campinas, 246 anos

A esperança de um recomeço

1890 traz novos ventos a Campinas, com a expectativa de reconstrução

Francisco Lima Neto
14/07/2020 às 11:08.
Atualizado em 28/03/2022 às 21:33
Estação Ferroviária de Campinas, hoje Estação Cultura: em 1890 Campinas se recuperava do primeiro surto de febre amarela, o comércio e as indústrias tinham voltado a funcionar (Reprodução)

Estação Ferroviária de Campinas, hoje Estação Cultura: em 1890 Campinas se recuperava do primeiro surto de febre amarela, o comércio e as indústrias tinham voltado a funcionar (Reprodução)

O ano de 1890 teve início com a esperança da reconstrução de Campinas. Muitos dos que tinham se evadido no ano anterior, por conta febre amarela, voltaram. A cidade tinha recuperado parte da população, que já contabilizava entre 10 mil e 15 mil habitantes, e vivia um momento de felicidade pós-pandemia. O comércio já estava funcionando intensamente, as indústrias já retomavam suas atividades. A vida parecia voltar ao normal. Até o Carnaval foi comemorado. Novos ventos sopravam na cidade e traziam a esperança de novos tempos, em especial, porque em 15 de novembro do ano anterior a tão sonhada queda do império finalmente ocorreu, dando fim à última monarquia em pé nas Américas, e inaugurando a República no Brasil. Campinas foi baluarte dos ideais republicanos e liderou sua propagação para todo o País. A Câmara Municipal, que tinha dupla função, a de Legislativo e Executivo, foi dissolvida pelos próprios vereadores. Em seu lugar foi instalado o Conselho de Intendentes, mas o seu papel continuou o mesmo. No dia 25 de janeiro, seu antigo presidente, José Paulino, presidiu a sessão que elegeu o advogado Antônio Álvares Lobo como presidente, o que na prática o tornaria o que conhecemos hoje como prefeito. Em seu discurso de posse, homenageou a Câmara, recém-dissolvida, pela sua atuação no ano anterior durante a pandemia. Em especial, José Paulino, que ao contrário dos colegas, não se acovardou diante da peste e administrou a cidade como pôde. Com ajuda de Francisco Glicério, Antônio Álvares Lobo, o primeiro prefeito da era republicana conseguiu uma audiência com Marechal Deodoro da Fonseca, o primeiro presidente da República. Ele foi ao Rio de Janeiro e conseguiu ajuda federal para começar a planejar o saneamento básico e o calçamento das principais ruas da cidade. Estrutura A imprensa continuava a clamar para que a sociedade mudasse seus hábitos e reforçava que as casas em Campinas eram essencialmente imundas, com latrinas e lixo se acumulando e fermentando nos cantos e que isso poderia gerar doenças. Inclusive, foi determinada a retirada de todas as cocheiras das ruas centrais porque produziam terríveis sujeiras e mau cheiro absurdo. A imundice continuava no Jardim Carlos Gomes e as águas descartadas pelas casas se mantinham empoçadas nas vias. “As autoridades combatiam a situação, mas a população não obedecia às posturas municipais. Era um povo descuidado e a sujeira era uma filosofia de vida”, afirma o escritor e historiador Jorge Alves de Lima. O presidente da Comissão de Intendentes nomeou o médico Antenor Guimarães, Delegado de Higiene Municipal - o secretário de Saúde da época. Ele tinha um filho também médico, Eduardo Guimarães. A primeira medida dele, entre fevereiro e março, foi uma espécie de informe, avisando que a febre amarela estava voltando. Divergências Àquela altura, a previsão foi um banho de água fria para a cidade que estava em recuperação. Os demais médicos entraram em divergência com pai e filho, rechaçando a possibilidade. A população ficou revoltada e seguiu os demais médicos. “José Rodrigues da Costa, um gráfico que trabalhava no jornal Correio de Campinas, junto de um grupo de pessoas, saiu na calada da noite, usando máscaras e cobriu os postes e paredes com cartazes ofendendo os dois médicos e as autoridades de Campinas. Não satisfeito, ainda fez uma espécie de comício no Largo do Rosário com discurso violento contra eles”, conta Lima. Naquele dia, Prudente de Moraes, presidente do Estado de Paulo- cargo equivalente ao de governador, e Bernardino de Campos, chefe de polícia, função equivalente ao de secretário estadual de Segurança, estavam em visita à cidade. Na volta a São