dívidas

A hora é boa para tentar renegociar

Está em tramitação numa Comissão Especial da Câmara dos Deputados um Projeto de Lei (PL) que estabelece mecanismos para evitar o superendividamento

Agência Brasil
05/11/2019 às 07:19.
Atualizado em 30/03/2022 às 10:26

Está em tramitação numa Comissão Especial da Câmara dos Deputados um Projeto de Lei (PL) que estabelece mecanismos para evitar o superendividamento e promover a educação financeira. A proposta, já aprovada no Senado, foi sugerida por juristas especializados em Direito do Consumidor, que são favoráveis a medidas para conter a tomada de crédito e gastos desnecessários.  “Precisamos mudar a cultura da população para a da poupança e não a do endividamento. Novas dívidas significam pior qualidade de vida”, diz a juíza Caroline Lima, do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e de Cidadania - Superendividados (Cejusc/Super), que funciona no Tribunal de Justiça do Distrito Federal. “O materialismo impera e todos são levados a essa crescente necessidade de ampliar os bens, o que pode levar ao superendividamento. Há uma compulsão para o consumo. Não temos tradição de poupança e reservas”, complementa a desembargadora Ana Maria Duarte Amarante. Segundo ela, a facilidade e o estímulo do consumo via internet pioram o quadro. “A tecnologia está armada contra os indivíduos. A rede sabe tudo, há algoritmos que descobrem gastos e preferências de cada usuário”, alerta a desembargadora, ao comentar que apenas um terço da população brasileira tem alguma forma de poupança. A proporção também impressiona a administradora Annalisa Blando Dal Zotto, especialista em planejamento financeiro. Segundo ela, é preciso guardar mais e gastar menos. “As únicas dívidas saudáveis são os financiamentos que têm bens como garantia, como casa e carro, e isso desde que que não sejam muito maior do que a Taxa Selic”, diz. Juros ainda altos Para Dal Zotto, a recente redução da Selic para 5% ao ano é uma excelente oportunidade para renegociar dívidas. Ela alerta, no entanto, que embora a taxa básica de juros esteja no menor patamar da história, outras taxas continuam extremamente elevadas. “A Selic está a 5%, mas continua muito danoso tomar qualquer tipo de empréstimo. O cheque especial está em 250% ao ano”, pondera. “A redução é positiva. É época de partir para a renegociação”, sugere a juíza Caroline Lima. Mas ela não deixa de alertar para os riscos dos novos financiamentos. “Embora as taxas sejam menores, os bancos estão embutindo custos mais altos. É preciso saber o custo final da dívida para ver se ele está de fato caindo. Eu mesma fiz uma simulação de financiamento imobiliário para verificar isso e vi que esse custo, na realidade, está aumentando”, afirma. Para a psicóloga Amália Raquel Peres, que acompanha a mediação do Cejusc/Super, o problema não é só juros, mas a facilidade do acesso ao dinheiro. “Essa agilidade excessiva para se conseguir um empréstimo é muito ruim. O crédito fácil funciona como um gatilho psicológico. A pessoa vai do cheque especial para o cartão, do cartão para o empréstimo, até que toma um capote e se afoga. Mas o brasileiro não faz isso por má fé. É simplesmente desorganização”, diz ela. Amália analisou cerca de 1,5 mil casos de pessoas superendividadas que pediram renegociação com credores por meio do Cejusc/Super desde 2015. Chamou a atenção dela que a quase totalidade dessas pessoas é formada por gente que tem emprego, boa formação cultural e estabilidade. “Oito de cada dez pessoas superendividadas em Brasília são funcionários públicos. Os bancos querem garantias de que quem vai pegar o empréstimo tem condições de pagar. E funcionário público tem lastro”, avalia. Segundo ela, não há uma razão predominante para o superendividamento, mas um conjunto de motivos. “É um contexto que tem componente de adoecimento mental, desejo de poder, cultura de consumo e uma espécie de vaidade social”, enumera. A psicóloga sugere que as pessoas busquem ter uma vida mais simples. “A gente não precisa sair correndo para comprar tudo quanto é novidade. Para que? É preciso saber esperar. Se não der para comprar agora, espera até o próximo ano, enquanto se junta o dinheiro para pagar à vista. Conseguir as coisas que se quer mais tranquilidade é muito melhor” recomenda. Casos “Em oito meses minha dívida cresceu mais de cinco vezes. Chegaram a bater na minha casa, me criando constrangimento. Tinha noites que eu não dormia achando que iam penhorar e leiloar o meu imóvel”. O depoimento é da bancária aposentada Lindaura (nome fictício) que, nos últimos anos, acumulou dívidas de empréstimos consignados, cheque especial e cartão de crédito com dois dos maiores bancos privados do País após perder parte de sua renda mensal após a morte do marido. Os pesadelos e a visita de cobradores só acabaram quando Lindaura procurou a Justiça para forçar uma renegociação das dívidas. O Cejusc/Super de Brasília mediou as reuniões entre a ex-bancária e seus credores e as dívidas foram amortizadas e reparceladas. Parte já foi quitada e o restante está com pagamento em dia. A história de Lindaura ilustra os casos de superendividamento no Brasil. Segundo levantamento ainda em finalização do Banco Central (BC), há cerca de cinco milhões de pessoas nessa condição dentro de um universo de 83 milhões de tomadores de empréstimo (ou 6% do total). De acordo com o BC, o risco de superendividamento é maior quando a pessoa acumula mais de uma modalidade de crédito. Em junho de 2019, 10 milhões de tomadores de crédito estavam em atraso com seus compromissos, e dessas, mais de 9 milhões tinham pelo menos mais de uma modalidade de dívida. A situação de superendividamento atingia mais da metade desse grupo.

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