ENTREVISTA

‘A cidade de Campinas pode ser um marco de amor a Deus’

Monsenhor Fernando de Godoy Moreira deixa uma mensagem de fé e amor a Jesus Cristo, no dia em que celebramos sua ressureição

Manuel Alves Filho Edimarcio A. Monteiro/[email protected]
20/04/2025 às 11:26.
Atualizado em 20/04/2025 às 11:26
‘Por isso que o Papa lançou o ano da esperança, porque nós não podemos desanimar. Nós temos que ser pessoas de esperança no mundo’ (Rodrigo Zanotto)

‘Por isso que o Papa lançou o ano da esperança, porque nós não podemos desanimar. Nós temos que ser pessoas de esperança no mundo’ (Rodrigo Zanotto)

Jesus Cristo é um exemplo de amor ao próximo, paz e misericórdia a ser seguido pela humanidade. É o filho de Deus que veio ao mundo para salvar as pessoas. Essa é a mensagem, neste domingo de Páscoa, do monsenhor Fernando de Godoy Moreira na entrevista concedida a convite do presidente-executivo do Correio Popular, Ítalo Hamilton Barioni. O homem "tem o dom da liberdade. Você está entre o bem e o mal e faz a escolha", disse o religioso, pároco emérito da Paróquia Santa Rita de Cássia, em Campinas.

Monsenhor Fernando, desde criança, dedicou a vida ao Cristianismo e fez dela uma demonstração de fé. "Eu acredito muito na religião católica, acredito mesmo. Por isso, muitas vezes isso me comove. Eu fico emotivo, choro, mas depois me recomponho. Eu fico emotivo principalmente quando falo de assuntos religiosos, tem momentos que parece que estou vivendo aquele momento histórico", explicou. Ele, que completará 92 anos no dia 6 de maio, também deixou uma mensagem especial de Páscoa aos leitores do jornal.

Onde o senhor nasceu? 

Eu sou uma pessoa comum, pessoa do povo. Nasci lá em Ribeirão Bonito, uma cidade aqui do estado de São Paulo, na região de Araraquara, São Carlos, Jaú. Sou de uma família simples, humilde. Meu pai foi oficial de Justiça e, ao mesmo tempo, era alfaiate. Antigamente, o oficial de Justiça não ganhava nada, só na audiência que ele fazia. Meu pai é nascido aqui em Campinas. Minha mãe nasceu 15 dias depois que meus avós vieram da Itália e foram radicados lá em Ribeirão Bonito. Vivi a minha infância ali.

Como surgiu a vocação religiosa? 

Minha família era muito religiosa, meu pai, minha mãe. Aos 11 anos, eu fui para seminário, estudar em São Carlos. Fiz o seminário ali, depois fui fazer o seminário maior em Diamantina, em Minas Gerais. Voltei e fui ordenado lá em Ribeirão Bonito. 

Eu acredito muito na religião católica, acredito mesmo. Por isso, muitas vezes isso me comove. Eu fico emotivo, choro, mas depois me recomponho. Eu fico emotivo principalmente quando falo de assuntos religiosos, tem momentos que parece que estou vivendo aquele momento histórico.

O que a Quaresma e a Páscoa representam para um católico? 

É a ressurreição de Cristo e que essa ressurreição atinja a vida de cada um de nós. A Quaresma é o nosso tempo de preparação para a Páscoa, um momento sagrado na nossa fé. É a passagem de Cristo. 

Para falar da Quaresma, nós precisamos começar um pouquinho lá atrás, porque a fé é cheia de mistérios. Por mais que a gente desvende os mistérios, nós somos finitos. Nós não conseguimos definir o infinito com a nossa pouca inteligência, porque somos seres limitados. Só Deus sabe tudo. A nossa vida cristã começou quando o arcanjo Gabriel saúda Nossa Senhora e disse que ela seria a mãe de Deus. Quando Nossa Senhora recebeu o anúncio, o que ela disse? "Eu não sou digna. Eis aqui a escrava do Senhor."

Isaías profetizou o nascimento de Cristo quando falou: "Eis que uma virgem conceberá e dará à luz um filho, o qual chamarse-á Deus conosco." Esse foi primeiro anúncio daquilo que ia acontecer com Jesus. Do outro lado, nós temos João Batista. Zacarias estava rezando no templo quando foi anunciado que a sua esposa, idosa, Santa Isabel, iria dar à luz a um filho. Ele não acreditou, disse que esposa estava velha, como é que isso aconteceria. O anjo disse: "Para que você possa tenha certeza, ficará mudo até o nascimento da criança." É o começo da nossa fé. 

Nossa Senhora, vai visitar sua prima, Santa Isabel, que morava em outra cidade. Ali chegando, Isabel saúda Maria: "Eis que vem a mãe do meu Senhor." (monsenhor chora, enxuga as lágrimas e se recompõe). 