Paulo foram para a Estação da Companhia Paulista, onde hoje é a Estação Cultura. Lá estava uma comitiva de autoridades que foi saudá-los e se despedir, incluindo Dr. Antenor Guimarães e seu filho. Quando ambos saíram da estação, para descer a Rua Treze de Maio, foram apedrejados pela população. Os ânimos andavam exaltados. Júlio Riedel, poeta e repórter do Diário de Campinas, certa noite entrou no Restaurante Guarany, que ficava na Rua Dr. Quirino, e deu de cara com o gráfico do jornal adversário, que tinha espalhado aqueles desaforos. Houve uma briga homérica entre dois. “Na época era moda usar bengala, então foi bengalada para todo lado. quebraram todos os cristais e as bebidas do local. Foi um pandemônio”, acrescenta Lima. Assim como alertavam aqueles dois médicos e a imprensa, em especial o Diário de Campinas, em março, a febre amarela voltou a aterrorizar a cidade. “Desta vez, o êxodo foi bem menos intenso, cerca de 300 a 400 pessoas foram embora. Mas o comércio fechou e houve o confinamento de novo”, relata o escritor. Vale lembrar que desde o ano anterior, muitas crianças tinham ficado órfãs, passando a perambular pelas ruas. O governo federal enviou à Campinas uma comissão de socorro com médicos e farmacêuticos. Nesse ano, a doença ceifou a vida de 400 pessoas. No dia 11 de março, 18 pessoas morreram. Ninguém sabia de onde vinha a doença ou como se dava a transmissão. Contudo, dessa vez ela também se espalhou para outras localidades, como Rebouças (que viria a ser Sumaré), Valinhos, Limeira, entre outras, de acordo com Lima, que narra esse período no livro O Retorno da Serpente - Campinas 1890. O pico da doença começou a diminuir a partir de junho. Alfredo Pujol, professor do Culto à Ciência, advogado, escritor, crítico literário e jornalista do Diário de Campinas, escreveu a crônica “Atos e Fatos”, onde poeticamente narrava a sobrevida da cidade. O texto terminava: “Toda Campinas, finalmente ressuscita; era um vulcão coberto de geleiras; desfez-se o gelo e o vulcão vomitou as lavas incandescentes ocultas no seio da rocha. Foi a segunda ressurreição de Campinas. Cristo ressuscitou uma vez; Campinas ressuscitou duas”. Essa frase final foi o suficiente para chocar os religiosos da cidade e voltar a ira do clero campineiro contra ele. Em julho, um plano de limpeza preventiva já dava resultados e as ruas passaram a ficar limpas, com a coleta regular de lixo, a exigência de quintais limpos e capinação dos terrenos baldios. O intendente era implacável com os infratores, que recebiam multas pesadas e, em caso de reincidência, eram presos. Os serviços provisórios de saneamento da Companhia de Águas e Esgoto eram acelerados, as ruas recebiam os canos para a implantação do sistema de água e esgoto. A ajuda financeira federal era bem empregada. Inveja faz gerar boatos sobre doença Campinas, cidade elitista, com progresso cultural e econômico, ostentava o título de capital agrícola do estado. Esse destaque e os lendários bairrismo e orgulho dos campineiros, despertavam inveja em outras cidades e pessoas de fora, que em setembro começaram a espalhar que a cidade começava a sofrer novamente com a febre amarela, sendo que a doença estava debelada desde julho. Uma espécie de fake news da época. Contudo, o jornal Diário de Campinas, que não fugiu às suas responsabilidades, publicou na primeira página o artigo “Os boatos”, no qual, com dados e embasamento, refutava a suposição. Mostrando que não passava de má vontade com a cidade, e que bastaria uma consulta nos obituários publicados para que a verdade aparecesse. Mais uma vez, renovou seu compromisso com a verdade dos fatos, ainda que eles fossem ruins, como uma pandemia. Em outubro, a população já feliz, comemorava o fim da doença, o sucesso dos comércios e a abertura de bancos. Mas havia muitas reclamações sobre o estado das ruas, que cortadas para a instalação dos canos, estavam perigosas, causando acidentes àqueles que trafegavam com carroças, cavalos ou a pé, além da poeira. A Administração se comprometia a resolver os problemas e também a acalmar os ânimos de quem tinha medo que a doença voltasse no verão seguinte, principalmente, nos meses de janeiro a maio.

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