Moradores em situação de rua procuram dormir próximos para aumentar o calor nas noites geladas nas calçadas (Kamá Ribeiro)
Campinas amanheceu nesta quarta-feira (18) registrando a menor temperatura de 2022. Pouco antes das 7h, o Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri) da Unicamp registrou a temperatura de 6,3°C, enquanto na estação do Centro Integrado de Informações Agrometeorológicas (Ciiagro) do Instituto Agronômico de Campinas (IAC) a mínima foi de 4,6°C.
Os locais em que os sensores das estações meteorológicas estão instalados influenciam na temperatura medida, sendo que regiões mais urbanizadas costumam ter temperaturas mínimas e máximas mais elevadas. Essa foi a primeira vez desde 2003 que o mês de maio teve uma temperatura tão baixa. Em 2018, a mínima registrada pelo Cepagri foi próxima, 6,6°C. Até esta terça, o dia mais frio do ano em Campinas havia sido 5 de maio, com 10,2°C.
O frio intenso afeta a população como um todo, mas as pessoas que estão em situação de rua sentem ainda mais os efeitos da baixa temperatura. A Secretaria Municipal de Assistência Social, Pessoa com Deficiência e Direitos Humanos informou que nenhum caso de hipotermia foi notificado e que a procura por abrigos foi aproximadamente três vezes maior do que em dias de calor ou pouco frio.
Cerca de 160 pessoas procuraram acolhimento de maneira espontânea. Outras 10 foram convencidas pelo SOS Rua, serviço que conta com equipe multidisciplinar composta por assistentes sociais, psicólogos e educadores que atua diretamente nas ruas, com o objetivo de acolher os vulneráveis e realizar encaminhamento aos serviços públicos de proteção, assistência e saúde do município.
Quem não aceitou o acolhimento recebeu cobertores. A criação de 100 vagas na Casa da Cidadania foi essencial, uma vez que o Setor de Atendimento ao Migrante, Itinerante e Mendicante (Samim), albergue municipal, disponibiliza 120 vagas e não daria conta da demanda.
Durante a manhã desta terça-feira foi possível observar diversos moradores de rua no Centro de Campinas com cobertas - dormindo ou acordados. Um deles, estava com apenas uma manta fina e tremendo. Ele contou que ficou mais de um mês abrigado, mas voltou à rua ao ter a expectativa de adquirir uma moradia frustrada. Embora tenha dito estar acostumado com o frio, ele tremia e os pés estavam roxos. Uma mulher entregou uma blusa ao senhor, que teve dificuldade para se vestir e foi auxiliado por outras pessoas.
"A gente estava sentada preparando documentos, pois acabei de sair do banco. Não fui eu quem o abençoou com a blusa, mas ele não estava conseguindo colocar a roupa. A minha filha disse 'mãe, vem ajudar'. E a gente tem que ajudar, né. Eu não tenho nada agora, estou longe de casa, mas se eu pudesse ajudaria mais", relatou a doméstica Edna Morais Silva, de 45 anos.
Ao lado da filha de 11 anos, ela confessou ter tido dificuldade para levantar da cama na manhã de ontem. "Foi muito difícil, estava bastante frio, mas eu precisava resolver algumas questões de documentação e vir ao banco. Mas só levantei porque precisava mesmo (risos)".
Outra dupla de mãe e filha bem agasalhadas no Centro de Campinas, Iara Paes, de 56 anos, e a bióloga Izabela Paes, 23, contaram que acordar não foi fácil com o frio intenso, mas que elas podem usar roupas mais quentes e dormir com mais cobertas, algo que nem todo mundo pode fazer. "Duro é para quem não tem. Por isso, quando temos condições, tentamos ajudar mais pessoas, participar da Campanha do Agasalho", contou Iara. A passagem delas pelo Centro não era à toa: as duas estavam procurando por mais peças de roupa para enfrentar o frio. Com isso, será possível doar algumas vestimentas mais antigas para quem mais precisa.
Sensação térmica
Na manhã desta terça, a sensação térmica era ainda menor do que os termômetros mostravam. No momento em que Campinas registrou a temperatura de 6,3°C, a sensação era de aproximadamente 2,2°C. A estimativa é a de que a sensação tenha ficado cerca de 4°C abaixo da medição do termômetro durante todo o dia.
"Ventos mais intensos baixam a sensação térmica - a forma com que o nosso corpo percebe a temperatura - porque contribuem para maior troca de calor entre o corpo e o ambiente. O vento frio retira calor mais rapidamente. Da mesma forma que a temperatura é amenizada quando nos colocamos sob a radiação solar em dias frios. Vale lembrar que a temperatura, em meteorologia, é medida à sombra. Se o termômetro estiver sob o sol, ele acaba se aquecendo e informando uma temperatura incorreta", explicou o meteorologista do Cepagri, Bruno Bayne.
Ele disse que o frio intenso deve permanecer nesta quinta-feira (19), com o final de semana tendo temperaturas ainda abaixo da média para o período, mas um pouco mais amenas. A previsão é a de que a mínima seja 5°C e a máxima 16°C. A partir da próxima segunda-feira, as temperaturas devem voltar ficar próximas da média. "As palavras 'quente' e 'calor' são fortes, já que estamos nos aproximando do inverno, mas teremos temperaturas entre 13 e 25°C."
Em Joaquim Egídio, no distrito de Sousas, o comerciante Jaime Marcelino Pissolato admitiu que, mesmo acostumado com o frio mais intenso que acontece no distrito em relação à Campinas, a temperatura da madrugada de ontem o surpreendeu. "Eu uso muita bermuda, pois não gosto de calça jeans e moletom. Saí de casa para trabalhar de bermuda, mas quando cheguei no carro, voltei para colocar uma calça, porque estava bem gelado. Se até eu precisei usar moletom foi porque o 'friozinho foi maneiro'. Acordei por volta das 4h30. A gente já tinha sentido uma queda na madrugada de domingo para segunda, mas ela foi mais forte de segunda para terça e, agora, de terça para quarta foi bem gelado."
O lado positivo, para ele, é que a procura por restaurantes na região aumenta nesse período de temperaturas mais baixas, o que deve trazer mais movimento ao seu negócio.
Em uma praça de Sousas, Roseli dos Reis Machado, 51 anos, tentava se esquentar tomando um café com leite antes de chegar ao trabalho, mas nem isso foi o suficiente para aquecer o corpo ontem. "Geralmente, quando venho para cá, está mais gostoso, mas hoje até mandei mensagem para a minha irmã, que também trabalha aqui, avisando: 'minha filha, se prepara (risos)'."