessidade de se tornar um serviço contínuo oferecido pela gestão pública."

A Apascamp está aberta para novos parceiros que possam atuar na manutenção do projeto o "cuidado da intervenção precoce na primeira infância". Os interessados poderão entrar em contato através do e-mail apascamp@ apascamp.org.br

A psicóloga Letícia Marin Hofstatter (à direita) lamentou o encerramento do projeto em Campinas (Rodrigo Zanotto)

A psicóloga Letícia Marin Hofstatter (à direita) lamentou o encerramento do projeto em Campinas (Rodrigo Zanotto)

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