Uber e 99 oferecem o serviço na cidade, mesmo sendo expressamente proibido
Segundo os motociclistas de aplicativos que transportam passageiros, o serviço tem sido bem requisitado pelos usuários; mulheres são maioria: Emdec diz que atividade é “clandestina” (Rodrigo Zanotto)
O serviço de transporte de passageiros por motocicleta oferecido por aplicativos está funcionando de forma clandestina em Campinas. O artigo 2º da lei municipal nº 13.927, de 27 de outubro de 2010, proíbe expressamente a atividade na cidade, mas ela é oferecida por duas empresas, Uber e 99. Ao acessar os apps, os clientes têm a opção de escolher a viagem de carro ou de motocicleta. A reportagem do Correio Popular fez na segunda-feira (13) o uso do serviço de moto, realizado sem nenhum tipo de fiscalização, controle e regras.
O transporte (ida e volta) foi feito, coincidentemente, pelo mesmo modelo de veículo, que é o mais vendido do segmento no país. As motos de 160 cilindradas são conhecidas pela economia (fazem de 35 a 40 quilômetros por litro de gasolina) e pelo custo baixo de manutenção em comparação a outras. Para o cliente, a principal vantagem é a redução do custo da viagem. A tarifa para a moto representou uma economia de 41,72% em relação ao valor cobrado no mesmo horário e usando o mesmo aplicativo para o percurso com carro.
O trajeto de 14 quilômetros saiu por R$ 17,45, contra R$ 29,94 se fosse utilizado um automóvel. Como ocorre com os carros oferecidos por esses apps, as motocicletas não têm qualquer identificação especial, confundindo-se no trânsito com os demais veículos. Apesar de a operação ser irregular, o serviço é divulgado até em totens eletrônicos de publicidade distribuídos em diversos pontos de Campinas.
Procura
Motociclistas que prestam o serviço falaram com a reportagem na condição de anonimato. De acordo com eles, o transporte em duas rodas é oferecido há cerca de três meses e tem grande procura. Dizem que rodam de 100 a 150 km por dia, trabalhando cerca de 6 horas, com 80% das viagens sendo feita por mulheres.
Nas corridas feitas pelo Correio Popular, eles foram cuidadosos e educados e respeitaram os limites de velocidade das vias. Nos pontos onde era permitido rodar mais rápido, circularam pela faixa da direita, liberando as demais para os automóveis, ônibus e caminhões. Porém, pegaram os corredores entre os veículos parados nas faixas de rolamento para ganhar tempo no trânsito.
Um dos motociclistas cometeu a indiscrição de admitir que a velocidade durante a viagem depende do cliente. "Sempre pego mulheres que estão atrasadas para o serviço e pedem para correr para tentar chegar no horário", revelou. Outro contou que trabalhava com carro de aplicativo há quatro anos, mas optou por trocar por moto por causa dos custos com combustível. "Está muito caro rodar com carro, quase não está compensando", justificou.
Outro trocou o emprego com registro em carteira para atuar com transporte por aplicativo. "O salário não passava de R$ 2,5 mil por mês e tinha que ficar muito tempo fora casa. Agora, consigo tirar mais do que isso", argumentou. Além de trabalhar com aplicativo durante o dia, ele também faz entregas de pizza à noite. "Tiro a tarde para descansar ou fazer outras coisas", explicou.
Legislação
Há três anos, a Empresa Municipal de Desenvolvimento de Campinas (Emdec) conseguiu uma liminar na 2ª Vara da Fazenda Pública para impedir esse tipo de serviço. Na época, o juiz Luís Mario Mori Domingues estabeleceu multa diária de R$ 2 mil para a empresa de aplicativo que realizasse a atividade no município.
Em março de 2020, a Emdec tentou notificar por diversos meios a empresa de aplicativo sobre a legislação local, mas não obteve sucesso. Diante da situação, para evitar a entrada em operação do serviço por motos, entrou na Justiça com pedido de liminar. De acordo com a empresa municipal, além da punição para a empresa de app, o motociclista que for flagrado fazendo o transporte de passageiros será enquadrado como transportador clandestino.
