2ª guerra mundial

As memórias campineiras de um ex-combatente

Rodrigues, que completa 100 anos no próximo dia 13, foi um dos 328 combatentes campineiros a participar da 2ª Guerra Mundial, na Europa

Alenita Ramirez
06/08/2017 às 19:49.
Atualizado em 22/04/2022 às 18:47
O ex-combatente da 2ª Guerra Mundial, tenente Sylvio Rodrigues, completa 100 anos dia 13 de agosto (César Rodrigues)

O ex-combatente da 2ª Guerra Mundial, tenente Sylvio Rodrigues, completa 100 anos dia 13 de agosto (César Rodrigues)

Primeiro um zunido seguido de um apagão da visão e da consciência. Depois, a claridade e muito sangue por todo o corpo. O dia era 12 de agosto de 1944, e o local, um campo de guerra na região de Nápoles, ao Sul da Itália. A data era a véspera do aniversário do então 1º sargento do Exército Sylvio Rodrigues, que foi ferido com a explosão de uma mina terrestre em seu primeiro dia no campo de batalha. Rodrigues, que completa 100 anos no próximo dia 13, foi um dos 328 combatentes campineiros a participar da 2ª Guerra Mundial, na Europa. Sétimo de 11 irmãos, Rodrigues nasceu em Campinas, em 1917, mas foi registrado com a data do dia 14 — o que ele não aceita. Filho dos portugueses Sebastião Rodrigues e Hermelina de Jesus Rodrigues, o ex-combatente começou a trabalhar com 13 anos como entregador de carnes. Ele foi à guerra contra a vontade, já que em 1943 tinha acabado de vender parte de sua sociedade em um comércio, que foi fundado com o então sogro. “Como terminei meu noivado, vendi minha parte no mercado. Fiquei desempregado em dezembro de 1942, e em janeiro do ano seguinte o governo brasileiro fez a convocação para a guerra. Se não tivesse vendido minha parte no armazém, não ia”, lembra. O ex-sargento ainda trás em seu corpo as marcas e a dor da guerra. Estilhaços das bombas ainda estão cravados em sua coxa direita. Eles machucam, mas não impedem que o quase centenário caminhe, dirija ou deixe de ser feliz. “Fiquei gravemente ferido. Fui atingido no intestino, na coxa, na batata da perna esquerda. Eram muitas as lesões. Quando acordei daquela explosão que não vi, estava de pé. O socorro apareceu logo, com a chegada dos soldados que não foram feridos. Eles pegaram as bolsinhas com curativos que levávamos na cintura e fecharam meus ferimentos. Depois me levaram para uma espécie de estrada, e, por um milagre, apareceu um jipe com soldados médicos que me levaram para o hospital”, recorda. O ex-combatente faz questão de dizer que desde pequeno foi muito trabalhador. Quando adolescente, no primeiro emprego, começava às 6h30 e saía as 11h. Depois ia direto para a escola Bento Quirino, onde cursava colégio técnico, com foco em várias especialidades. Como perdeu o pai aos 5 anos, tinha que trabalhar para ajudar a mãe. Aos 15 se mudou para a casa de uma irmã, em Belo Horizonte, onde seguiu trabalhando. Entre idas e vindas foram dois anos. Aos 17, voltou para Campinas e foi voluntário por um ano no Exército, para ficar livre do serviço militar quando completasse 21 anos. Para sua felicidade, foi dispensado, mas aos 25 anos recebeu a carta de convocação. “Foi muito doloroso ir para a guerra, para mim e minha família. Sofri, mas me apresentei no quartel de Caçapava. O quartel era muito grande, do tamanho de uma fazenda.” Foram quatro meses de treinamento no quartel até seguir para Taubaté e, depois, a Vila Militar, no Rio de Janeiro, onde ficou três meses — até partir de navio para a Itália. No total, foram quase 12 meses de apreensão. “Na Vila estávamos em 1,5 mil para um espaço de 500 soldados. Para caber todo mundo, as camas eram beliches coladas uma na outra. Havia uma praga de percevejo e todas as quartas-feiras, que era folga, tínhamos que colocar a cama no pátio e limpá-la com querosene para matar os bichos”, recorda. Dispensas Muitos dos campineiros convocados foram dispensados por alguma razão. Mas Rodrigues ficou, e tinha como companheiro o campineiro Valdomir D’Angelo. O hoje quase centenário ficou meses sem ver a família, já que as viagens de trem eram caras e longas. “Para não sentir saudades, a gente não pensava em nada. Nossa tristeza aumentava com a angústia de não saber o dia que embarcaríamos. Tudo era sigiloso. Até mesmo o nosso embarque. No dia, tivemos que sair à noite do quartel para ninguém ver. As janelas do trem eram todas vedadas. Era o medo de que os alemães pudessem descobrir nossa viagem e sabotar”, conta. Foram duas noites para fazer o embarque da tropa, que saiu no final de julho de 1944. A viagem durou 15 dias. O navio era americano e tinha 2,5 mil tripulantes. Só a tropa somava cerca de 5,5 mil homens, segundo o ex- 1º sargento. Como Rodrigues tinha habilidades para trabalhar em comércio, foi designado a atuar no setor de abastecimento do navio. “Não havia festas no navio, apenas filas imensas para pegar comida. Todos usavam um cartão grande pendurado no pescoço que era usado para carimbar quando recebia comida. Como era muita gente, ficava praticamente o tempo todo servindo comida”, recorda. Imagem A primeira