VIDAS SEM RUMO

Abrigos socorrem gerações de "órfãos" do crack

Nos abrigos da cidade, aumenta o número de bebês abandonados com síndrome de abstinência e de crianças que são retiradas das famílias

14/04/2013 às 11:11.
Atualizado em 25/04/2022 às 20:24
Criança brinca em abrigo de Campinas (Dominique Torquato)

Criança brinca em abrigo de Campinas (Dominique Torquato)

A epidemia do crack em Campinas faz crescer uma legião de crianças “órfãs” de pais vivos. Nos abrigos da cidade, aumenta o número de bebês abandonados com síndrome de abstinência e de crianças que são retiradas das famílias por causa da violência doméstica, maus-tratos e toda sorte de abusos. Há 469 crianças de 0 a 18 anos alojadas em abrigos da cidade. Apesar de a Secretaria Municipal de Cidadania, Assistência e Inclusão Social não ter uma estatística do número de crianças atingidas pelo problema, em algumas entidades, os filhos do crack já somam 80% dos atendimentos. “A dependência química do crack ou de álcool é um componente em cerca de 80% das famílias das crianças que atendemos aqui no abrigo”, conta Rita Penedo, assistente social e coordenadora da Unidade de Apoio Infantil (UAI) do Centro Corsini.

Nelson Hossri, coordenador de Prevenção Antidrogas de Campinas, afirma que o crack está levando muitos pais a perder a guarda dos filhos. “E tem muitas crianças que acabam sendo abandonadas e criadas por avós ou tios”, diz. No seu trabalho diário, em escolas, igrejas e em bairros da periferia, Hossri vê o impacto da droga. “A família fica toda desestruturada e, quando a mulher fica dependente, há um rompimento do elo.”

Além do abandono, os filhos do crack ainda têm que enfrentar as sequelas físicas do vício, que é passado pela mãe. Bebês nascem com síndrome de abstinência, sentem dores fortes e muitas vezes podem até apresentar sequelas neurológicas. “São crianças inquietas, têm dificuldade de dormir, se irritam facilmente. É algo muito complicado”, afirma a assistente social do Corsini.

Hossri conta que, mesmo após superar a síndrome de abstinência da droga, a criança pode apresentar alterações de humor e comportamento. “O estrago nas crianças é muito grande. Há também ainda outro tipo de influência, que pode levar a criança para o mesmo caminho. Não é raro ter casos de pais que consomem a droga na frente dos filhos. A realidade da dependência é muito complicada e isso influência de forma muito negativa as crianças”, afirma.

No Corsini, são atendidos cinco bebês. Apesar de idades diferentes, todos têm a mesma história. “Só muda o nome da mãe e dos bebês. A história deles é igual. Foram abandonados pelas mães, que são dependentes do crack, e muitas vezes moram nas ruas”, conta Rita.

Uma dessas mães é R., de 25 anos. Ela consumiu drogas durante todas as vezes em que ficou grávida. Tem três filhos e não cuida de nenhum. Todos estão morando com a avó. “Minha mãe cuida deles, então eu nunca me preocupei”, diz. Ela conta que não pensa em parar de consumir a droga e voltar para a casa. “Eu não tenho jeito, não se sai do crack assim de repente”, afirma.

Segundo Maria José Geremias, coordenadora da Secretaria de Assistência, há 469 crianças de 0 a 18 anos em abrigos da cidade. Parte deles já está destinada para a adoção, mas a maioria está abrigada temporariamente. “A adoção é o recurso de última instância. Antes, buscamos recuperar a família, fazer um acompanhamento para levar as crianças de volta”, explica Maria José.

Afeto e carência

Apesar dos maus-tratos, violências e abusos, as crianças sofrem com a separação da família. “Ninguém gosta de abrigo. Quem quer ficar em abrigo?”, pergunta uma das crianças abrigadas, de 9 anos. No UAI, muitas crianças sequer recebem a visita dos pais. “É mais fácil explicar para órfãs que os seus pais não voltam porque morreram. Difícil explicar para as crianças que os seus pais estão doentes e que, provavelmente, não vão se curar”, comenta Rita.

O objetivo do UAI, diz a assistente social, é tornar a vida desses meninos e meninas melhor. “Temos que dar a essas crianças mais do que tivemos, elas merecem ter uma vida melhor. E o nosso trabalho é fazer com que a passagem delas pelo abrigo seja a mais agradável possível.”

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