IDENTIDADE PERDIDA

A difícil escolha de viver à margem da sociedade

Mayra, moradora de rua, tatuou telefone da mãe no corpo para que seja reconhecida em caso de morte

Fabio Gallacci
07/04/2013 às 05:00.
Atualizado em 25/04/2022 às 21:23
Mayra recebe o carinho da sua fiel cachorra: companhia de morada em uma casa improvisada debaixo de uma ponte na Orosimbo Maia  (Edu Fortes/AAN)

Mayra recebe o carinho da sua fiel cachorra: companhia de morada em uma casa improvisada debaixo de uma ponte na Orosimbo Maia (Edu Fortes/AAN)

O medo de morrer na rua e não ser identificada fez com que Mayra, de 35 anos, tomasse uma atitude inusitada. Ela tatuou o telefone da mãe para que, em caso de seu corpo ser localizado em qualquer lugar, a polícia tenha quem procurar. O número foi tatuado nas nádegas.

“Peguei a ideia de uma amiga em Santos. Ela tatuou o número do RG no peito”, diz a moradora de rua, que vive com seu companheiro, conhecido apenas como Alemão, e uma cadela fiel embaixo de uma ponte na Avenida Orosimbo Maia, região central de Campinas. De seu lar improvisado, Mayra espera que ninguém precise ver a sua tatuagem tão cedo. Ela luta para se manter viva e ainda encontra motivos para sorrir.

Viciada em crack e soropositiva, ela passa seus dias a pedir dinheiro nos faróis para comer e sustentar o vício. Não há qualquer constrangimento em admitir o destino das moedas. Ela pede, não rouba. O contato com a família parece ser esporádico. A distância é uma opção. Há anos que sua vida é a rua. Sua negação da antiga identidade a torna apenas mais uma de tantas sombras que vagam pela cidade.

O abrigo improvisado embaixo da ponte traz a liberdade que uma casa de apoio talvez não possa dar. Em cima de seu “lar” passam milhares de veículos todos os dias e pouca gente imagina que uma família viva ali. O local tem colchões, roupas, cobertores, utensílios de cozinha e uma cobertura de lona que garante o mínimo de privacidade. A cadela é brava e não permite aproximação, a não ser que o casal a faça entender que os visitantes são bem-vindos.

Ali, com as margens do Córrego Serafim como morada, Mayra só teme a chuva e a violência que pode surgir de qualquer forma. É preciso ficar atenta para a elevação da água, o que pode significar a perda de seus objetos ou a morte. A cadela também não é brava por acaso. Ela está ali para proteger o casal. É parte da família de Mayra e Alemão.

Ela conhecia de vista um homem, também morador de rua, que apareceu morto a poucos metros dali em setembro do ano passado. “Ele vivia em uma ponte mais para a frente da avenida, sozinho. Não tive contato, só via ele andando por aí”, lembra. A situação é a mesma quando a reportagem questiona outras pessoas sobre Mayra. Muitos na região da Orosimbo Maia com a Avenida Brasil a conhecem de vista. Alguns já trocaram palavras rápidas, mas ninguém sabe o seu nome.

Os trocados que ganha também garantem um marmitex, um café com leite ou um litro de álcool para cozinhar no seu canto. Tudo dividido com o companheiro e com o animal de estimação. O cabelo malcuidado e o rosto envelhecido mostram a dura realidade da rua e a entrega de sua juventude para uma droga que, na maioria das vezes, não oferece escapatória. O crack a acorrenta como faz com tantos outros em Campinas.

Mesmo assim, Mayra é vaidosa. As unhas compridas das mãos e o cabelo pintado provam que sua vontade de ficar bonita não foi embora e que ela segue firme na tarefa de existir.

Por vergonha e receio, Mayra não permite que a tatuagem seja fotografada. A reportagem insistiu na tentativa de mostrar o número do telefone de forma discreta, mas ela foi irredutível.

Dia de princesa

Ela conta que, há algum tempo, um grupo de pessoas procurou o casal para dar um “dia de princesa” para a cadela da família. Lá foi o bicho para o pet shop, onde ganhou banho, tosa e mimos. O cachorro ganhou atenção, já Mayra e Alemão continuaram na mesma situação.

Cadastro Nacional de Pessoas Desaparecidas

COMO AJUDAR:

Se você entende um pouco de internet e de web, pode ajudar as pessoas que não entendem ou que não têm acesso à internet a se cadastrarem na página do CNPD e fazer o tratamento da imagem da pessoa procurada para envio da foto.

Se você é web master ou web designer de um site ou de um portal, pode colocar um link ou um banner do CNPD em seu site ou na página de seu cliente, ajudando a divulgar o órgão e outras pessoas que possuem um parente ou um conhecido desaparecido.

Você pode se cadastrar no site, informando seu endereço e telefone para ajudar na busca de uma pessoa desaparecida.

Colocar cartazes de pessoas desaparecidas em delegacias de polícia, hospitais, prontos-socorros, instituto médico legal e locais de grande fluxo de pessoas.

OBS: O CNPD não envia nenhum tipo de correspondência, não nomeia delegados e não envia boletos de cobrança.

Site: www.cnpd.org.br

3253-4512: é o telefone de contato do Serviço de Abordagem Social de Rua da Prefeitura de Campinas, em que casos de abandono ou situação de risco podem ser informados.

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