EM PROL DO PLANETA

Alunos de Campinas criam copo sustentável com amido da jaca mole

Projeto foi premiado em março pelo Instituto 3M, em edição da Febrace

Adriana Giachini/ Correio Popular
10/04/2021 às 14:23.
Atualizado em 21/03/2022 às 22:38
A estudante Lorena Zonato, que integra o grupo que desenvolveu o projeto, mostra a matéria-prima (Kamá Ribeiro/ Correio Popular)

A estudante Lorena Zonato, que integra o grupo que desenvolveu o projeto, mostra a matéria-prima (Kamá Ribeiro/ Correio Popular)

Não é de hoje que a ciência se dedica a encontrar alternativas para o uso do plástico no mundo. Estudos recentes apontam que a pandemia da covid-19 aumentou o já exagerado uso do material, que se faz presente em praticamente tudo: de utensílios domésticos às sacolas dos mercados; das embalagens à vestimenta.

“Na vida moderna, tocamos mais em plástico do que em nossos entes queridos”, escreve Barbara Unmüßig, presidente da Fundação Heinrich Böll (uma organização sem fins lucrativos da Alemanha), no texto de apresentação do Atlas do Plástico, lançado em 2020.

A publicação, que tem uma versão em português, trata o tema no mundo e no Brasil – apontado como 4º maior produtor de lixo plástico entre os países.

E foi justamente o incômodo com os números dos resíduos plásticos – incluindo o tempo de degradação, a baixa porcentagem de reciclagem ou mesmo o dano ao meio ambiente e sua consequência nas alterações climáticas – que despertou o desejo e a motivação de um grupo de estudantes do Colégio Bento Quirino, de Campinas, para a criação de um copo sustentável elaborado a partir do amido da jaca mole.

O projeto, apresentado como trabalho de conclusão de curso, recebeu no final de março o prêmio Destaque Instituto 3M, durante a premiação da 19ª edição da Feira Brasileira de Ciências e Engenharia.

A Febrace é a principal mostra nacional de projetos de Ciências e Engenharia do ensino fundamental, médio e técnico do país e os projetos são avaliados pelo rigor científico e pela criatividade.

“Sabemos que o caroço da jaca tem grande quantidade de amido, porém, ainda temos pouca biografia sobre seu uso em formas alternativas ao plástico, por exemplo. Dessa forma, acho que o diferencial do projeto deles foi justamente a coragem de estudar a jaca, partindo praticamente do zero”, elogia o professor e orientador, Jeferson Rogerio Daminelli.

O grupo responsável pelo copo sustentável é formado pelos estudantes Lorena Zonato, Eduardo Rubio, Cecília Bueno e Leandro Ferreira. “A gente pesquisou primeiro sobre os danos ambientais do plástico e, a partir daí, começamos a pensar em um projeto que pudesse ajudar. Notamos como o copo plástico é presente na nossa vida e como ele é descartado. Então, decidimos criar um modelo sustentável”, conta Eduardo Rubio.

A colega Lorena Zonato complementa que, para ser consumido, o modelo ainda precisa de adequações. Mas reforça que o grupo acredita ser possível a comercialização do copo. “Fizemos o projeto para a escola e sabemos que ainda temos que melhorá-lo. O problema é que dependemos de investimentos e de um laboratório para dar continuidade”, reconhece.

De acordo com o orientador, como os alunos estão formados, eles não podem mais utilizar o laboratório da escola. “Tenho quase duas décadas lecionando química e incentivando os estudantes a criarem novos produtos. Essa perspectiva de futuro é muito importante. Torço para uma parceria, de repente, com alguma Universidade.”

Processo em tempo recorde

Para chegar a uma composição que garantisse sua utilização, além do amido do carroço da jaca mole, os alunos adicionaram fibra de coco. Em alguns modelos, também aplicaram corantes, para trazer um aspecto semelhante ao da cerâmica. Entretanto, o “gosto” do copo ainda precisa ser solucionado. “O corante, mesmo o mais apropriado, deixou cheiro”, explica Lorena.

Mas o copo se superou em outros aspectos, por exemplo, sua durabilidade em armazenamento em condições adequadas (uma prateleira de casa). Um dos modelos segue com Lorena, intacto, há cinco meses. Outros testes feitos pelos alunos mostraram uma resistência de até 12 minutos (diante de líquidos quentes) e até 40 minutos quando preenchidos com líquidos em temperatura ambiente. Já o tempo de decomposição, quando descartado em terra, é de apenas 7 dias.

