No local existe um bairro, o Jardim Novo Itaguaçu, ocupado irregularmente
O Novo Itaguaçu nasceu de uma ocupação; no bairro, as casas são de alvenaria e contam com água e luz, mas as ruas são de terra, com buracos e valetas (Alessandro Torres)
O Ministério de Portos e Aeroportos e a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero) publicaram ontem, no Diário Oficial da União, edital de desapropriação de área do Jardim Novo Itaguaçu, em Campinas, para ampliação do Aeroporto Internacional de Viracopos. O documento dá o prazo de dez dias, a contar da data da publicação, para que o proprietário da área entre com pedido de impugnação do levantamento, sob pena de deferimento. A sentença de incorporação ao patrimônio da União foi proferida pelo juiz da 8ª Vara da 5ª Subseção Judiciária da Justiça Federal, em Campinas.
O Novo Itaguaçu nasceu de uma ocupação. As casas são de alvenaria, contam com água e luz, mas as ruas são de terra, com buracos e valetas. A única rua em processo de asfaltamento é por onde passa o itinerário do ônibus. A área foi declarada de utilidade pública para ampliação do aeroporto há 19 anos, através de decretos federal e municipal, com a disputa judicial para desapropriação se arrastando desde então.
No processo judicial, aparece como dona da gleba a empresa Jardim Novo Itaguaçu Ltda., com sede em Francisco Morato, na Grande São Paulo. A reportagem do Correio Popular não conseguiu contato com a imobiliária. Os telefones que constam em sites de pesquisa de pessoas jurídicas não atendem. O número fixo consta como não existente, e o celular indicado é de uma pessoa que disse desconhecer a empresa e não ter nenhuma relação com ela. De acordo com estimativas dos próprios moradores, atualmente vivem no local cerca de 3 mil pessoas. A reportagem do Correio Popular solicitou dados sobre a população do bairro à Prefeitura de Campinas e à Infraero, mas não teve retorno até o fechamento desta edição.
DESCONHECIMENTO
A desapropriação da área do bairro faz parte de uma série de cerca de 2 mil processos judiciais em andamento para dotar Viracopos de um sítio aeroportuário de 27 quilômetros quadrados para a ampliação da segunda pista de pouso e decolagem e implantação da terceira pista. O aumento da área do aeroporto viabilizaria ainda a instalação de outros empreendimentos, como hotéis, centro de convenção e prestadoras de serviço ligados à aviação civil. Porém, apenas em torno de 20% da área foi efetivamente desapropriada, sendo um dos motivos a levar a atual permissionária do terminal, a Aeroportos Brasil Viracopos (ABV), a desistir da concessão e iniciar, em 2020, o processo de devolução à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).
O Jardim Novo Itaguaçu foi criado oficialmente há 66 anos, pelo decreto municipal nº 1.274, de 27 de agosto de 1958, assinado pelo então prefeito Ruy Novaes, mas o loteamento não saiu do papel. A área acabou sendo ocupada irregularmente em meados dos anos 1990. "Moro aqui há 30 anos. Quando mudei para cá não tinha água, luz, nem rua. Estava tudo largado", afirmou o operador de terraplanagem Aparecido Vito Leriano. Ele disse desconhecer qualquer processo de desapropriação do bairro e admitiu não ter escritura de propriedade. De acordo com ele, a falta de documentação é a realidade de todos os moradores do bairro.
"Eu comprei de terceiro", disse Osvaldo de Oliveira Lima, residente há 25 anos. A falta de regularização do Novo Itaguaçu faz os moradores sofrerem com a ausência de infraestrutura. "Na seca, tem muita poeira. Quando chove, nenhum carro passa por causa do barro", explicou. Durante uma forte chuva há um mês, a rede de água rompeu e uma vale de cerca de 2 metros de profundidade foi aberta na frente da casa Aparecido Leriano. A canalização foi consertada e a valeta foi fechada.