A Emdec aponta que a prática de transporte remunerado de pessoas, sem a devida licença, é considerada infração de trânsito gravíssima, com o infrator sendo punido com sete pontos na Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e multa de R$ 293,47. Nesse caso, o veículo é apreendido e recolhido ao Pátio Municipal. Ao justificar a proibição do serviço com moto, a Emdec argumentou que a preocupação maior são os acidentes de trânsito envolvendo esse tipo de veículo.
Das 144 mortes no trânsito em Campinas no ano passado, 67 envolveram motocicletas, o equivalente a 46,53% do total, ocupando o primeiro lugar no ranking, de acordo com relatório do Infosiga-SP, sistema de informações gerenciais de acidentes de trânsito do Estado de São Paulo. O balanço apontou que 86,11% das vítimas fatais eram homens, 13,19% mulheres e em relação a 0,69% a informação não estava disponível.
A Uber divulgou, por meio de nota, que "segue a Lei Federal 13.640/2018, que regulamentou a atividade de aplicativos de tecnologia e dos motoristas parceiros que fazem o transporte individual privado de passageiros". De acordo com a empresa, "a norma federal que regulamenta o transporte individual privado de passageiros - e que estabelece os limites para a regulamentação pelos municípios - não faz distinção quanto ao tipo de veículo. É comum que a atividade seja desempenhada com automóveis, mas isso não significa que este seja o único modal permitido." O Correio Popular também fez contato com a 99, mas não obteve retorno até o fechamento desta reportagem.
Motofrete
A Prefeitura chegou a sancionar um decreto municipal, o nº 21.885/2022, para regulamentar o motofrete no município, que é o transporte de documentos ou pequenas cargas, a partir do dia 1º deste mês. Porém, a Administração suspendeu a medida em função das discussões nacionais que envolvem a categoria dos motofretistas.
A decisão permitirá ao Poder Público aguardar a tramitação do projeto de lei federal 2.508/2002, que cria o Estatuto da Liberdade do Motoboy. Essa proposta trata da flexibilização desse trabalho e todo o país. O projeto revoga os artigos 139-A e 139-B do Código de Trânsito Brasileiro, que tratam da autorização da entidade de trânsito quanto à circulação do motofrete, o que conflita diretamente com os principais tópicos do decreto municipal.
"Diante da possibilidade de mudanças no cenário que trata o serviço de motofrete em nível nacional e para garantir a segurança jurídica quanto à aplicação da regulamentação, a Administração Municipal considerou prudente aguardar o desdobramento das discussões", divulgou a Prefeitura.
Outros locais
A Uber e a 99 foram recentemente proibidas de implantar o transporte de passageiros por motocicleta em São Paulo e no Rio de Janeiro. Na Capital paulista, o serviço foi suspenso no final de janeiro, após funcionar por pouco mais de 20 dias, período no qual as empresas travaram uma briga com a Prefeitura, que não regulamentou a atividade.
"Em comum acordo, ainda que amparados em legislação federal que permite o serviço, suspendemos o Uber Moto em São Paulo enquanto continuamos trabalhando diariamente com o executivo municipal à procura de alternativas eficientes para a locomoção das pessoas que circulam na cidade", divulgou a empresa na época. O serviço de viagens com motocicletas desse app funciona no país desde novembro de 2020, quando foi iniciado em Aracaju (SE). Atualmente, está presente em mais de 160 cidades brasileiras. Segundo a Uber, nenhum acidente envolvendo motociclistas que usam o aplicativo foi registrado em São Paulo enquanto o serviço esteve em operação.
A Prefeitura do Rio de Janeiro notificou no dia 30 de janeiro as duas empresas para suspenderem o serviço na cidade. "Nem tentem por aqui", disse o prefeito Eduardo Paes (PSD) em um post no Twitter. A Secretaria de Transportes do Rio completou que tomaria todas as medidas cabíveis para garantir que transporte por motocicleta não continuasse a ser oferecido.