9 de julho

Armas de diferentes calibres mataram os estudantes MMDC

Investigações criminais que o Correio publica, de forma inédita foram extintas em 1954

Luiz Saviani Rey
09/07/2022 às 10:41.
Atualizado em 09/07/2022 às 10:41
As únicas análises conclusivas no inquérito policial estão nos autos que apontam a casusa mortis de Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo. Os efeitos dos tiros e das balas em seus corpos. (Reprodução)

As únicas análises conclusivas no inquérito policial estão nos autos que apontam a casusa mortis de Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo. Os efeitos dos tiros e das balas em seus corpos. (Reprodução)

As únicas análises conclusivas do inquérito policial estão nos autos que apontam a causa mortis de Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo. Investigações criminais que o Correio publica, de forma inédita, levaram 22 anos para chegar ao Judiciário e foram extintas em 1954 

O inquérito policial instaurado para apurar os episódios de 23 de maio na Praça da República ficou a cargo da Segunda Delegacia Auxiliar da Polícia do Estado de São Paulo. O documento inédito e exclusivo que o Correio Popular traz aos seus leitores tem o título de “Autos do Inquérito Policial sobre as ocorrências verificadas na Praça da República por volta das 23 horas de hoje (23 de maio de 1932). 

Em síntese, contém relatos das manifestações contra a ditadura e o governo discricionário de Getúlio Vargas que, àquela altura, oprimia os paulistas e impunha ao estado interventores (governadores) inimigos dos fazendeiros de café e da elite paulistana. Relatos que preferimos expor na forma textual e jornalística na página 6 (ao lado).
É um tomo de mais de 78 folhas, que recebeu o número 9815 do Gabinete de Investigações daquela delegacia. Em geral, em suas linhas são relatadas, em pormenores, as vicissitudes da ampla manifestação que tomara conta das ruas centrais de São Paulo naquela noite histórica, com ênfase nas consequências do conflito armado e na averiguação das causas da morte, a princípio, de três pessoas.

Ao longo do processo de inquérito, que durou anos, a Polícia não conseguiu saber quem eram as pessoas que se encontravam no interior do prédio do Partido Popular, na rua Barão de Itapetininga, invadido pelos manifestantes.

Era sabido que militares do Exército Brasileiro faziam a guarda do local, em razão de se tratar de uma agremiação política não apenas favorável, mas agregada à estrutura de governo e às políticas governamentais de Getúio Vargas.

Eram pessoas que estavam ao seu lado desde que o presidente deixara Porto Alegre em um trem militar para tomar o poder no Rio de Janeiro, em 1930.

Pelos autos do inquérito, soube-se, única e exclusivamente que o general Isidoro Dias Lopes, ex-comandante da 2ª Região Militar (SP), encontrava-se no local.

As únicas análises conclusivas no inquérito policial estão nos autos que apontam a casusa mortis de Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo. Os efeitos dos tiros e das balas em seus corpos.

A ação criminal sobre os assassinatos das cinco figuras emblemáticas do MMDCA, a cargo do delegado Antonio Brasliense Carneiro, levou 22 anos para chegar ao Judiciário. A razão da demora residiu no fato da prescrição e extinção do processo. Não foi possível, entre mais de 300 depoimentos colhidos de testemunhas no dia dos fatos, descobrir e chegar aos autores dos disparos.
Os documentos, amarelecidos, porém, bem conservados, permaneceram esquecidos nas gavetas da Delegacia Central de São Paulo. 

Em 29 de outubro de 1954, sete meses após ser liberado do cartório do Tribunal de Justiça de São Paulo, o delegado titular da Delegacia de Segurança Pessoal, Nelson Veiga, remeteu o processo à Vara Criminal do Juri, e o juiz Waldemar Cesar da Silveira determinou a conclusão dos autos.

DADOS DOS LAUDOS NECROLÓGICOS DO MMDC

MÁRIO MARTINS DE ALMEIDA, 31 anos, branco, brasileiro: as análises constataram que sua morte fora provocada por lesões traumáticas, um ferimento perfuro-contuso na região clavicular esquerda, de forma circular, com um centímetro de diâmetro, representando o orifício de entrada de um projétil de arma de fogo (Revólver). Um outro orifício semelhante ao primeiro foi constatado na mesma região, tendo encravado um estilhaço metálico. O projétil perfurou o pulmão esquerdo, atravessou o diafragma e atingiu o estômago e o fígado, alojando-se no rim. Concluímos que sua morte se deu por hemorragia interna, devido a ferimentos por bala.

EUCLIDES BUENO MIRAGAIA, 21 anos, solteiro, branco, estudante, brasileiro: as análises constataram que sua morte originou-se de um orifício arredondado, com cinco centímetros de diâmetro (provavelmente projétil disparado de metralhadora) na região mamária, dando ampla comunicação com a cavidade torácica, e pela qual ocorreu eliminação de grande quantidade de sangue, Concluímos que a morte teve por causa hemorrágia interna e externa, causada por ferimento do pulmão esquerdo por bala de arma de fogo. 

DRAUSIO MARCONDES DE SOUZA, 14 anos, escolar, brasileiro: constatamos que a pessoa acima qualificada foi atingida por um tiro de fuzil, ficando gravemente ferida. Recolhido na Santa Casa de Misericórdia, veio a falecer na madrugada de 28 de maio, apesar de se submeter a uma intervenção cirúrgica. O corpo apresenta ao nível da fossa ilíaca direita um ferimento perfuro-contuso arredondado, com um centímetro de diâmetro, correspondente ao ponto de penetração de uma bala, cujo ponto de saída se deu na fossa ilíaca oposta, após ter atravessado o ventre, em situação gravíssima. Concluímos que sua morte se deu em consequência de peritonite traumática (inflamação do peritônio, que é a membrana que envolve a cavidade abdominal e reveste os órgãos do abdome, formando espécie de saco), decorrente de ferimentos produzidos por arma de fogo (bala).

ANTÔNIO AMÉRICO CAMARGO DE ANDRADE, 30 anos, casado, branco, brasileiro: procedendo ao exame externo, verificamos ao nível da metade direita do lábio superior, um orifício elítico, com três centímetros no seu maior diâmetro, correspondente ao ponto de penetração de uma bala de arma de fogo (fuzil), havendo outro ferimento da mesma natureza, de forma estrelada, medindo seis milímetros de diâmetro, de bordos dilacerados e revirados, sobre a nuca (face posterior do pescoço), ligeiramente à direita da fossa cocciptal, correspondente ao ponto da saída da bala. Concluímos que sua morte foi causada por lesão medular pelo projétil de arma de fogo.

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