história

A Campinas da epidemia e do golpe

As novas gerações na certa nunca ouviram falar disso. Até pesquisadores experientes têm pouca informação sobre o episódio

Rogério Verzignasse
18/09/2018 às 08:02.
Atualizado em 22/04/2022 às 03:10
O historiador Jorge Alves de Lima, que descobriu dados surpreendentes quando mergulhou em arquivos públicos à procura de dados para seus livros (Thomaz Marostegan/Especial para a AAN)

O historiador Jorge Alves de Lima, que descobriu dados surpreendentes quando mergulhou em arquivos públicos à procura de dados para seus livros (Thomaz Marostegan/Especial para a AAN)

As novas gerações na certa nunca ouviram falar disso. Até pesquisadores experientes têm pouca informação sobre o episódio. O fato é que lá em 1891, quando Campinas lutava para se reerguer dos primeiros surtos de febre amarela, a cidade acabou sendo palco de uma novela política com direito a falsificação de assinatura e renúncia em massa dos governantes.  Por conta de picuinhas - brigas entre simpatizantes de um grupo político e de outro - o município teve um intendente afastado sem justificativa alguma. E todos os outros, que ocupavam cadeiras na Casa de Leis, entregaram seus cargos. Até Antônio Lobo, presidente do Conselho de Intendentes - que fazia as vezes de prefeito - se afastou. Campinas ficou sem governo. Quem conta o drama em detalhes é o historiador Jorge Alves de Lima, que descobriu pormenores do tema quando mergulhou em arquivos públicos a procura de informações para sua série de livros - Campinas Mártir, porém Heróica - que conta como a cidade enfrentou a doença. E o achado - impeachment daqueles anos - estava nas páginas do Diário de Campinas, que no final do século 190 era o jornal mais importante da cidade. Uma assinatura falsa Tudo começou quando a Câmara daquela época recebeu, do governador Américo Brasiliense (então chamado de presidente do Estado), a informação de que o intendente campineiro Herculano Pompeu de Camargo havia pedido desligamento do cargo. Acontece que o jovem, liderança republicana, nunca fez o pedido. O documento, alegou, tinha assinatura falsa. De imediato, o jornalista Antônio Duarte de Moraes Sarmento - dono do Diário - comandou uma campanha cívica de protesto contra o governador que, segundo ele, se rendia a caprichos de forças políticas que, embora igualmente republicanas, eram rivais. “O começo da República foi marcado pela primeira Armada, revolta militar influenciada até por líderes monarquistas, que desejavam retomar o poder. Por conta disso, o governo de Deodoro da Fonseca estava dividido, havia uma guerra por cargos e indicações”, explica o historiador. A oposição surgiu quando Deodoro, no poder, dissolveu o Congresso e se negou a convocar eleições previstas na Constituição. O fato, no entanto, é que Herculano não esperou a resposta de Américo Brasiliense sobre o suposto documento falso. Ele simplesmente falou que não voltaria mais ao cargo, já que tinha sido ilegalmente afastado, e desrespeitado. A reboque dele, os outros seis intendentes campineiros - todo nomeados pela Província - também se demitiram. E o pior. O terremoto aconteceu no meio do burburinho social da febre amarela. Campinas acabara de receber - do governo Deodoro da Fonseca - 500 contos de réis para começar as obras de saneamento da cidade. E a relação estremecida com o Executivo federal, a União, por conta da perseguição política - e a demissão em massa - acabou atrasando repasses e obras. E a tempestade não ficou só em Campinas. Francisco Glicério, que comandava a pasta de Agricultura de Deodoro, entregou o cargo, deixou o Rio (então Capital federal), e “assumiu a briga” de Herculano.  Assim como o intendente, Glicério também se afastou do presidente e se aproximou do grupo rival. Assim como Herculano, ele se aproximava de Floriano Peixoto e rejeitava, de todas as formas, que ideias monarquistas ameaçassem a consolidação da República. Naqueles dias, manchetes do Diário faziam história. Uma delas falava que Glicério - que era pobre ao assumir o ministério - voltava paupérrimo. Era um esforço editorial para apoio popular aos ideais republicanos, que estavam ameaçados. Outra publicação foi inusitada. A posse dos novos intendentes, nomeados por “deodoristas”, precisou ser feito por Paulino de Lima, então “prefeito” de Itatiba. Sem governo, Campinas virou quintal da vizinha. Está gravado A história oficial todo mundo sabe. No final daquele ano de 1891, Deodoro não aguentou a pressão, renunciou ao cargo e o “Marechal de Ferro” Floriano assumiu a Presidência, para exterminar de vez os nichos rivais, de inspiração monarquista. Os líderes republicanos “genuínos”, então, voltaram a cargos importantes. As obras de infraestrutura sanitárias foram retomadas e concluídas depois de uma décadas (e depois de novos surtos da doença). Mas o episódio da carta com assinatura falsa está gravado. “As futricas entre deodoristas e florianistas balançaram a embrionária República” , afirma o historiador. O que era publicado no Diário tinha força de lei No acalorado ano de 1891, o que saía nas páginas do Diário de Campinas tinha força de lei. E a mobilização popular era incentivada pelas manchetes. Na época, Campinas ganhou personagens icônicos como Luís Corneta, que usava o instrumento de sopro para anunciar que o jornal estava sendo distribuído. Foi ele quem chamou o povo, por exemplo, para fazer a recepção a Francisco Glicério, que voltava a Campinas depois de deixar, indignado o governo Deodoro. A cidade parou. Ah, o homem não era apenas jornaleiro. Ele também era veterano da Guerra do Paraguai, todo engajado, e ainda acumulava uma função nobre: tocava o sino na Matriz Nova.

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