Diretora da DRS-7 confirma o início do mutirão a partir de Pedreira
Fernanda Penatti Ayres Vasconcelos, diretora da DRS-7, em visita ao Correio (Ricardo Lima)
Fisioterapeuta de origem, mas com grande experiência e atenção às áreas da Saúde Mental e Coletiva, Fernanda Penatti Ayres Vasconcelos assumiu um novo desafio neste ano: dirigir a Diretoria Regional de Saúde de Campinas (DRS-7) em meio a uma crise nos leitos pediátricos da região que levou muitas crianças a ficarem na fila por vagas de enfermaria. Fernanda garante que nenhuma criança ficou desassistida neste período. Entretanto, diante da necessidade de novas acomodações hospitalares, o governo do Estado atendeu às reivindicações dos prefeitos da região e, em negociação com a regional, mais 31 leitos foram destacados para o Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp e o Hospital Estadual de Sumaré (HES).
A diretora, agora, foca em contribuir com um projeto ambicioso do governo estadual: tentar acabar em poucos meses com a fila de mais de 500 mil pessoas (71,5 mil em Campinas), que aguardam por cirurgias eletivas represadas durante a pandemia de covid-19. Diante de tamanho desafio, a gestora negociou junto à direção do HC da Unicamp uma solução para levar equipes especializadas a cidades que aderirem ao programa e solicitarem o serviço. O resultado não poderia ser melhor: no próximo dia 30, o HC fará a avaliação de cerca de 140 pacientes de cirurgia geral para que, na primeira quinzena de agosto, a equipe itinerante do hospital comece a realizar procedimentos para a população de Pedreira e de mais quatro cidades: Santo Antônio de Posse, Lindóia, Holambra e Artur Nogueira.
Para falar sobre esse e outros assuntos, a diretora da DRS 7 visitou o Correio Popular a convite do presidente-executivo do jornal, Ítalo Hamilton Barioni, ocasião em que compartilhou as suas experiências profissionais e também o drama pessoal de ter perdido, assim como quase todos os brasileiros, entes queridos durante a pandemia. Acompanhe os principais momentos da entrevista:
Correio Popular - Conte-nos um pouco sobre sua origem.
Fernanda Penatti Ayres Vasconcelos - Eu sou de Santos, nasci e me formei como fisioterapeuta lá. Eu casei com um residente da Santa Casa, meu marido é médico pneumologista. E eu trabalhava muito, dava aulas em faculdades. Quando me formei, não tinha muitos fisioterapeutas na área, havia uma grande escassez de mão de obra. Eu fui arremessada no mercado de trabalho. E como eu me formei jovem e trabalhava muito, assim como o meu marido, os horários não estavam mais batendo. Foi quando mudamos para o interior. Tenho uma filha de 18 anos e outra de 6 e contou muito o estilo de vida, a forma que poderíamos criá-las. Procuramos no Google empregos para ele e surgiu a oportunidade em Santo Antônio de Posse. Eu fiquei desempregada, mas meti a minha cara, mandei currículo para todo lugar e aí, lá mesmo em Santo Antônio, comecei como assessora da secretária. Como eu dava aulas de fisioterapia e Saúde coletiva, ela me chamou para uma entrevista. Ela também era fisioterapeuta, então a gente tinha afinidade. Ela me pediu para cobrir as férias dela quando necessário, o cargo na época, depois mudou, era superintendente técnica ou algo assim. A saúde coletiva, quando ela te pica... eu adoro ser diretora de departamento, buscar recursos... gosto de trabalhar e fazer saúde para grandes grupos. Muitas vezes com apenas uma canetada resolvemos a vida de muita gente. Depois fui convidada para trabalhar como técnica de planejamento e foi assim que comecei no Estado. Há quase 10 anos.
Então, administrar e pensar na saúde coletiva são coisas que a sra. sempre gostou?
Minha primeira especialização foi em terapia intensiva. Eu dei muito plantão em UTI e adorava, gosto da adrenalina. Mas a Saúde Coletiva enche meus olhos de esperança. Quando pensamos em políticas públicas para grandes grupos você começa a fazer diferença. É maravilhoso estar com um paciente também, mas quando penso em ação de saúde coletiva eu estou beneficiando a população inteira. É demais! Adoro essa sensação.