DECRETOS
A utilidade pública do Jardim Novo Itaguaçu para ampliação de Viracopos foi determinada pelos decretos municipais números 15.378, de 6 de fevereiro de 2006, e 15.503, de 8 de junho de 2006. Foram substituídos pelo decreto de 21 de novembro de 2011 e decreto municipal nº 16.302, de 18 de julho de 2008. O Ministério de Portos e Aeroportos apontou que o novo edital publicado se baseia no artigo 34 do decretolei nº 3.365, de 21 de junho de 1941. Ele determina que a indenização por desapropriação deve ser paga ao proprietário, ao titular de um direito real sobre a coisa, ou ao possuidor do imóvel.
Ele estabelece ainda que "o levantamento do preço será deferido mediante prova de propriedade, de quitação de dívidas fiscais que recaiam sobre o bem expropriado, e publicação de editais, com o prazo de 10 dias, para conhecimento de terceiros." De acordo com o ministério, valor da indenização da área do bairro se encontra depositado judicialmente e vinculado aos autos. No entanto, não foi divulgado o montante envolvido nesse processo.
De acordo com as informações de registro de pessoa jurídica, a Jardim Novo Itaguaçu Ltda. segue em atividade e com CNPJ ativo. A empresa foi aberta há 57 anos, em 30 de julho de 1968. A última atualização cadastral foi feita em 28 de outubro de 2005. Segundo o decreto municipal de autorização do loteamento, a área se destinada apenas a imóveis de caráter residencial. Ele estabeleceu ainda que a aprovação do plano entraria em vigor depois que o proprietário fizesse a doação pura e simples à municipalidade das áreas de ruas, avenidas, praças, passagens de pedestres e quaisquer outros logradouros, incluindo as vielas sanitárias.
DEVOLUÇÃO
A Infraero, por meio de nota oficial, divulgou que, quando a ação foi distribuída, laudo avaliatório realizado por empresa contratada pelo órgão Infraero não apontou a existência de casas na área. Segundo ela, “ações subsequentes dependem dos trâmites judiciais.” A estatal acrescentou ainda que o valor de indenização pela desapropriação depositado em juízo na época da distribuição da ação foi de R$ 6.943,14. Em abril de 2010, o valor definido na sentença judicial foi de R$ 40.887,49. A Prefeitura de Campinas também foi procurada, mas não se manifestou sobre o assunto.
A nova desapropriação é mais um capítulo na polêmica envolvendo Viracopos, que terá de ter a relicitação da concessão definida até 2 de junho, de acordo com decisão do Tribunal de Contas da União (TCU). A realização da relicitação de Viracopos ser arrasta há quatro anos e nove meses, desde que foi publicado no Diário Oficial da União, em 17 de julho de 2020, o decreto que qualificou o aeroporto para concorrência pública para escolha de uma nova concessionária.
Ele foi sancionado pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL) após, em março daquele ano, a ABV ter oficializado, junto à Anac, o pedido de devolução do aeroporto. No entanto, em 2023, a permissionária voltou atrás e manifestou interesse em continuar na administração do aeroporto. Ela buscou um acordo amigável com a ABV para evitar uma nova concorrência, mas a negociação fracassou. Ela foi coordenada pela Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos (SecexConsenso) do TCU e envolvia ainda o Ministério dos Portos e Aeroportos, a secretaria do Programa de Parceria de Investimentos (PPI) da Casa Civil da Presidência da República e suas procuradorias.
A concessionária deverá permanecer na administração até a conclusão da nova licitação. A empresa alegou descumprimento pelo governo federal de cláusulas prevista na concorrência pública, o que afetou o seu equilíbrio econômico-financeiro. Ela citou como principal ponto não ter recebido o sítio aeroportuário de 27 quilômetros quadrados, o que inviabilizou o desenvolvimento de projetos que aumentariam a receita.
Além disso, as tarifas operacionais ficaram abaixo dos valores previstos na licitação. Para completar, em junho de 2017, a Agência Nacional de Aviação Civil adicionou uma terceira contribuição não prevista, a Contribuição Mensal, resultante da aplicação de alíquota sobre a receita mensal proveniente da cobrança de Tarifas de Embarque, Pouso e Permanência e dos Preços Unificados e de Permanência, domésticas e internacionais, e de Armazenagem e Capatazia. A Anac, por sua vez, alegou que a concessionária descumpriu o cronograma de obras previsto em contrato e deixou de pagar obrigações financeiras.
Siga o perfil do Correio Popular no Instagram.