CASO E.E. FRANCISCO GLICÉRIO

Aluno de escola em Campinas contido pela PM sofre de sintomas pós-traumáticos

Jovem contou que não consegue esquecer o que ocorreu na escola e que as cenas se repetem em sua mente

Isadora Stentzler
31/05/2022 às 09:37.
Atualizado em 31/05/2022 às 09:37
O estudante que acabou sendo atendido no hospital depois de uma confusão envolvendo PMs e os alunos: na palma das mãos, o símbolo do abuso (Ricardo Lima)

O estudante que acabou sendo atendido no hospital depois de uma confusão envolvendo PMs e os alunos: na palma das mãos, o símbolo do abuso (Ricardo Lima)

“Eu me lembro do policial me enforcando, dando um ‘mata-leão’, no chão, e aí eu apaguei”, contou o estudante, de 17 anos, sobre a última lembrança antes de desmaiar durante ação da Polícia Militar (PM) dentro da Escola Estadual Francisco Glicério, ocorrida na quinta-feira passada. Segundo o aluno, enquanto era levado pela viatura à Delegacia, ele foi coagido pelos agentes a concordar com o depoimento dos policiais. A família tem a intenção de processar o Estado. 

Na segunda-feira (30), pela manhã, o estudante esteve na escola acompanhado pela avó, Deseni Lambert, de 56 anos, com quem vive. À reportagem do Correio Popular, o adolescente contou que tem tido dificuldades para dormir. “Por fora está tudo intacto, mas, por dentro, está tudo morto, destruído. Fico lembrando do que aconteceu toda noite. Às vezes, não consigo dormir. O psicológico está abalado, ainda mais que sofro com ansiedade. Então, está difícil. É um trauma que vou carregar para sempre”, desabafou.

Na versão do jovem, após uma estudante denunciar ter sofrido assédio, o que desencadeou um conflito na escola, a direção isolou o aluno acusado e acionou a PM. Os agentes estavam fazendo uma barreira para retirar o estudante, quando os demais colegas, no pátio da escola, protestaram contra o assédio. “Quando a gente chegou perto, eles [policiais] começaram a agredir as meninas, empurrar, puxar o cassetete. Na hora que vi aquilo, fui tentar falar que eles não podiam, em nenhum momento, usar a violência, e começaram a me empurrar. Como mostra no vídeo, na hora em que olhei para frente, recebi dois socos no rosto. Aí, eu fui para trás e comecei a xingar eles, porque acho que foi uma forma que eu vi de me defender. Meus amigos também começaram a protestar contra eles e, no momento que tentei separar, vieram uns cinco, seis policiais para cima de mim, bateram e me jogaram no chão. Aí eu desmaiei.”

O rapaz contou ainda que, quando recobrou a consciência, se viu sentado no chão, algemado, e do lado de trás da escola. Ali, relatou, os policiais começaram a coagi-lo a concordar com o depoimento deles.“A todo momento, eles me ameaçavam para que eu concordasse com o depoimento deles. ‘Ah, vê o que você vai falar direitinho para o delegado, viu?’ E a todo momento ficavam me olhando, falando alguma coisa. Fiquei com medo (…) Na Delegacia, eles me colocaram junto a cinco policiais. Os mesmos policiais que ficaram me ameaçando. Quando eu começava a falar no depoimento, eles ficavam me encarando, para que eu concordasse com o depoimento deles. E eu não pude fazer nada, acabei concordando”, lamentou.

A avó do aluno reforçou que entrará com processo contra o Estado. Ela também nega que a escola tenha oferecido apoio à família. “É doído, viu? Muito difícil”, disse à reportagem . “Se fosse um menino, sabe, que vivesse na baderna, um menino da bagunça, um menino que usasse droga, um menino que a gente não tivesse mais confiança. Mas não, ele é menino tranquilo, sossegado, não me dá um pingo de trabalho, porque ele mora comigo, é meu neto. Vai para escola, da escola para dentro de casa, jogando videogame, sempre assim. E, de repente, você se encontra numa tragédia dessa…”, e chorou. 

Parte dos estudantes da escola seguem mobilizados e pedem a saída da direção da unidade, tanto pelos assédios quanto pelo fato de ter permitido a ação da PM na unidade. 

Questionada, a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (Seduc-SP) informou que foram adotadas medidas, mas não explicou que medidas foram essas e também porque a PM foi acionada para retirar o aluno acusado de importunação. A Pasta não respondeu sobre os pedidos de troca de direção e alegou que a situação segue sob apuração. 

Já a PM informou que apura todas as circunstâncias relativas aos fatos e não compactua com desvios de conduta. Qualquer denúncia é investigada com rigor e, quando comprovadas irregularidades, são adotadas as medidas punitivas previstas em lei.

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