E como foi o seu início na DRS?
Eu comecei como técnica de planejamento, fazia análise de pareceres e de recurso orçamentário. Depois fui apoiadora de saúde mental e diretora de planejamento. Existia uma lacuna de um articulador de saúde mental no departamento, então eu fazia o apoio e ainda acompanho muitas questões da saúde mental, porque elas aumentaram muito com a pandemia. Diferente do que aconteceu na covid, que precisamos bastante de densidade tecnológica, na saúde mental eu preciso de tecnologia leve, que nada mais é do que o trabalhador capacitado. Quando a dra. Mirella (antiga diretora) saiu, ela me indicou para permanecer neste cargo. Eu conheço os problemas da região. Apesar de estar na diretoria há aproximadamente quatro meses, trabalho na região há muito tempo, então isso foi fundamental. Quando assumi o departamento eu sabia das potencialidades, do que teríamos que lutar para construir um SUS com equidade. Acho que isso foi fundamental para a gente olhar para as necessidades de saúde desse território enorme. Apenas no meu departamento são 4,6 milhões de pessoas. Você tem municípios muito grandes, como Campinas, ou pequenos, como Holambra, mas tenho 4 regiões de Saúde, que totalizam 42 municípios e 4,6 milhões de pessoas. Na região de Bragança tenho cidade com 5 mil habitantes. No mesmo departamento. São realidades muito diferentes e que requerem um olhar diferente para todas elas.
A sra. não esteve como diretora no início da pandemia. Como foi essa experiência?
Não, mas eu era trabalhadora de lá. Eu trabalhei na estruturação, fiz visitas em todas as UTI-Covid da região. Sobre a distribuição de ventiladores, eu e outros membros da equipe do departamento e das vigilâncias íamos olhar se eles estavam instalados, se estavam funcionando... e estavam.
Como foi aquele momento?
Na primeira onde houve esgotamento da capacidade total. Eu tenho tranquilidade em dizer que ninguém ficou sem leito, mas a gente não dormia. Não tinha sábado, domingo, nada disso para nós que éramos da estruturação da rede. Foram inúmeras reuniões em todos os horários, a gente não sabia bem onde isso ia chegar. A noção era pelo que víamos lá fora, mas não sabíamos como seria o comportamento da doença no Brasil. Teve uma questão importante, muito séria, que foram as trocas no Ministério da Saúde. O (Luiz Henrique) Mandetta, por exemplo, fazia live todos os dias, mas depois acabou e ficávamos no escuro e em uma divergência do Estado com o Ministério de como tratar as questões da pandemia. E a gente no meio. Junto com os municípios. Foi bem difícil essa época, eu não era diretora, mas participei de toda a estruturação do plano de contingência. A gente conseguia fazer as coisas em um tempo muito rápido, isso aconteceu e não deixamos ninguém de fora. Quando o secretário diz que não ficou ninguém para trás, não ficou mesmo. Trabalhamos para burro e eles também para trazer a vacina. Foi um trabalho bem importante não apenas da Secretaria de estado, mas dos municípios. Os secretários municipais foram fundamentais. As pessoas estão dentro do Estado, mas elas moram nessas cidades, então as ações do microterritório têm que estar organizadas e a coordenação tem que partir do Estado.
A sua promoção para diretora teve a ver com este trabalho realizado?
De verdade? Eu não acho que foi este trabalho somente, acho que foi o conjunto das ações. Há muitas pessoas capacitadas no departamento, mas para este trabalho é preciso estar disponível. É um compromisso que eu assumi com o Jean (Gorinchteyn, secretário de estado da Saúde), com o Rodrigo (Garcia, governador de São Paulo) de estar disponível para a Saúde Coletiva da região, assumi o compromisso de estar disponível para estas pessoas. Na pandemia, morreu gente da família de todo mundo, da minha inclusive. Meu sogro e a minha sogra morreram no mesmo dia de covid e a minha mãe faleceu um mês depois. Isso foi antes da vacina, eles não tiveram oportunidade de serem vacinados. Então eu tenho um compromisso pessoal. Eu estive na tragédia. Meu sogro era médico em Manaus, veio contaminado, mas não apresentou sintomas e não sabíamos. Pegamos a variante de Manaus sem vacina. Fomos vacinados no tempo certo, eu participei da chegada do primeiro caminhão de vacina, tenho fotos chorando... era a esperança de sobreviver nesta loucura. E nós esperamos a nossa vez, ninguém furou fila lá, não houve acesso privilegiado. E aí meu sogro veio doente, eu me contaminei, meu marido cuidou do meu sogro e também se contaminou. Mesmo adultos jovens, ficamos muito doentes. Meu sogro e minha sogra morreram em Campinas, ela às 4h da manhã e ele às 16h. Minha mãe morreu um mês depois em Santos.
