Jornal de época lembra que imigrantes tiveram papel decisivo na reconstrução de Campinas
Álvaro Cotomacci, de 66 anos, que há 18 comanda a representação consular italiana em Campinas: documento garimpado no acervo da entidade, todo guardado em pastas fechadas (Leandro Ferreira)
O jornal era inteirinho escrito em italiano. Tinha oito páginas. Trazia análise econômica, colunas de literatura, notícias da política. E impagáveis propagandas de lojas, bares, oficinas e alfaiatarias. Nas denominações, havia sobrenomes de diversas famílias oriundi. Naquela edição do L’Unione, a manchete falava da fundação da Reggenza Consolare - embrião do atual Consulado Italiano em Campinas. A descoberta do jornal foi feita pelo próprio cônsul, Álvaro Cotomacci, cidadão de 66 anos, economista de formação, que há 18 comanda a representação consular italiana em Campinas. Ele garimpou o documento no acervo da entidade, todo guardado em pastas fechadas. E ele tratou logo de transformar todas as páginas raras em banners gigantescos, que passam a ilustrar eventos oficiais. Mas o achado não é apenas uma referência à presença da italianada por aqui. Na verdade, o jornal documenta um momento histórico ímpar, quando a sociedade se organizava para reerguer um núcleo urbano que, cinco anos antes, tinha sido arrasado pela primeira epidemia de febre amarela. Ali estão sobrenomes de cidadãos que, heroicamente, permaneceram estabelecidos na urbe, apesar da peste ter “afugentado” daqui três quartos da população local.A viagem deliciosa pelos anúncios remete ao barbeiro Rocco Lombardi, aos alfaiates João Maringoni e Victor Zaccara, ao armazém da família Cristofani, à casa de câmbio de José Barsotti, à Tipografia Cardona… Impossível não se divertir com o textos publicitários. O Grande Hotel Campinas, por exemplo, que pertencia a Dario Pisani, chama a atenção do leitor para a prestação de serviços de primeira: “banhos quentes, frios e de chuva”, clara referência à primeira geração dos chuveiros. Missão de amparar Cotomacci lembra que o escritório consular de então era comandado por Orestes Savino. Diplomata que representou, por aqui, o projeto do governo italiano de amparar famílias italianas que passavam por dificuldades financeiras, no cenário arrasado pela epidemia. A proposta tinha fins sociais. A fraternidade italiana, por sinal, já ia mais além. A Casa de Saúde, por exemplo, nasceu do Circolo Italiani Uniti, grupo de assistência fundado para o socorro de imigrantes na miséria. “A comunidade italiana teve uma atuação decisiva, inesquecível, na reconstrução da cidade”, fala. “O fato de ganharmos a reggenza há 124 anos mostra a importância de Campinas para o governo italiano, já naquela época.” Hoje Atualmente, circulam pelo consulado pelo menos 80 pessoas diariamente. São cidadãos que buscam regularizar a própria documentação. Mas o trabalho vai muito além da emissão de passaportes ou registros de cidadania. O escritório continua garantindo amparo social para os necessitados. E há necessitados sim. Muitos. Há até indigentes de origem italiana. Outros cumprem pena na cadeia. “O mundo mudou, e a luta pela sobrevivência tornou as pessoas solitárias. Hoje não existe mais a ajuda fraterna, a família reunida em volta da mesa”, disse. “Houve quem imigrou da Itália e não deu certo por aqui. O consulado ampara essa gente.” Mas, apesar de manter a história proposta filantrópica, o consulado não recebe recursos para investir na assistência. Tudo é feito no espírito do voluntariado, da dedicação, como sempre. “Muitas vezes, o funcionário do consulado só se dispõe e ouvir uma história triste. Chorar junto também é uma forma de fazer caridade”, afirma. “Procuramos alguma forma para confortar.