imagem de Nápoles foi de navios afundados com partes à vista. Era o cenário da guerra. A partir dali o futuro era incerto. No total embarcaram do Rio quatro contingentes que foram separados por regiões na Itália, sendo cada uma com situações diferentes. Dias antes de embarcar, o ex-combatente recebeu a visita da mãe e de dois irmãos. “Nosso único pensamento eram os dois sacos de bagagem: o A e o B. Neles estavam nossas fardas, alguns objetos de higiene e de primeiros socorros. A gente só carregava o saco A. O B era levado por um caminhão”, conta. O primeiro acampamento foi no antigo campo de caça dos reis da Itália. O local era em uma cratera de vulcão, rodeado por mato e muralhas. Foram oito dias no ali. Depois seguiram de trem para cidades que ele não recorda os nomes. Mas se lembra que foram 20km de uma linha precária, onde o cenário era composto por trens destruídos pelos bombardeios. A viagem terminou com o fim da linha transitável. Para chegar no ponto determinado para ficar, o trajeto foi de caminhão. Nessa época, Rodrigues já tinha sido promovido a 1<SC210,186> sargento e a guerra estava mais pesada. Os alemães começavam a subir as montanhas, lugar para onde ele tinha sido designado. Em seu pelotão havia 12 homens. E a ordem era seguir o treinamento de modelo americano, no qual se colocava na frente dois soldados, na segunda linha o 1<SC210,186> sargento, mais outra linha com dois soldados, e assim por diante. Rodrigues estava na segunda linha. “Andamos de 15 a 20 minutos para tomar posição quando de repente fomos atingidos pela mina terrestre. O 2<SC210,186> sargento também ficou gravemente ferido, e morreu dois dias depois, ao meu lado, no hospital. Não o conhecia, mas me lembro que antes de morrer ele chamou a mãe por duas vezes”, diz. A partir de então, os dias do ex-combatente passaram a ser de hospital a hospital da Europa até chegar a Miami, nos Estados Unidos, e depois ser trazido ao Brasil. Foram meses. A farda foi substituída por pijama. Sua bagagem ficou na Itália. Para deixar o hospital americano era preciso uma farda, e, por sorte, um tenente solidário doou uma reserva a ele. A farda ficou com Rodrigues até sua saída do hospital no Rio. “Como tinha sequelas, recebi licença médica. Mas estava sem dinheiro e sem roupa. Orientaram-me buscar ajuda na assistência social do Ministério do Exército e fiz esta farda (foto) para me apresentar. Por sorte, um capitão teve a ideia de me apresentar ao ministro, general Canrobert Pereira da Costa, que ouviu minha história e mandou dar toda assistência”, relata. Rodrigues passou por cirurgias, mas após anos conseguiu se aposentar, pois provou que não tinha mais condições de trabalhar. Ele casou com a costureira Zilda Ferreira, com quem viveu 66 anos. Não teve filhos. Ela morreu há seis anos. Ele segue morando na casa que construiu há 51 anos, no Guanabara. Apesar das dores na coxa direita e no abdômen, o ex-combatente é ativo e tem boa memória. O segredo da longevidade? “Não fumo e bebo esporadicamente. Acho que é de trabalhar. Aliás, é ter uma vida regrada”, ensina. Ex-pracinha vai receber homenagens Para comemorar os 100 anos do ex-combatente campineiro Sylvino Rodrigues, a Oficina do Estudante, fará a exposição Pracinhas - Nossos Heróis, com entrada gratuita e aberta ao público. A intenção do colégio é propagar os conhecimentos de história à população em geral. A iniciativa é da escola em parceria com a Associação dos Expedicionários de Campinas (AExpCamp) e com o grupo de encenação histórica Dogs of War. A homenagem também se estende os demais combatentes brasileiros da campanha contra Hitler. A avant première será às 19h30 do dia 10, com coquetel para imprensa e alguns convidados. Já para o público em geral, a mostra será aberta na manhã do dia 11. Tanto no dia 10 quanto no dia 11 haverá a presença de pracinhas ainda vivos, quanto de membros do Dogs vestidos como soldados brasileiros e alemães. A Oficina do Estudante fica na Avenida Brasil, 601, no Jardim Guanabara, em Campinas, de segunda a sexta, das 9h às 18h, de 11 de agosto a 9 de outubro. Ainda para comemorar o aniversário de Rodrigues, a Associação dos Veteranos da FEB, em Campinas, vai homenageá-lo durante o Baile do Dia dos Pais, no Circulo Militar. CURIOSIDADES Foram 25.445 brasileiros que participaram da campanha da FEB na Itália, na Segunda Guerra, com 465 mortos. De Campinas, foram convocados 328 pessoas. Quatro morreram. Em Campinas, cinco dos 328 ainda estão vivos, sendo que três deles participam constantemente de reuniões. Além de Rodrigues, ainda vivem Francisco de Assis Rodarte, com 95 anos, Justino Alfredo, de 97 anos, Tilio Bordin, de 97 anos, e Darci Cespes Barbosa, de 98 anos. Todos moram em Campinas, mas Rodarte, na época da guerra, foi convocado por Minas Gerais, e Barbosa, pelo Rio de Janeiro. A Associação dos Veteranos da FEB (ANVFEB) fica na Rua Dr. Falcão Filho, nº 96, no bairro Botafogo, em Campinas. O telefone é o (19) 3236 1584.

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