Alexandre Corá Francisco, o Xandão, fala com exclusividade ao Correio
Alexandre Corá Francisco, o Xandão, de 49 anos: preso em 2015 por suposta ligação com o crime organizado (Thomaz Marostegan/Especial para a AAN)
“Fui injustamente condenado. Não sou um criminoso.” O desabafo é do ex-assessor técnico departamental do governo Jonas Donizette, Alexandre Corá Francisco, o Xandão, de 49 anos, preso em Campinas no dia 1º de dezembro de 2015, durante uma megaoperação do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), ligado ao Ministério Público (MP), por suposta ligação com o crime organizado. Ele foi acusado de pedir ajuda à facção Primeiro Comando da Capital (PCC) para financiar campanha eleitoral. O ex-assessor falou com exclusividade ao Correio na manhã de sexta-feira, em sua casa, na Vila Padre Anchieta, onde mora há 39 anos. Casado, pais de três filhos, sendo uma mulher, e avô de uma neta de 4 anos, Xandão ganhou liberdade condicional no dia 19 de outubro de 2017, após passar 1 ano e 10 meses preso. Ao longo desse período encarcerado, o homem considerado ex-braço direito do secretário de Relações Institucionais Wanderley Almeida, o Wandão, ficou cego e agora tenta recomeçar a vida, especialmente a política. “Uma ligação que fiz do meu celular acabou com minha vida. Eu queria pedir desculpas ao prefeito, ao Wandão e aos vereadores pelo ocorrido. Não tenho mágoas, mas confesso que fiquei chateado porque ninguém me visitou depois que saí em liberdade. Todos me conhecem e sabem que não sou ligado ao PCC”, disse. Magro e abatido, Xandão decidiu se mostrar depois que soube de críticas direcionadas a ele, na última quarta-feira, durante sessão de vereadores, na Câmara Municipal. “Só quero dizer que não sou bandido. Fui condenado a 5 anos e 3 meses, em regime fechado. Mas ganhei liberdade condicional. Meu advogado entrou com processo e ganhei, em Sorocaba, o indulto presidencial. Sou um homem livre”, falou. A “viagem”, como Xandão define sua prisão, começou na madrugada do dia 1º de dezembro. A família ainda dormia, quando policiais do 1º Batalhão de Ações Especiais de Polícia (Baep) e promotores públicos chegaram em sua casa. Colocado sentado em um canto do sofá da sala, ele lembra que a primeira pergunta foi: “‘O senhor está sendo preso e sabe por que está sendo preso?’. Respondi: ‘Não. Não sei’. Então o promotor me disse que eu tinha ligação com o crime organizado. Meu mundo desabou”, relatou. Levado para o 1º Distrito Policial (DP), soube que havia outros dez presos, considerados as principais lideranças do PCC na região de Campinas. “Foi então que soube que minha prisão era em razão de uma ligação que eu havia feito a uma pessoa que era monitorada, que tinha o telefone grampeado. Realmente fiz a ligação, mas isso não significava que eu também era uma liderança no crime. Eu tinha carta branca para visitar tudo, pois conheço todas as periferias da cidade. Conheço todo mundo, de A a Z. Conhecer alguém do crime, não é ser (do crime). Eu andava com uma prancheta e uma caneta e anotava todas as reclamações e pedidos dos presidentes de bairros. Anotava todas as demandas”, contou. “Tem lugares que não pode entrar sem autorização e eu precisei ligar. Fiz a ligação do meu celular para o celular da pessoa. Afinal eu fazia a comunicação entre comunidade e o governo. Fui acusado de chefe do PCC e traficante” , disse Xandão, que garante que nem usuário de drogas é ou foi no passado. Vida pública O ex-assessor contou que ganhou notoriedade no final da década de 1990, quando foi o “fundador” do sistema de transporte alternativo em Campinas. Engajado em causas públicas, conheceu diversos políticos, entre os quais Renato Simões, Tiãozinho e Carlos Sampaio. Ele também foi o fundador do sindicato do transporte alternativo em 1998. “Fomos para várias cidades na região implantar o transporte alternativo, mas só em Cosmópolis, Sumaré, Hortolândia e Campinas que ele teve sucesso. Ajudei o sindicato dos taxistas, dos escolares, sempre tive participação neste tipo de causa e por conta disso conhecia muita gente”, disse. Xandão admite que anteriormente a essa época foi preso por porte ilegal de arma. Naquele tempo, aceitou fazer o transporte de uma carga com armas. Foi flagrado e condenado, mas “pagou” o crime e ganhou liberdade. Na cadeia Depois de deixar o 1º DP, o ex-assessor foi levado para a cadeia anexa ao 2º DP, no bairro São Bernardo, em Campinas. Segundo Xandão, ao longo desse período que ficou preso sofreu dois atentados. Um na cadeia anexa ao 2º DP e outro no Centro de Detenção Provisória (CDP), em Pinheiros, na Zona Oeste de São Paulo. O primeiro foi quando colocaram fogo na cela em que dividia com um aposentado de 78 anos, acusado de estupro a um adolescente. Ele estava na chamada cela do seguro e disse que acordou com o local já em chamas. “Falaram que fui eu quem colocou (fogo), mas não foi. Quando acordei e vi o fogo corri para o banheiro e liguei o chuveiro. Chamei o senhor para vir para dentro, mas desmaiei por conta da fumaça. Não vi mais nada”, contou o ex-assessor. O segundo suposto atentado ocorreu em 2016, quando já estava no CDP de Pinheiros. Xandão disse que lá ficou no “raio” especial, onde havia presos policiais civis, militares, guardas municipais, ex-vereadores, filhos de juízes e de promotores, entre outros políticos. Nessa época ele dividia a cela com 12 pessoas, sendo dois militares, um civil e um guarda metropolitano. No local, ele disse que sofreu tentativa de envenenamento por parte dos policiais. “Acordei com uma movimentação estranha. Eles me apontavam e preparavam o ‘gatorade’. Iam me obrigar a beber. Antes que isso acontecesse, levantei e corri até a grade e gritei desesperadamente por socorro. Fiquei tão nervoso e desesperado que minha pressão arterial subiu e desmaiei. Acordei no hospital. Depois disso fui levado para uma cela isolada por três meses. De lá fui transferido para Presidente Prudente, onde fiquei mais tranquilo”, contou. Cegueira Xandão chegou a passar um dia na Penitenciária de Presidente Vescelau e depois seguiu para o CDP de Presidente Prudente, onde perdeu a visão — ele não soube precisar a causa. “Como sou cristão, pedi para ser transferido para a cela dos cristãos. Me transferiram. Depois de uns 15 dias comecei a sentir umas fisgadas no olho esquerdo até que um dia percebi que não estava enxergando da vista. Minha mãe pagou um médico e fui examinado. Me disseram que havia sofrido um descolamento da retina. Mas era reversível. Tinha que fazer uma cirurgia urgente, até no máximo em seis meses. Minha família pediu, implorou para a direção do presídio, mas nada. Foram omissos e acabei perdendo as duas vistas. Agora é irreversível e já estou processando o Estado”, disse. “Estou cego, sem trabalho e vivo de ajuda da minha mulher e de meu filho mais velho. Entrei na cadeia enxergando e saí sem visão.” No período em que ficou preso, segundo Xandão, não foi concedido a ele a medicação de que necessitava para a glicemia. “O que mais me anima é que ainda tenho o carinho de cerca de 120 pessoas ligadas a lideranças de bairros. Não almejo ser vereador na cidade, só quero trabalhar e fazer aquilo que sei, na vida política”, finalizou.