Em algum momento a sra. pensou que não superaríamos tudo isso?
Nunca perdi o otimismo. Acho que um dos momentos mais difíceis foi ver a fila de pessoas que aguardavam por leitos, mas temos que entender que elas não estavam desassistidas. Não faltava respirador. Acho que mesmo com toda a dificuldade, que foi uma tristeza a tragédia que aconteceu, isso me tornou um ser humano diferente. Eu olho para as pessoas de um jeito diferente hoje. Estou falando pessoalmente, não que a humanidade mudou. É um olhar amoroso, de olhar para o outro com compaixão, porque sei como é estar do lado de lá. Sei muito.
E quando a sra. se depara com negacionismo?
É triste, muito triste. Eu tenho um pouco de dificuldade com as pessoas que negam a eficácia da ciência. Outro dia eu conheci o Dimas Covas (presidente do Instituto Butantan) e parecia que eu estava conhecendo a Madonna. Sabe quando você está conhecendo um ídolo? Fiquei muito emocionada. Mas seguimos e ainda bem que deu certo de vacinar todo mundo, os meus filhos, isso que importa.
A sra. assumiu a DRS 7 em meio a uma crise pediátrica, com internações aumentando, não apenas pela covid-19. Os prefeitos cobraram muito por novos leitos. Como foi o desafio?
Foi o primeiro desafio enquanto diretora de departamento, mas diante de tudo que contei aqui, percebe como é algo manejável? Tive respaldo de dois secretários de Estado para a instalação desses leitos e já sabia que ia ter. Então, eu estava tranquila na tomada de decisão. Eu tive respaldo da minha coordenadoria, das regionais de Saúde. Quando eu disse para o meu coordenador que precisava de ajuda, ele falou vamos fazer uma reunião agora com o secretário executivo. Era, sei lá, nove da noite. E resolvemos. Eles me perguntaram onde iriam os leitos e eu disse para deixarem que eu me virava nisso. E aí conheci a Elaine de Ataide, que assumiu a superintendência do HC. Ela tem um perfil muito parecido comigo, de querer fazer, e a gente conseguiu agilizar rapidamente. Eu me senti amparada pelos meus pares, pelo HC que é parceiro.
Em relação ao HC, há a intenção de levar uma equipe itinerante do hospital para fazer cirurgias em outras cidades dentro do programa Mutirão de Cirurgias. Como está isso?
Avançamos bastante na questão da equipe itinerante. Pensando na região de Campinas, eu olhei primeiro para quem não tem hospital. Se eu moro em Campinas e vou fazer cirurgia, eu tenho capacidade instalada. Agora, em Holambra, onde a pessoa opera se não tem hospital? Então chamei os prefeitos em um evento da Sociedade de Medicina e Cirurgia de Campinas (SMCC) e pedi o apoio deles para acolher a equipe, sem custos. Eles operam dois dias, então pedi um lugar para dormir, algo para comer e o transporte. Olhei primeiro por micro região e fui olhar hospitais para observar as capacidades instaladas. Em Pedreira, que é onde vamos começar, tinha duas salas de cirurgia e mais uma inativada. Liguei para o prefeito e a gente conseguiu fazer essa estruturação de uma sala a mais. É o primeiro município que vai receber a equipe itinerante e ganhou outra sala de cirurgia. Tudo será feito dentro das normas de segurança e as pessoas serão operadas dentro do credenciamento de cada serviço. Isso é importante porque não adianta fazer grandes cirurgias em hospitais pequenos que vão precisar de retaguarda de UTI, por exemplo. Então Pedreira atenderá o próprio município, Santo Antônio de Posse, Lindóia, Holambra e Artur Nogueira. Este olhar microrregional é para dar equidade e acesso a quem precisa. Já tivemos manifestação de outros prefeitos e entendemos que era melhor fazer por especialidade. Por exemplo, vou pegar todas as cirurgias gerais, hérnia, vesícula e vamos começar por essas. Zeramos essas filas? Vamos para a próxima especialidade, aí é outra equipe. Foi uma iniciativa que a Unicamp bancou. É aquela questão de ter alguém à frente com perfil que se atira, que se coloca, que faz. Nesta primeira parte, 140 pessoas vão ser encaminhadas para procedimento cirúrgico. A primeira ação de avaliação (na micro região citada) para o dia 30. Eu e Elaine montamos um protocolo de acesso de cirurgia. A avaliação será feita no HC para olharmos se a indicação cirúrgica permanece, porque são pessoas de dois anos na fila. Não preciso gerar uma nova carga de exame, isso também oneraria os municípios. Fizemos um protocolo seguro, mas enxuto, para conseguir operar essas pessoas com os exames que elas têm. O que vai precisar são de novos exames de sangue, enzima, hemograma, urina... montamos isso em conjunto e os municípios estão preparando as pessoas. A expectativa é começar os procedimentos em Pedreira na primeira quinzena de agosto.
