Para enfrentar o problema, Campinas lançou o “Agosto Lilás”, campanha que pretende estimular o público feminino a denunciar casos de agressões
O prefeito Dário Saadi (Republicanos) participou ontem da abertura da campanha “Agosto Lilás” em Campinas: cidade oferece rede de apoio às vítimas de violência doméstica (Rodrigo Zanotto)
Campinas registra, em média, um caso de violência contra a mulher a cada 10 horas. No ano passado, a cidade contabilizou 917 ocorrências, o maior número dos últimos seis anos e que representou aumento de 34,65% em relação aos 681 episódios de 2021, de acordo com balanço divulgado na terça-feira (1) pela Secretaria Municipal de Assistência Social, Pessoa com Deficiência e Direitos Humanos durante o lançamento da campanha Agosto Lilás - Você não está sozinha. Nós estamos aqui para te apoiar. A iniciativa prevê uma série de atividades para incentivar as mulheres vítimas de violência a denunciarem os abusos, como palestras, debates e outros eventos.
De janeiro a maio deste ano, a cidade registrou seis casos de feminicídio, número próximo dos sete ocorridos em 2021. Isso sem contar as tentativas. O caso mais recente aconteceu na segunda-feira (31), quando uma dona de casa grávida, de 23 anos, residente no Jardim Satélite Íris 4, levou três tiros dados pelo companheiro durante uma briga. A agressão ocorreu na frente da filha de 5 anos casal. A mulher está internada em estado grave no Hospital PUC-Campinas. As balas atingiram rosto, braço e costas da vítima. Na Região Metropolitana de Campinas (RMC), o número de mulheres assassinadas chegou a dez em 2022. Os municípios de Sumaré, Monte Mor, Indaiatuba e Hortolândia tiveram uma ocorrência cada em 2023.
De acordo com o balanço da Secretaria de Assistência Social de Campinas, o perfil mostra que a maioria da vítima de relacionamentos abusivos na cidade tem entre 18 e 40 anos. Ainda segundo os dados apurados, 24% dos casos se concentram na Região Sudoeste, 60,9% envolvem violência física e 14%, agressão sexual. Os cinco bairros com maior número de casos são Centro, Vila Padre Anchieta, Jardim Bassoli, Jardim Satélite Íris e Vila União. Segundo secretária de Assistência Social, Vandecleya Elvira do Carmo Silva Moro, "quando falamos de dados, o objetivo é que tenhamos a estruturação das políticas públicas, que elas sejam direcionadas e assertivas. O objetivo é entender quem é essa mulher que sofre essa violência e onde ela reside."
VÍTIMA
Para a secretária, o aumento no número de casos de violência se dá também pela conscientização da mulher. "Quando nós chegamos até essa mulher e mostramos que existem saídas, que existem mecanismos para esse acolhimento, também aumenta o número de notificações." Uma dessas vítimas é a massoterapeuta Solange (nome fictício), que em setembro completará dois anos que se separou do companheiro, com quem viveu uma união estável de 13 anos e teve um filho, prestes a completar 10 anos.
De acordo com ela, esse período foi marcado pela violência, incluindo psicológica, emocional, física e até com ameaça de morte. "Eu só percebi que era vítima de todos os tipos de violência ao participar de um evento da Ceamo", explicou Solange. Ceamo é o Centro de Referência e Apoio à Mulher (Ceamo), que no próximo mês completará 21 anos.
O serviço faz parte de uma rede municipal de denúncia e amparo às vítimas de violência doméstica, formado ainda por 13 Centros de Referência Especializado Assistência Social (CRASs), um abrigo e o Disque 180, canal de denúncia que também recebe mensagens via o aplicativo Whatsapp. A massoterapeuta participou do evento do Ceamo através de uma indicação do pai e hoje atua na divulgação desse trabalho pare evitar novos casos de violência contra a mulher.