Isabel sentiu no ventre o bebê se mexer quando Jesus se aproximou, quando viu Maria. Nossa Senhora ficou ali até que o menino nasceu Todo mundo queria pôr nome na criança, cada um disse um o nome, mas decidiram perguntar para o pai. Zacarias estava mudo porque não acreditou que Isabel pudesse transmitir a vida a uma criança com aquela idade. Ele pediu uma tabuinha e escreve: "João, esse é o seu nome."

Qual o papel de João Batista na vida de Cristo? 

João Batista vai acompanhar a vida de Jesus depois, é aquele que veio para anunciar o Cristo. Essa é a sua missão. Na vida, cada um de nós tem uma missão. A de Nossa Senhora foi parir Jesus, a missão de Isabel foi dar a luz a João Batista. Ele apresenta Cristo ao mundo. Depois, João, que é primo de Jesus, vai batizar Jesus. Nesse momento, lá do céu vem aquela voz: "Este é meu filho direto, no qual eu ponho as minhas compreensões, o meu amor" [VOZ EMBARGADA]. Tudo isso, se gente não tiver fé, não acredita. 

Naquele tempo, as pessoas chegaram a pensar que João Batista era o Messias, porque a humanidade já estava aguardando a sua vinda. Mas, ele era o mensageiro de Deus e disse que não era digno nem de amarrar as sandálias do Salvador. Todos os profetas falavam da vinda do Messias, mas ninguém sabia quando Ele viria. É como nós que estamos agora vivendo. Todos nós sabemos que vem a segunda vinda de Cristo. Agora, quando vai ser? Nós não sabemos. 

Naquela época era a mesma coisa. Ele viria para salvar o povo do julgo dos romanos. Era um pensamento humano. Eles estavam escravizados pelos romanos, eles queriam se libertar dos romanos. Quando João Batista que batiza Jesus, nós temos a presença da Santíssima Trindade. 

O o Pai Celestial falando: "Este é meu filho, no qual eu pus o meu amor, a minha compreensão." Temos o Divino Espírito Santo em forma de pomba, e temos Jesus. Temos ali o Pai, o Filho e o Espírito Santo. 

Deus é que quem criou a todos nós, eu e vocês todos. Jesus nos redimiu, porque Ele é o Nosso Salvador. Temos ali também o Espírito Santo, que nos santifica. Nós somos santificados pela ordem do Divino Espírito Santo, é Ele que ilumina também a nossa inteligência. As coisas de Deus se encaixam perfeitamente. Por isso, que todos nós temos que ter fé e pedir a Deus que conserve a nossa fé. 

Muitas pessoas têm fé, mas ao longo da vida abandonam tudo, não querem mais saber de Deus. Quando a pessoa perde a fé, tem um vazio na vida dela, não tem ponto de referência. Sem um ponto de referência é muito difícil viver. Como esses coitados que vivem drogados e tudo mais, eles não têm mais ideal na vida, perdem o sentido da vida. A religião conserva o sentido da vida nas pessoas, que sempre têm esperança. Por isso que o Papa lançou o ano da esperança, porque nós não podemos desanimar. Nós temos que ser pessoas de esperança no mundo.

Como foi a vida de Jesus Cristo? 

Maria e José moravam em Nazaré e subiram para Belém, a cerca de 150 quilômetros. Naquela época, era um sacrifício medonho fazer todo esse trajeto a pé. Belém era uma cidade pequena, não encontraram vaga para ficar, Maria foi dar à luz em uma gruta. É ali que nasceu Jesus. O Rei do céu e da terra nasceu numa pobre manjedoura. Vêm os magos do Oriente guiados por uma estrela. No caminho, eles estiveram com Herodes, que pede para trazerem mais notícias sobre o Menino, porque ele também queria adorá-lo. Herodes queria matar o Menino. Na gravidez de Maria, começa o grande mistério de São José. Ele foi casado com Maria e percebeu que não tinha convivido com ela, que estava grávida. Pensou: agora eu tenho que me fugir daqui, tenho que me ausentar daqui. Um anjo apareceu em sonho para José e disse que o aconteceu é obra de Deus, obra do Espírito Santo. José acordou e aceitou a sua missão. Após o nascimento de Jesus, José recebeu outro aviso de um ajo e fugiu com a família para o Egito, porque Herodes queria matara a Criança. Essa foi outra viagem longa e também de confiança. 

Aos 12 anos, Jesus foi apresentado no templo e todos se admiraram com aquele menino que sabia todo o Antigo Testamento. Os profetas queriam saber onde esse buscou tanta sabedoria. Dos 12 aos 30 anos, não se fala nada de Jesus. Silêncio. Depois, em três anos, Ele vai fazer toda sua missão, vai pregar o Evangelho, começa a ser o grande pregador.