E quanto ao credenciamento dos hospitais privados no Mutirão?
Foram poucos. Eu tive cinco habilitados de oftalmologia, mesmo porque, a gente vai envelhecendo e precisando mesmo cada vez mais de oftalmologista. Isso foi excelente, foram cinco serviços credenciados na região. Em relação à cirurgia geral, esbarramos em algumas questões, por exemplo, dos convênios de saúde suplementar estarem trabalhando com margem de lucro muito pequena. Para eles era muito difícil disponibilizar o centro cirúrgico pagando um honorário que o convênio de saúde suplementar paga. Campinas recebe muitos pacientes de outras cidades da região pela estrutura que tem em relação a algumas cidades menores, com menos recursos. Sobre a vaga zero, a CROSS não regula vaga, regula recursos. É importante ter isso claro. Vamos pensar que alguém sofre um infarto em um município que só tem pronto atendimento municipal. Precisamos dar acesso ao recurso, então a CROSS vai regular para o lugar mais próximo que tenha. Essa é a avaliação da vaga zero, ela não regula o leito propriamente dito. Quando me perguntam se faltam leitos, eu pergunto do quê? De pediatria não falta, a gente estruturou.
E de Neonatal?
É um gargalo, algo que precisamos pensar. Temos agora no Ministério uma nova política, a Rede de Atenção Materna Infantil (Rami). A política da rede cegonha foi um pouco alterada em critérios e parâmetros.
As modalidades de atendimento remoto virtual aumentaram durante a pandemia. É algo que veio para ficar?
Acredito que sim. A telemedicina oportuniza algumas questões de escassez de profissional. Reumatologista, por exemplo, são poucos no mercado. Utilizamos então uma estratégia de matriciamento, que, resumindo, é o profissional da ponta atuando junto com o profissional especialista. Estamos fazendo isso em especialidades com muita demanda. Trabalhamos para dar acesso ao maior número de pessoas, de maneira segura. Acredito que ainda temos algumas questões a avançar, como implementar de maneira mais robusta.
Como a sra. vê o futuro com as eleições em nível federal e estadual? Perspectivas para a área da Saúde?
O cenário do Ministério da Saúde ainda é um pouco obscuro, não sabemos bem como vamos navegar. Em relação à região, espero que a gente continue com essa política pública que gera equidade. O MS me gera ansiedade, mas em relação ao governo do estado tenho convicção de que o trabalho que estamos fazendo é sólido e baseado em necessidade de saúde.
Quanto aos recursos, mesmo se houver limitação a prioridade tem que ser o SUS?
Sempre. A gente estratifica risco e qualifica demanda. E dentro disso eu consigo dar acesso a quem precisa. Há estratégias para isso e eu tenho que seguir nesse sentido, de continuar implementando e impulsionando uma política pública que gere assistência adequada a essas pessoas.
Para concluir, o que a sra. gosta de fazer nos momentos de lazer? Quais são seus hobbies?
Eu gosto de ficar com os meus amigos, com minha família. De olhar minhas pequenas em casa, saudáveis. Adoro ouvir música e cozinhar. A minha mãe era muito festeira e eu herdei isso dela.