Grupo cria agência de comunicação Mandinga de Favela e divulga poesia por meio de podcasts
Jovens moradores da periferia de Campinas criaram uma agência de comunicação chamada Mandinga de Favela, na qual desenvolvem o projeto Empoeme-se, que divulga e fortalece a poesia da periferia por meio de podcasts. A série de podcasts é uma das ações do projeto ComunicAí, iniciativa da Fundação Feac em parceria com o Instituto Padre Haroldo e o Centro de Referência Quilombo Urbano OMG (Oziel, Monte Cristo e Gleba B), localizado no Parque Oziel, em Campinas. O projeto começou em 2019 e permite que jovens de 16 a 25 anos tenham acesso às ferramentas tecnológicas para o desenvolvimento de habilidades de comunicação, com conhecimentos práticos e teóricos, incentivando a participação social, o acesso e a ampliação dos direitos sociais, culturais e econômicos das juventudes. No projeto, o aporte financeiro é da Feac e a execução técnica fica com o Instituto Padre Haroldo, enquanto o Quilombo Urbano cede o espaço. O Programa Juventudes, da Feac, tem atuação em diversas áreas, com projetos distintos. Um deles é o ComunicAí. "Tivemos a ideia de identificar esses jovens que curtem se comunicar e eles criaram essa agência de comunicação para tratar da juventude, dos assuntos da periferia", explica Tatiane Zamai, líder do Programa Juventudes e do Projeto ComunicAí. Para tanto, os jovens receberam formação técnica participando de oficinas de áudio, foto, vídeo e escrita criativa. A partir daí, criaram a Agência Mandinga de Favela — nome dado por eles mesmos — e buscaram formas de se expressar. Na sequência, nasceu o Empoeme-se. Os processos de planejamento e execução foram iniciados em outubro de 2019 e as primeiras gravações aconteceram em dezembro. Já passaram mais de 50 jovens pelo programa, atualmente, 12 participam de forma fixa. A meta do projeto é divulgar um podcast por dia, ao longo de todo o ano. A divulgação começou em janeiro e segue diariamente em múltiplas plataformas. Cada episódio começa com a frase "Entre lírios e poemas, gotas de poesia na lama do dia a dia", que provoca e instiga o ouvinte sobre o que está por vir. O Empoeme-se reúne jovens de diversas regiões de Campinas, como Campo Grande, Satélite Íris, Parque Oziel, Campo Belo, e outras comunidades que criam e recitam poemas que falam sobre o dia a dia na periferia, política, preconceito, vontades, sentimentos, opiniões, futebol, angústias e esperança. Os podcasts também são uma oportunidade de divulgar os slams, batalhas de versos e poesias e se concretizam como um espaço de literatura nas periferias. Segundo Felipe Ramos Pereira, educador social e técnico de áudio do projeto, não há critérios para quem quer participar, criar e recitar os poemas. “Qualquer jovem interessado em se expressar por meio da poesia pode participar do Empoeme-se”, disse. A equipe envolvida com os podcasts está sempre em busca de poetas da periferia para participar da produção. "O que mais rola é de fazermos contato a partir de slams e movimentos assim, mas alguns amigos de amigos que escrevem já me chamaram querendo gravar, ou alguém se interessa pelo Facebook e a gente também aceita”, explicou Clara Alice Santos, 17 anos, que faz parte do ComunicAí. Alguns poemas de autores famosos, como Fernando Pessoa, também são declamados. Cada participante escolhe o poema que quer declamar. Clara chegou ao projeto depois que uma professora da Escola Estadual Tenista Maria Esther Andion Bueno, no Jardim Rossin, compartilhou o link de inscrição. A garota, que quer ser jornalista, participou das oficinas, como a de criação de conteúdo, onde aprendeu como uma agência de comunicação funciona. Clara até criou e recitou poemas, mas prefere mesmo atuar na produção do podcasts. “Gosto muito da parte escrita, mas no momento tenho contribuído para a construção do Empoeme-se e na procura e divulgação dos poetas e poetisas. Além disso, a equipe da Agência Mandinga de Favela está sempre conversando e aberta a novas ideias. É um fluxo bem gostoso nesse sentido de construção coletiva, porque a galera é muito parceira e presente pra somar”, conta. Para ela, a participação no projeto também é uma oportunidade de descobertas. “Algumas coisas eu achava que não era capaz, mas o projeto é como um meio de ampliar horizontes e de fazer com que eu acredite que posso alcançar meus sonhos”, afirma. Tatiane, a líder do programa, acredita que é importante dar voz e visibilidade para esses jovens. "A gente acredita que é essencial. Eles têm voz e ela precisa ecoar. Esperamos que outros jovens possam chegar, se apropriar e promover incidências e direitos, a partir da verdade de cada um deles. Os jovens são parte da solução dos problemas da sociedade. É importante que tenham espaço e qualificação. Inclusive, isso gera mobilidade social, são vários os desdobramentos", diz. Isolamento social reorganiza o processo de produção Em tempos de quarentena, o processo de planejamento, execução e pós produção da equipe do Empoeme-se precisou ser reorganizado para continuar a divulgar os podcasts diariamente. Antes, as gravações, edição e divulgação eram feitas no estúdio que fica no Quilombo Urbano OMG. Mas com a necessidade do isolamento, as gravações têm sido feitas por celulares e editadas de casa com as ferramentas que cada jovem e membro da equipe possuem. Neste momento em que se perde a possibilidade do contato físico, da presença, Tatiane Zamai, líder do Programa Juventudes e do Projeto ComunicAí, reafirma o poder da comunicação. “Uma coisa que não se perde é o poder de se comunicar, a palavra, a voz. Para esses jovens que muitas vezes estão em situação de vulnerabilidade social, a palavra é importante para agregar e trazer clareza”, reforça.Kaian Ciasca, educador social do Projeto ComunicAí, avalia que o próximo passo do projeto é o fortalecimento da gestão da agência. "A criação da agência, o logo, o nome, tudo foi decidido coletivamente pelos jovens. Agora temos de consolidar a agência como produtora de conteúdo e comunicadora da periferia de Campinas. Isso passa por como o coletivo dialoga, funciona, como será a parte financeira e a autonomia", explica. Neste período de isolamento, o coletivo está justamente debruçado sobre essas questões, como vai funcionar na prática. A discussão também gira em torno de como será produzido os conteúdos nessa época de isolamento. "Estamos identificando as defasagens. Tem jovem com computador, internet e programas de edições. Outros só têm celular e precisam ir ao quilombo para ter acesso à internet", conta o educador. Maria Eduarda Toledo, a Duda, de 24 anos, participa do projeto desde o começo. Moradora do bairro Matão, em Sumaré, ela já atuava como produtora de eventos e viu ampliar sua compreensão sobre a comunicação. "Com a formação que tive nas oficinas do projeto, passei a entender a comunicação de forma mais ampla do que antes. Por ser popular, o formato e a linguagem dizem muito sobre o público que o projeto quer atingir", diz. "Hoje sou uma produtora de conteúdo mesmo, e começo a ver minha função como uma profissão, um trabalho importante para a população periférica. O projeto me permitiu ver a comunicação de forma diferente daquela da universidade. Uma comunicação direta com o público-alvo, o povo da periferia, onde as mídias tradicionais muitas vezes não chegam como deveria chegar", explica. O grupo também tem trabalhado e se preparado para levar conteúdo e informações relevantes sobre o novo coronavírus para as regiões periféricas em diversas plataformas.