É nessa fase que Jesus faz milagres e os doutores da lei entram com conflito com ele? 

Aí criou inimizade com os fariseus, com os doutores da lei, porque os doutores da lei eram muito seguros na lei, eram escravos da lei. Nós temos aquele exemplo da mulher pecadora, a mulher adúltera. Eles usavam o rigor da lei. Tudo era proibido. Eles apresentaram a Jesus a mulher pecadora, mas não estavam preocupados com ela. Eles estavam se preocupando, queriam pegar Jesus em falsidade. Se Jesus mandasse apedrejar a mulher, como mandava a lei de Moisés. Se ele não mandasse, estava desrespeitando a lei de Moisés. Jesus, então, vai responder de uma maneira delicada. Fica ali escrevendo na areia, como se não tivesse ali. Mas os fariseus e os mestres da lei continuam atormentando Cristo, forçando-o a dar uma resposta. Então, Ele diz: "Quem não tiver pecado, atire a primeira pedra." O que Jesus quis mostrar é que todos nós somos pecadores.

A mensagem que Jesus vai dar ali é que veio para salvar e não para condenar. Quando todo mundo vai embora, fica a misericórdia, que é Jesus, e o pecado, que era a mulher. 

Jesus pergunta: "Ninguém te condenou, mulher?" "Não condenou", respondeu ela. "Eu também não te condeno. Vá e não peques mais", disse Jesus. Ele não veio para condenar, mas para converter, fortificar. Jesus também queria converter os fariseus, os mestres da lei. Quando ele mandou que atirassem a primeira pedra, é para que os homens refletissem, pensassem um pouco na vida que estavam levando. Jesus quer salvar a todos, justos e pecadores.

Há outras passagens de Jesus escrevendo. O que elas significam? 

Outra passagem que nós temos fazendo relação com Jesus escrevendo. Deus Pai também escreveu. Foi no Monte Sinai, com Moisés recebendo as tábuas da lei, que trazem os Dez Mandamentos. Eles são para libertar a pessoa, para possa ter uma vida livre. A felicidade da humanidade toda é viver em Cristo. São Paulo dizia que sem Cristo não era nada. O meu viver é Cristo. Quando nós passamos a viver como cristão, as coisas melhoram demais, a humanidade melhora. O que nós vemos hoje na humanidade é a falta de fé. O ateísmo cresce muito. Muitas pessoas não têm religião nenhuma. Então, é uma sociedade frágil. 

Se pegarmos os governos todos, as pessoas estão olhando mais para si, esquecendo de que nós somos filhos de Deus, somos todos iguais, filhos do mesmo Pai, que está no céu. Tudo isso a gente vai encontrar na vida de Jesus.

Como foram os últimos dias de Cristo? 

Ele foi entregue a Pilatos para ser condenado. Mas Pilatos não acha nenhum crime em Jesus, e o encaminha para Herodes. Ele também perguntou muita coisa para Jesus, que não respondeu nada. Levaram Jesus outra vez para Pilatos, que queria defender Jesus de todo jeito. Mas, o povo não e dizia: "Crucifica-o." 

Esse povo que gritava para crucificar Jesus é o mesmo povo que, no domingo anterior, de ramos na mão, recebia Cristo e cantava: "Bendito o que vem do Senhor, Hosana no mais alto do céu." É a mesma humanidade pecadora que agora pedindo está pedindo a condenação de Cristo e a libertação de um criminoso. Essa mudança é para que se cumpra a Escritura [VOZ EMBARGADA]. 

Tudo estava encaminhado. Foi o meio que Deus Pai escolheu para reconduzir a humanidade a Ele. Escolheu o Cristo como o Cordeiro sem mancha. Quando Jesus estava no Egito, Deus mandou matar um cordeiro, um cabrito, pegasse o sangue e fizesse uma marca no portal das casas, porque todos os primogênitos, tanto os animais como os homens, seriam extintos. Só escaparam os que tinham o sangue marcado. Esses saíram livres. É pelo sangue de Cristo que nós somos libertados. Através do sangue na cruz, o tormento, a crucificação.

E os milagres de Cristo? 

Jesus fez o primeiro na transformação da água em vinho. Não quer dizer que esse foi o único milagre, Ele já tinha feito muitos milagres, mas esse foi registrado. As coisas de Jesus foram registradas no mínimo. Se fosse registrar tudo que Jesus fez, é muita coisa. A transformação da água em vinho é o primeiro milagre Dele, para mostrar o poder que tem, porque ele é Deus. 

