Aos 90 anos, Ângelo Falsarella conta como a Banca da Alemão virou grande reduto dos campineiros, ávidos por notícias da cidade e do País
Ângelo Falsarella, o Alemão que dá nome à famosa banca no coração do Centro: vitalidade aos 90 anos ( Carlos Sousa Ramos/AAN)
Seo Ângelo se estabeleceu ali pelo Largo do Rosário há mais de seis décadas. E a acanhada banquinha de jornais, ao longo do tempo, se transformou em ponto de encontro dos campineiros. Não importava se a notícia era boa ou ruim. Todo mundo corria para o Centro e disputava cada exemplar do jornal. O povo queria ler sobre a vitória brasileira na final da Copa, a tragédia do cinema que desabou, guerras, revoluções, planos econômicos, crimes... Bom, o tempo passou. O papel impresso, há muito tempo, deixou de ser mercadoria exclusiva na prateleira. Só que a Banca do Alemão não perde o velho charme. Ainda é reduto de apaixonados pela cidade.O negócio se confunde com seu próprio fundador. Ângelo Falsarella completa hoje 90 anos de idade. Setenta deles, por sinal, morando em Campinas. Andando devagar, o comerciante toma o maior cuidado para subir cada degrau, demora um pouquinho para se levantar do banco. Mas faz tudo sozinho, sem pedir ajuda a ninguém. Faz questão de aparecer no Largo do Rosário quase todo dia, e ver como anda o movimento no ponto, hoje administrado pelo seu neto Denílson, de 44 anos. E o Ângelo, todo orgulhoso, conta que mora no Chapadão e vem dirigindo o próprio carro até o Centro. Quem passa ali pelo Largo fica tocado de ouvir o homem falando do passado. A adolescência de Ângelo Falsarella foi difícil. Enxada nas mãos, o rapaz trabalhava sob o sol quente na roça. Plantava arroz, feijão, milho, batata. Mas quando completou 20 anos, o moço quis mudar de vida. Deixou Corumbataí, na região de Rio Claro, e se mudou para Campinas. Sonhava com emprego na cidade, salário decente. Por aqui, ele trabalhou como faxineiro do Instituto Penido Burnier e chegou a morar em um quartinho nos fundos do imóvel.Um dia, ele bebia um café no boteco, lá em 1946, quando ouviu diretores da Companhia Paulista de Estradas de Ferro conversando sobre a necessidade de contratar um vendedor de jornais dentro do trem de passageiros. De imediato, o jovem foi até eles e se ofereceu para o cargo. Durante cinco anos, Falsarella foi jornaleiro dentro dos vagões. E foi na estação que ele ganhou o apelido que dura até hoje. Apesar de ser descendente de italianos, o lourinho de pele clara era chamado de “Alemão” pelos ferroviários. O rapaz gostou tanto da nova profissão que se instalou na frente de uma distribuidora de jornais e revistas, bem na esquina da Glicério com a Rua General Osório. Quando o velho sobrado da distribuidora foi demolido, em 51, Falsarella montou a banca do outro lado da rua. Mas foi em 1956 que o negócio deu um salto. Na época, o prefeito Ruy Novaes determinou a demolição da Igreja do Rosário e ampliou a avenida. O Largo do Rosário ficou moderno, e a Banca do Alemão virou o ponto sagrado. Em Campinas, Ângelo fez a vida. Logo que chegou, ele foi buscar na roça a namorada Iracema, filha de um sitiante antigo lá de Corumbataí. Construiu, progrediu com o negócio, viu o nascimento de dois filhos, sete netos, oito bisnetos. E a banca se modernizou. Quem passa por ali hoje elogia o piso de granito e a estrutura de inox decorada com espelhos e fotos antigas da cidade. Uma delas mostra Ângelo e o filho Ademir, então com 13 anos, quando o menino começou a trabalhar. Hoje o Ademir, de 63 anos, fala gargalhando que um netinho seu, de 4 anos (bisneto de Ângelo), será a quarta geração à frente do negócio. Difícil mesmo, por ali, é conseguir fazer uma entrevista com o fundador. Não para de entrar gente. O povo compra jornais, revistas, gibis, álbuns, miniaturas, CDs, livros, apostilas de concurso. Muita gente procura pela história dos grandes pensadores. Das lendas urbanas às sociedades secretas; da religião às fofocas da TV; dos livros de colorir às palavras cruzadas. E, lógico, ninguém é de ferro. Quem chega come um chocolate, toma um cafezinho ou um suco. Dez pessoas trabalham na banca. É todo dia funcionando, das 6h às 23h. Aos domingos, das 5h às 21h. Seo Ângelo conta que a prosa na banca sempre foi estratégia para prefeito falar com eleitores. A lista das figuras carimbadas, ano após ano, é imensa: Ruy Novaes, Miguel Vicente Cury, Lauro Péricles, Chico Amaral, Magalhães Teixeira, Jacó Bittar... Hoje o seo Ângelo trabalha. A festa dos 90 anos é sábado, lá na casa do filhão Orandi.