campinas, 246 anos

Anos de incerteza e provações

Cidade viveu sofrimento contínuo com a febre amarela no século 19

Francisco Lima Neto
14/07/2020 às 11:17.
Atualizado em 28/03/2022 às 21:33
Final do século 19 e o início do 20: drama na Campinas pobre e elitista (Reprodução)

Final do século 19 e o início do 20: drama na Campinas pobre e elitista (Reprodução)

A febre amarela muito castigou Campinas no século 19, mesmo antes da primeira epidemia, em 1889, que pegou a todos de surpresa, instalou o pânico e quase reduziu a cidade a pó. Há registros de que alguns anos antes, alguns casos apareceram, causaram mortes, mas nunca ficaram devidamente esclarecidos ou confirmados. Documentado é que a doença fez muitas vítimas aqui de 1889 até 1900, com maior ou menor gravidade dependendo do ano. A cidade teve duas epidemias seguidas, nos anos de 1889 e 1890. Em 1891, foram contabilizados apenas casos isolados, ou seja, a doença apareceu de forma endêmica. Nesse mesmo ano, Campinas recebeu doentes de Santos, que ficaram isolados no Lazareto do Fundão, espécie de hospital de isolamento. Já em 1892, a doença reapareceu e atacou centenas de pessoas, mas o índice de mortalidade foi mais baixo, provavelmente por conta de imunidade. Nesse ano não houve fuga em massa. Parecia que o povo estava anestesiado e acostumado a conviver com aquele mal. Os casos começaram a aparecer no bairro da Ponte Preta, que ficava no extremo da cidade. Era composto de casinhas pobres e habitadas por italianos, muitos recém-chegados de Santos, que passava pela epidemia da doença. Contudo, as obras de saneamento no setor de água e esgoto, contribuíram muito para que não se repetisse a mortalidade da primeira epidemia. Os focos do mosquito transmissor da doença tinham diminuído muito, ainda que não se soubesse o que causava a doença. Foi apenas no mês de março que a doença atingiu características de epidemia. Naquele mesmo mês, morreu da doença, Antônio de Aguiar, revisor do Diário de Campinas. Muitos comércios fecharam as portas. Apenas em junho, a pandemia foi superada. De acordo com Dr. Lycurgo de Castro Santos Filho, em seu livro A Febre Amarela, publicado em 1996, em 1892, os cartórios registraram 125 mortes por febre amarela, enquanto os papéis encontrados na Setec (Serviços Técnicos de Campinas) apontavam 191 vítimas fatais. É sabido que foram enterrados muitos cadáveres sem o registro nos cartórios. No ano de 1893, a cidade teve cerca de 50 casos espalhados da doença. As mortes, se houve, aconteceram no primeiro semestre, cuja documentação não foi encontrada. Só constam documentos de agosto a dezembro, mas sem registros de mortes. O ano seguinte não contabilizou mortes pela doença, apenas cerca de 10 casos da febre amarela. O ano de 1895 foi mais tranquilo no que diz respeito à doença. Foram poucos casos e, segundo documentos da Setec, houve apenas 20 enterros de ‘amarelentos’ — como eram comumente chamados os doentes de febre amarela — no Cemitério do Fundão, atual Cemitério da Saudade. Araraquara Contudo, a calmaria não se repetiria no ano seguinte. Desde 1892, a população vivia de forma tranquila, com casos endêmicos, principalmente, porque a cidade recebeu rede de água em 1891 e a rede de esgoto no ano seguinte, e a higiene pública era cuidada pelas autoridades. O povo estava feliz e comemorou o Carnaval de forma entusiástica. A doença começou a aparecer no fim de dezembro, com uma mulher que veio de Araraquara, que sofria uma epidemia. Essa mulher foi morar na Rua Bernardino de Campos, onde ficou apenas três dias, antes de ir para o Hospital do Isolamento. A doença começou a se espalhar pelo Botafogo, até se transformar em epidemia, em fevereiro. Foram reportados 1.700 casos. Como sempre, o pico foi em abril, até que sumiu em junho. A cidade foi dividida em três distritos sanitários, com um médico na direção de cada um. Intensificaram as medidas higiênicas, como irrigação de ruas, desinfecção de casas e quintais, entupimento de poços e drenagem de poças. Os fazendeiros e demais capitalistas abandonaram a cidade. “Permanecera a população pobre e remediada do Guanabara, principalmente”, traz Dr. Lycurgo em seu livro. O Foro suspendeu os trabalhos, assim como as repartições públicas. Somente o comércio permaneceu aberto. A população que era de cerca de 25 mil, foi reduzida a cerca de 10 mil, no primeiro semestre daquele ano, por conta do êxodo. A doença ceifou ao menos 782 vidas. Saneamento básico foi essencial para salvar vidas No ano de 1897, a cidade novamente enfrentou epidemia da doença, mas o pânico foi menor e poucos fugiram. A cidade e a rede de atendimento estavam mais organizadas. Ainda assim, foram 694 casos notificados da doença, com 325 vítimas fatais. Segundo o Dr. Lycurgo, no ano de 1898 foram apenas três enterros de amarelentos. Em 1899 foram quatro, e no ano de 1900, apenas dois. O que mostra que os trabalhos das Comissões Sanitárias e de Saneamento surtiram efeito. Em 1881, o médico cubano Carlos Juan Finlay de Barres descobriu que o mosquito Stegomyia fasciata, hoje conhecido como Aedes egypti, era o responsável pela transmissão da febre amarela. Mas seus estudos foram criticados em uma conferência em Washington, no mesmo ano. Apenas em 1900, o serviço de saúde do exército dos Estados Unidos foi a Cuba e confirmou a teoria de Finlay. Por aqui, de forma intuitiva, o médico sanitarista Emílio Ribas já combatia os mosquitos, investindo no saneamento básico. Ajudou a salvar Campinas e diversas cidades do estado.

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