Fazendo aquele milagre, Ele mostra que tem esse poder. Ao ser crucificado, Jesus tinha dois criminosos ao seu lado. De um lado, o bom ladrão gritava: "Tem piedade de mim. Lembre-se de mim quando estiver em seu reino", porque Jesus está falando do seu reino Aí Jesus respondeu: "Hoje mesmo estarás comigo no Paraíso." O outro ladrão criticava Jesus e zombava: "Desce da cruz se você é o tal, se você é poderoso, se você tem força." O homem tem a liberdade de pedir a salvação ou não. 

Quando Jesus morre pregado na cruz, há o centurião que estava vendo e, verdadeiramente, reconheceu que Cristo era filho de Deus. Aí o céu se escurece, houve as trevas da morte de Jesus. Tudo isso para mostrar que nós precisamos de Deus. Feliz de quem consegue entender que a felicidade é estar em Deus nosso Senhor. Isso que é a grande felicidade.

E como foi a ressurreição de Cristo? 

Após Jesus ser sepultado, José de Arimateia vai pedir o corpo de Cristo, que estava enterrado num sepulcro fechado com uma grande pedra. Maria Madalena e Maria, mãe de Jesus foram até o local e pensavam como iriam remover a pedra tão grande da sepultura. Quando chegaram lá, viram que a pedra havia sido rolada. Aí foram avisar Pedro e João Evangelista. João, mais novo, e Pedro, mais velho, correram. João chegou antes, mas esperou Pedro, que foi verificar. A preferência foi dada a Pedro porque Jesus disse: "Tu és Pedro, sob essas pedras erguerei a minha igreja. As portas do inferno não prevalecerão contra ela." Aí Jesus confirma que Pedro seria o chefe. A história da humanidade continua até chegar à segunda vinda de Cristo.

O senhor falou que muita gente perdeu a fé e que essa falta de fé ajuda a criar um mundo cada vez mais conflituoso. Como perseverar na fé? 

Com o coração, jejum e penitência. É o que nós vivemos na Quaresma. O jejum nos faz lembrar mais de Deus. A penitência faz a gente reconhecer que somos pecadores.

O senhor tem uma posição particular em relação à esmola? 

A esmola também faz mostrar que nós amamos o irmão. Eu sempre falo para as pessoas deixarem dinheiro no carro, fácil para pegar. Porque quando vem esse pedido, pode ajudar o próximo. Não vamos discutir se deve dar ou não, se o dinheiro será usado para comprar droga, álcool. Isso é problema dele. Eu tenho que exercer a caridade.

Você também não ficar interrogando. Tem gente que fica interrogando. Por que você quer? Você vai beber? Isso não é caridade, isso é humilhar a pessoa. Se não quer dar, fique quieto. Não precisa humilhar a pessoa. Um dia eu falei para uma pessoa que não pode fazer isso. Eu estava com ele e ficou humilhando a pessoa. Ela não pode fazer isso, põe o outro mais para baixo ainda. A gente sente esse problema social. O que resolve mesmo é a pessoa que crê em Deus e sabe que temos que fazer caridade, que ajudar. Isso é importante. O que Cristo vem nos ensinar é que nós somos todos irmãos, filhos do mesmo Pai.

O que nos segura nas dificuldades é a oração. Há pessoas que pensam em abandonar tudo. Se ela cair em si, não abandona. Jesus não deixa ninguém abandonado. Agora, precisamos olhar bem o princípio da liberdade. Deus deu a liberdade. Por isso que Adão e Eva caíram. Tinham o dom da liberdade. Você está entre o bem e o mal. Você faz a escolha. Se você escolheu o bem, vai correr tudo bem. Se você correu o mal, vai dar errado. A nossa fé católica é muito rica, é maravilhosa.

O senhor poderia deixar uma mensagem mais diretamente aos nossos leitores sobre essa questão da renovação que eu acho que é importante? 

Foi com alegria que eu estive com vocês Agora nós estamos chegando na Páscoa. Quero dar um parabéns a vocês e quero lembrar a toda a comunidade aqui de Campinas, de modo especial os leitores do Correio Popular, que tenham uma Páscoa, uma passagem de Cristo na vida deles. Que eles sejam os caminhantes da paz, da esperança, da certeza de um Deus que vem ao mundo para nos salvar, nos trazer felicidade. A cidade de Campinas pode ser um marco de amor a Deus, de confiança nas coisas de Deus. Nós temos que representar com coragem a nossa fé, sermos portadores da mensagem cristã. É a mensagem cristã que vai transformar o mundo, é a mensagem cristã que vai transformar a nossa querida Campinas numa cidade profundamente religiosa. É isso que Deus espera de cada um de nós. Vamos unir as nossas mãos para louvar a Deus, para bendizer a Deus e um dia nos reunimos na Pátria Celestial. Amém.

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