PLANOS ECONÔMICOS

Acordo 'disfarça' rombos na caderneta de poupança

Para advogado, restituições sem juros de mora não cobrem perdas

Rogério Verzignasse
25/08/2018 às 19:40.
Atualizado em 22/04/2022 às 01:11
"A Advocacia-Geral da União costurou o acordo.(...) Há poupador que perdeu mais de 80% do que teria direito de fato a receber." (Leandro Ferreira/AAN)

"A Advocacia-Geral da União costurou o acordo.(...) Há poupador que perdeu mais de 80% do que teria direito de fato a receber." (Leandro Ferreira/AAN)

Ao longo das décadas de 80 e 90, na tentativa de controlar preços e combater a hiperinflação, o governo federal lançou planos econômicos com mudanças radicais nos planos de remuneração da caderneta de poupança. Desde então, centenas de milhares de poupadores entraram com ações judiciais, coletivas ou individuais, exigindo ser restituídos pelas perdas. Como os contratos tinham sido firmados antes da edição dos planos, os requerentes tinham direito a receber o que era previsto na assinatura do documento. O cumprimento das decisões judicais, no entanto, foi suspenso pelo próprio Supremo Tribunal Federal (STF). O ressarcimento passou a ser visto como extremamente danoso ao sistema financeiro, quebrando instituições que eram obrigadas a promover restituições que, em alguns casos, eram milionárias. O tema se arrastou por quase uma década, sem definição efetiva sobre como a situação podia ser resolvida. Agora, por determinação da Justiça, os bancos e representantes dos poupadores chegam a um acordo para o pagamento do montante devido. O que pouca gente imagina, no entanto, é que a decisão — que supostamente resgataria ganhos de quem foi lesado — representa de fato perdas significativas ao poupador, que deixa de receber juros de mora relativos ao período. Há casos em que o cidadão é reembolsado com menos de 20% do que de fato teria direito. Quem analisa a questão é o advogado campineiro Nelson Noronha Gustavo Júnior, que administrou cerca de quatro mil ações sobre o assunto em seu escritório. A seu ver, os órgãos de defesa do consumidor adotaram uma postura conformada com relação a um acordo que só favorece as instituições bancárias. Confira os principais trechos da entrevista concedida ao Correio Popular. Correio Popular — Dr. Nelson, o acordo firmado para restituição das perdas relativas aos planos econômicos finalmente faz justiça a poupadores, que há décadas esperam reaver as perdas? Nelson Noronha Gustavo Jr. — Não. Esse acordo foi, na verdade, uma manobra das instituições financeiras pressionadas pelo Supremo Tribunal Federal. A ministra Cármen Lúcia, em uma atitude firme, exigiu que as partes chegassem a um acordo definitivo, pois o caso se arrastava sem solução há quase uma década. E os bancos se apressaram, e se livraram de uma demanda que, certamente, seria favorável aos correntistas, como sempre foi. Só que a medida representou perdas significativas aos correntistas. Como esse acordo foi feito? A Advocacia-Geral da União costurou o acordo com a participação do Banco Central, da Febraban e de entidades que representam os poupadores. A medida devia fazer justiça a quem sofreu perdas nos planos Bresser, de 87; Verão, de 89; e Collor II, de 91. mas foi boa só para os bancos. Há poupador que perdeu mais de 80% do que teria direito de fato a receber. Todos vão receber o ressarcimento à vista? Ficou acertado que os poupadores com direito a até R$ 5 mil vão receber os valores à vista. Nos demais casos, os pagamentos serão parcelados, de acordo com o valor total. Mas em que ponto o acordo é falho? Os montantes são corrigidos considerando o expurgo inflacionário, mas sem mora alguma. O correntista perde três décadas de juros. Mas é possível rejeitar o acordo e continuar brigando?  Veja bem. Quem tinha poupança há trinta anos, hoje em dia, está em idade avançada. A maioria dos antigos correntistas já está na faixa dos 70 anos. Já aguardam um julgamento há nove anos. E sabem que podem esperar muito mais tempo se não aceitarem o acordo. Nesta situação, é melhor um na mão que dois voando… Quantos correntistas entraram com ações para reaver as perdas? E o ressarcimento total envolve que quantia? Estima-se que um milhão de correntistas tenham entrado com a ação. Há várias estimativas sobre o montante a ser ressarcido, mas a menor delas fala em R$ 10 bilhões. Ainda é possível entrar com uma ação para reaver perdas?  Não. O correntista deve ter proposto uma ação judicial no passado. Individual ou coletiva. Quem não entrou com a ação, não entra mais. E quem faz parte de ação coletiva não pode sair do grupo e mover ação individual. O período para as ações está prescrito. O senhor aconselha o correntista a aceitar o acordo? Infelizmente aconselho. O acordo é péssimo. Está claro que os bancos são os grandes favorecidos. Mas se não aceitar, o correntista possivelmente não vai ver a cor de dinheiro algum. E onde estão os organismos de defesa do consumidor? Por que aceitaram um acordo que não favorece o correntista? Não consigo explicar. O mais impressionante é que estes organismos estiveram à frente da empreitada, incentivaram cada cidadão a buscar seus direitos. E hoje, estranhamente, aceitam um acordo horrível, como se tivessem mudado de lado. Coisas do Brasil…

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