“De novo reforço que, pelo pouco tempo, os resultados são surpreendentes. Eles se preocuparam em simular o que acontece na vida real, e o copo se saiu muito bem. Claro, precisam ainda, por exemplo, melhorar o molde. Mas lembro que não ter uma biografia anterior é um fator de destaque. Por que você tem o problema, mas não uma indicação de onde encontrar a solução”, reforça o professor.

Ele ainda recorda que, antes do amido da jaca, os alunos pensaram em uma alternativa de estudo mais comum, como o amido da batata ou do milho. Porém, optaram por se dedicar à jaca, não só pela popularidade da fruta no país (e, dessa forma, no montante de resíduos que poderá ser aproveitado) como também pelo desafio de trazer novidades no campo da sustentabilidade.

De acordo com os estudantes, eles encontraram estudos na criação de um plástico filme e de um canudo. “A gente ficou sabendo que tinha, mas não utilizamos esses estudos. Nos concentramos em fazer nossa própria pesquisa”, conta Eduardo Rubio.

“Por conta da pandemia, tivemos um tempo curto com acesso ao laboratório do colégio. Mas mesmo assim, o resultado nos deixou muito felizes. Especialmente agora com o reconhecimento na Febrace. Penso que a Ciência é muito necessária para a nossa sociedade. E não apenas aquela que fabrica vacinas, mas sim a ciência que transforma a educação e que nos permite sonhar com a construção de um mundo mais sustentável e em harmonia com a natureza“, reforça Lorena.

São Paulo concorreu com 90 projetos

O Estado de São Paulo foi um dos grandes destaques na premiação da 19ª edição da Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (Febrace), cuja cerimônia foi transmitida pelo YouTube em 27 de março. O estado concorreu com 90 projetos finalistas na mostra. Desses, 30 se destacaram e receberam 49 prêmios.

Ao todo, a edição 2021 da Febrace contou com a participação de 345 projetos finalistas, desenvolvidos por 716 estudantes, sob a orientação de 482 professores, de 295 escolas de todos os estados brasileiros e do Distrito Federal. Os projetos foram apresentados ao público por meio da Plataforma Virtual Febrace. Cada um deles foi avaliado pelo rigor científico e pela criatividade.

País é o 4° maior produtor de resíduos plásticos

Brasil é mencionado em Atlas do Plástico por investir muito pouco em reciclagem

Segundo o Atlas do Plástico (Fundação Heinrich Böll), o Brasil produziu somente em 2018 cerca de 79 milhões de toneladas de lixo, com os plásticos representando 13,5% desse volume (ou seja: 11,3 milhões de toneladas). O número coloca o país como o quarto maior produtor de resíduos plásticos em escala mundial.

O país também é mencionado pela publicação por pouco investir na reciclagem. Da parcela de lixo plástico, apenas 145 mil toneladas são recicladas ou 1,28% do total em comparação com a média global de 9% e índices de 34,6% e 21,9% nos Estados Unidos e China, respectivamente.

De todos os tipos de plástico produzidos no Brasil, o PET (sigla para polietileno tereftalato), utilizado nas garrafas de refrigerante e água mineral, é o que tem a mais alta taxa de reciclagem, chegando a 60%.

O estudo ainda alerta para o aumento do consumo desde o início da pandemia. Isso porque, os novos hábitos se consolidaram, como o consumo por meio de entregas (deliverys) ou mesmo de sacolinhas plásticas nos mercados. Também houve maior consumo de materiais de proteção, como luvas e máscaras descartáveis.

Importante reforçar que esses resíduos não raramente acabam por contaminar nossas vidas e o meio ambiente. Exemplo recente, que ganhou os noticiários mundiais, foi a chamada “onda de lixo”, vista na Praia de São Conrado, no Rio de Janeiro. As cenas foram registradas pelo Instituto Mar Urbano e repercutiram mundialmente. Kelly Slater, surfista que já foi campeão mundial onze vezes, compartilhou as imagens no Instagram, assim como o brasileiro Gabriel Medina, que questionou como seria possível viver bem, diante de tanto lixo no oceano.

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