Espanhol polêmico teria feito, em 1874, obra em parede descoberta por maçons durante reforma
Representações de figuras egípcias em afresco na Loja Maçonica Independência (Edu Fortes/AAN)
Com a ajuda de um artigo de um jornal que já não existe mais, membros da Loja Maçônica Independência, de Campinas, acreditam ter identificado o responsável pelas pinturas parietais de hieróglifos egípcios feitas para a inauguração do templo, em 1874, e que vieram à tona com a restauração do prédio — que está em andamento. A edição de 5 de fevereiro de 1874 da extinta Gazeta de Campinas atribui ao espanhol José Maria Villaronga os entalhes, os desenhos do docel, do teto e das colunas do espaço.
Especialistas na obra do artista catalão consultados pelo Correio Popular, no entanto, acham prematuro cravar que Villaronga seja o autor das pinturas e preferem aguardar estudos mais detalhados. Para eles, além de o desenho, inusitado para a época, não ter os traços do artista, o espanhol tinha uma das empresas de arquitetura e pinturas parietais — nome dado à técnica de desenhos em paredes — mais requisitadas da época. Seus projetos eram grandiosos, envolviam diversas pessoas e muitos desenhos eram feitos por pintores que trabalhavam para ele.
O artigo, sobre uma exposição do templo ao público e publicado há quase 140 anos, foi rastreada pelo engenheiro Rafael Garcia Alonso, que é da loja maçônica. Ele é um dos responsáveis por um vasto acervo de matérias, fotos e documentos antigos sobre a loja.
A edição foi encontrada no Centro de Memória da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O arquivo, que é público, conserva quase todas as edições do periódico, fundado em 1869 pelos irmãos Francisco e Bento Quirino dos Santos.
O texto rebuscado da época descreve a decoração da loja como “rica” e “suntuosa”, e afirma que o público ficou “admirado” como os símbolos do templo, “primorosamente” pintados.
Segundo o jornal, a loja maçônica ficou aberta do dia 31 de janeiro a 2 de fevereiro daquele ano, e centenas de pessoas “apinhavam-se” para ver as pinturas, disponíveis para visitação das 19h às 21h.
“Essa é uma pista importante sobre a autoria dos afrescos. Pelo menos temos certeza de que Villaronga estava envolvido no projeto de arquitetura do templo na época. E era uma figura muito popular”, afirmou Alonso.
Os registros documentais de Villaronga são escassos, de acordo com a especialista na obra do catalão Regina Tirello, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Unicamp. O artista é conhecido por pinturas parietais de tradicionais fazendas do Vale do Paraíba durante o Ciclo do Café, como a Fazenda Resgate, em Bananal (leia no texto abaixo).
Mas muitos desenhos atribuídos ao autor na verdade não são dele, de acordo com Regina. “Raras vezes os afrescos são feitos por uma pessoa só. O trabalho pode ter sido feito em conjunto com vários artistas, explicou.
“Preciosa e atípica”
A pintura de hieróglifos não é comum na obra de Villaronga e dificulta a identificação o fato de as pinturas parietais do período não terem assinatura, segundo a especialista. Uma análise técnica, comparando o traço dos desenhos do templo a de outras pinturas do espanhol colocaria fim ao mistério.
“De qualquer forma, a pintura descoberta no templo é preciosa e atípica, e deve ser tratada com muito cuidado”, disse Regina. As pinturas parietais do templo estavam encobertas por pelo menos duas camadas de tinta.
Parte do afresco foi danificada por perfurações e reformas feitas ao longo da história da loja. Ainda assim, as figuras são perfeitamente visíveis e mostram egípcios trabalhando em diversas cenas.
“Na verdade, as pinturas não são afrescos propriamente ditos. Esse nome foi popularizado, mas os afrescos italianos eram uma técnica muito peculiar. Os desenhos eram feitos na massa ainda fresca”, explicou Regina.
A pintura
Com cerca de 30 metros quadrados, o afresco foi descoberto quase que por acaso durante a reforma do templo, localizado na Rua Campos Salles, no Centro de Campinas. Ele foi feito em 1874, mas acabou coberto depois da reforma realizada no século seguinte, em 1933.
A obra mostra desenhos de característica egípcia nas paredes ao lado de sua porta principal.
A direção da Loja Maçônica busca agora profissionais que tenham condições de restaurar esse tesouro — considerado por especialistas em patrimônio da cidade como uma das mais valiosas descobertas históricas de Campinas dos últimos anos.