POLÊMICA

Artigo contesta projeto da Escola sem Partido

Correio Popular consegue acesso antecipado ao documento

Rogério Verzignasse
15/11/2018 às 09:00.
Atualizado em 06/04/2022 às 00:20

Um artigo assinado por dirigentes da Faculdade de Educação da Unicamp, preparado para ser enviado a órgãos de imprensa do Brasil todo, faz críticas contundentes ao projeto denominado Escola sem Partido, que pretende conter o que seus idealizadores consideram “doutrinação ideológica”. A proposta, na visão dos educadores, se limita a uma pauta neoconservadora, que se propõe a combater a suposta degeneração social e moral da população. O documento — ao qual o Correio Popular teve acesso antecipado — foi assinado pelas professoras Débora Mazza e Dirce Zan, e representa a opinião de uma centena de educadores da faculdade. O texto lembra que a proposta pretende alterar o que é disposto na Leis de Diretrizes e Base da Educação Brasileira (LDB), sugerindo que a educação escolar não pode se sobrepor a valores da ordem familiar nos aspectos relacionados à educação moral, sexual e religiosa. O projeto, consideram as autoras do artigo, apresenta uma narrativa compartilhada desde quando o movimento foi criado e se espalhou pelas redes sociais, e que se vale de polarizações no campo político e transborda o campo educacional. Como define a própria LDB (Lei federal 9394;96) no seu artigo 3º, o ensino precisa ser ministrado com base nos princípios de igualdade de condições, a alunos de qualquer raça ou condição financeira, sempre em defesa do pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, com respeito à liberdade e o apreço à tolerância. E precisa haver, como exposto na Lei, vínculo entre educação, trabalho e práticas sociais. “Segundo esses princípios, a escola se constitui como um espaço de sociabilidade entre diferentes e desiguais, condição fundamental para uma convivência democrática”, detalha o artigo. Para as educadoras, o projeto Escola sem Partido afronta tais disposições legais, na medida em que obriga a escola de fato a tomar uma postura única, que é a pauta radical e intolerante de grupos específicos. Desrespeito ao mestre Para os educadores da Unicamp, quando o projeto propõe que os valores familiares tenham “precedência sobre a educação escolar”, ele contribui para a desqualificação e desprofissionalização do professor, que desde a própria formação se propõe a contribuir com o desenvolvimento do educando. “A proposta de fixação obrigatória em todas as salas de aulas de ensino fundamental e médio de cartazes de conteúdos que prescrevem o que o professor 'não deve realizar', expressa uma concepção negativa e cerceadora do trabalho do mestre, partindo do princípio de que o estudante é “audiência cativa” e que por trás do currículo escolar existem intenções de doutrinação ideológica, propaganda partidária e de manipulação moral”, informa o documento. A estratégia, comentam as educadoras, fomenta uma relação de desconfiança e antagonismo entre professores e estudantes, e contribui para a polarização das relações políticas e sociais, que em nada colabora com um projeto de formação que busca uma sociedade mais igualitária e menos violenta. Para Dirce e Débora, as ideias de que a escola “tira a autoridade dos pais”, que o professor “representa um ataque frontal à família” e que o currículo “promove doutrinação religiosa e ideologia de gênero”, representam um ataque à educação como direito social, e apontam para um projeto em que valores individuais se sobrepõem aos interesses da sociedade democrática.

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