EM CAMPINAS

‘Aqui tá cheio de preto’, ouviu mulher negra vítima de racismo

Acusada foi presa em flagrante por injúria racial, mas pagou uma fiança de R$ 1,5 mil e foi liberada

Isadora Stentzler
12/04/2022 às 08:58.
Atualizado em 12/04/2022 às 08:58
A analista de RH, Aline Cristina Nascimento de Paula, saiu para passear em um shopping e acabou sendo vítima de racismo no último sábado (Diogo Zacarias)

A analista de RH, Aline Cristina Nascimento de Paula, saiu para passear em um shopping e acabou sendo vítima de racismo no último sábado (Diogo Zacarias)

A analista de Recursos Humanos, Aline Cristina Nascimento de Paula, de 28 anos, denunciou ter sido vítima de racismo na noite de sábado (9), enquanto passeava pelo Shopping Parque das Bandeiras, em Campinas. Segundo ela, ao entrar no playground para brincar com a filha de um amigo, ouviu de uma mulher, de 34 anos, que o local estava “cheio de preto”. "Vamos embora que aqui está cheio de preto", a mulher teria dito ao filho, que também brincava no local. A jovem questionou a mulher pela ação, e, segundo ela, ouviu que: "sou racista mesmo!". O caso foi registrado como injúria racial na 2ª Delegacia de Defesa da Mulher. A acusada foi presa em flagrante, mas pagou fiança e foi liberada.

Aline, uma jovem negra, passeava com o marido, a mãe e amigos no shopping, na noite do sábado, quando a filha de um deles pediu para brincar no playground. 

Ela então acompanhou a menina até o local e ficou observando-a enquanto a garota se divertia nos brinquedos. Segundo Aline, ela percebeu que uma mulher a encarava de longe. Sem ligar para isso, Aline atendeu ao pedido da criança para brincar junto com ela no espaço. Foi nesse momento que a mulher teria chamado o filho e dito que era melhor eles irem embora. 

“Quando eu entrei no playground, a mulher ficou furiosa. Ela chamou o filho: ‘vamos embora que esse lugar está cheio de preto’. Eu fiquei um minuto parada e ela continuou gritando: ‘vamos embora porque tá cheio de preto aqui’. Aí, eu peguei e fui para a porta: ‘O que é que você está falando, moça? O quê? Não tô entendendo’. Ela disse: ‘É isso mesmo. Esse lugar tá cheio de preto. Preto não gosta da gente’. Eu retruquei: ‘Moça, vai embora agora. Vai embora que você está sendo racista’. E ela disse: ‘Eu sou racista mesmo!’”, relembra Aline, que ainda se emociona reviver a cena.

Ela então se afastou da mulher e chamou a menina que acompanhava para retornar à mesa onde estava seu marido e amigos. Ali, ela pediu para ir embora. Quando lhe perguntaram o porquê, ela contou o ocorrido. “Todo mundo levantou da mesa e foi atrás dela, não deixando ela ir embora. Chamamos a polícia, fomos na administração do shopping... A polícia veio e registrou a ocorrência”, conta.

A mulher foi presa em flagrante e encaminhada à 2ª Delegacia de Defesa da Mulher para registrar a ocorrência. Aline foi acompanhada por testemunhas e o fato foi registrado como injúria racial. Para a acusada foi estipulada uma fiança no valor de R$ 1,5 mil, que foi paga na hora. “Nossa legislação é muito falha”, lamentou Aline. “Eu me senti um lixo. Porque, além disso, ela não demonstrou qualquer sentimento de culpa.”

Antes de irem para a delegacia, a vítima disse ainda que a mãe da mulher apareceu no estacionamento do shopping e lhe pediu para que não denunciasse a sua filha. Segundo a analista, em outro momento, a mãe pediu que a filha pedisse desculpas a Aline, mas a agressora se negou. “Perdão pelo quê? Não fiz nada! Não falei nada.”

Ontem (11), Aline ainda estava abalada pelo ocorrido. Ela contou à reportagem do Correio Popular que foi difícil dormir no sábado, quando chegou em casa. A experiência daquele dia segue ecoando em sua mente. “A gente fica assim porque vê que, ao pagar a fiança, a pessoa responde em liberdade, e tá tudo certo pra ela. Não generalizando, mas a maioria das pessoas que são racistas, que tem atos racistas, que agem com injúria racial, sabem que não dá em nada, e é por isso que eles fazem. Pagam uma grana e não dá em nada, ficam em liberdade. Enquanto a cabeça de quem sofreu com isso, fica: ‘e aí’? Eu juro pra você que eu não sei quando terei coragem de voltar ao shopping. Não deveria sentir vergonha. Tô me sentindo envergonhada por sentir vergonha. Mas para eu pegar o ônibus para trabalhar hoje, falei para o meu esposo: ‘Amor, eu estou sentindo vergonha de pegar do ônibus”, e chora. 

De acordo com o Código Penal, o crime de injúria racial é previsto no 3º parágrafo do artigo 140, e prevê de um a três anos de reclusão, mais multa. 

Posicionamento

Segundo a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, “a injúria racial trata de injuriar, ofender a dignidade ou o decoro de uma pessoa utilizando elementos de raça, cor, etnia, religião, origem ou condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência. O crime de racismo, previsto na Lei nº 7.716/1989, implica em conduta discriminatória dirigida a um determinado grupo ou coletividade. Nesses casos, cabe ao Ministério Público a legitimidade para processar o ofensor.”

Em nota, o shopping onde ocorreu o caso informou que prestou toda a assistência à vítima e reforçou “que não tolera qualquer tipo de discriminação em suas dependências e que possui valores como ética, humildade e transparência”.

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