MEMÓRIA

A saudade de outros Carnavais

Único fundador do Nem Sangue Nem Areia vivo, advogado relembra histórias do bloco tradicional

Henrique Hein
10/02/2018 às 21:09.
Atualizado em 22/04/2022 às 13:12
Foliã mirim brinca o Carnaval no desfile do Nem Sangue Nem Areia pelas ruas da Vila Industrial: festividades foram retomadas desde 2009 (Leandro Ferreira)

Foliã mirim brinca o Carnaval no desfile do Nem Sangue Nem Areia pelas ruas da Vila Industrial: festividades foram retomadas desde 2009 (Leandro Ferreira)

Além das marcas no corpo, o passar dos anos, para o advogado Álvaro Ribeiro, de 85 anos, é sinônimo de saudade. E esse sentimento fica ainda mais aflorado na época do Carnaval. Ele é o único, dos 50 fundadores do bloco Nem Sangue Nem Areia, que permanece vivo. Ele se lembra com alegria de todos os momentos bons que passou junto aos demais integrantes do grupo de Carnaval mais antigo de Campinas. O advogado explica que tinha 16 anos quando começou a fazer parte do Nem Sengue Nem Areia. “Eu ajudei o bloco a sair na rua e até hoje guardo recordações de todo mundo. Quando olho a fotografia oficial do nosso primeiro dia, me bate uma saudade muito grande. Eu brinco que estão todos eles, lá em cima, esperando por mim”, comenta o advogado. Formado oficialmente em 1948 por um grupo de famílias da Vila Industrial, o bloco sobreviveu até 1976, quando já havia se transformado em escola de samba. A ideia do nome Nem Sangue nem Areia veio da inspiração do filme hollywoodiano “Sangue e Areia”, estrelado pelo galã Tyrone Power, em 1941. “O bloco originalmente desfilava em Cosmópolis e um vizinho meu decidiu trazer o evento aqui para Campinas em 1948. Eu lembro que nós nos reuníamos para costurar as fantasias para fazer uma grande comemoração. Na inauguração, eu pedi para o meu pai se podia sair à rua, porque naquele tempo era tudo muito rígido”, conta Álvaro. Entre as características marcantes do bloco estavam a dos bonecos com cabeções, representando personagens do cinema e de histórias infantis. A presença de bonecos de dois bois (preto e vermelho) e de cavalos garantia a diversão das pessoas, em especial das crianças. Recesso Em 1976, a agremiação encerrou suas atividades, retornando às ruas somente em 2009 por meio da iniciativa de um grupo de músicos e jornalistas da cidade. No Carnaval deste ano, o bloco chegou ao seu 10º desfile na nova fase. “Nós fundadores permanecemos à frente do bloco por uns 13 a 14 anos. Como os instrumentos foram desgastando e houve mudanças na sociedade ao longo dos anos, chegou um momento em que o bloco não gerava mais tanta atração nas pessoas. Ele chegou a ficar alguns anos sem nenhuma atividade”, conta. Ao longo dos anos, Álvaro foi colecionando histórias. Ele explica que o primeiro ano em que o bloco saiu às ruas foi o seu favorito. “Nós fizemos os desfiles; o pessoal foi bebendo, se animando e formou aquela algazarra toda. Por causa do efeito do álcool, o pessoal foi abandonando os bonecos e os instrumentos tudo no meio da rua. Eu me lembro perfeitamente, como se fosse hoje, que consegui trazer, do Viaduto Cury até a minha casa, dois cavalinhos e um boi na cabeça. Essa foi a passagem mais legal de todas que eu tive”, lembra. Questionado sobre o segredo para se ter uma vida longa, o advogado ressaltou que a questão é relativa. “O importante não é a idade. Eu tenho 85 anos e nem por isso deixo de sair para fazer minhas coisas. Eu poderia estar aqui me lamentando, mas prefiro fazer a minha ginástica três vezes por semana e ainda jogar tênis, que é um esporte que eu gosto. O importante mesmo é ser feliz, independentemente de qualquer adversidade, porque, querendo ou não, o tempo de dizer adeus chega para todos nós um dia”.

Assuntos Relacionados
Compartilhar
Correio Popular© Copyright 2025Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por