"Eu moro em condomínio e divulgo para todo mundo. Você nunca sabe quem pode estar sendo vítima de violência doméstica. Pode ser uma amiga, a vizinha, a irmã, a cunhada", ponderou a massoterapeuta. Além de apoio psicológico, emocional e jurídico do Ceamo, Solange aprendeu a profissão com que hoje busca a independência financeira para criar o filho. Ela evita se identificar porque, após dois anos, a separação litigiosa ainda está em andamento. Solange admite ainda ter medo do ex-companheiro.
A massoterapeuta fica abalada psicologicamente ao falar da violência e demonstra decepção ao ver que o seu agressor não foi punido. O inquérito policial foi arquivado, e ela ficou sabendo somente depois que a decisão já havia sido tomada. Solange conseguiu sair da relação abusiva e busca reconstruir a vida, mas nem todas as vítimas têm essa oportunidade. Um caso emblemático em Campinas ocorreu em maio de 2019, quando a operadora de caixa de supermercado Thaís Fernanda Ribeiro, na época com 21 anos, foi assassinado com 15 tiros pelo namorado, Lucas Henrique Siqueira Santana.
Em fevereiro passado, em um segundo julgamento, ele foi condenado a 21 anos de prisão. "Não tem um dia em que acorde e não lembre da minha filha", afirmou o pai de Thaís, Delfino José Ribeiro. Ele fez da sua dor a força para participar de campanhas contra a violência feminina. O crime traz consequências para a família até hoje, com casos de depressão, ansiedade e sofrimento.
OUTROS CASOS
A relação de vítimas fatais de violência contra a mulher em Campinas ganhou novos nomes em 2022. A primeira foi em 1º de janeiro, quando Regina Lima da Silva, de 40 anos, foi morta a facadas e marteladas pelo marido. Depois vieram Georgeliana de Lima, 38; Rafaela Cristina Barroso da Silva, 25; Roberta Rodrigues dos Santos Correia, 30 anos; Dalila Mosciati, 37; e Fabiana Alves Gastardão, 43. "Os números [de violência contra a mulher] ainda são estarrecedores", afirmou a coordenadora das Delegacias da Defesa da Mulher (DDMs) do Departamento de Polícia Judiciária São Paulo Interior 2 (Deinter 2), delegada Maria Helena Taranto Jóia.
As estatísticas, acrescentou, apontam que, em média, 13 casos de feminicídio ocorrem por dia no Brasil, sendo que 80% dos agressores são pessoas de confiança da vítima (marido, companheiro, pai, tio ou irmão) e 42% ocorrem dentro do lar. "Isso é inaceitável e nós precisamos agir com a conscientização. Além dos métodos punitivos, a Polícia Civil tem o papel pedagógico. Quando a gente faz a conscientização, passa a informação para essas vítimas", disse Maria Helena.
Das 38 cidades que integram a Deinter 2, 13 contam com DDMs, sendo que Campinas conta com duas unidades, Segundo a coordenadora, nos municípios que não têm as delegacias especializadas é feito treinamento para o atendimento específico das vítimas, que também podem registrar queixas online através do site www.delegaciaeletronica.policiacivil.sp.gov.br,
Na apresentação do Agosto Lilás, o prefeito de Campinas, Dário Saadi (Republicanos), destacou a importância da conscientização feminina contra a violência. "Há dificuldade pessoal da mulher de denunciar. Muitas mulheres que são vítimas de violência são orientadas a fazer boletim de ocorrência, são orientadas a procurar as DDMs e não fazem. Pode ser por medo dos agressores, dependência financeira do agressor, por conta dos filhos, da situação familiar e uma parte também não faz porque há uma relação de afeto. Algumas acreditam que aquela agressão vai ser a última que vai acontecer, que o agressor vai mudar", disse.
Além da rede protetiva formada pelos órgãos de amparo às vítimas, Dário ressaltou programas que Campinas têm para ajudá-las. Entre eles, a concessão de auxílio-moradia de R$ 806 para que a mulher possa se mudar e se afastar do acusado pelo ataque. O valor é pago por seis meses, podendo ser prorrogado por igual período, bastando a vítima registrar boletim de ocorrência. Desde o início deste ano, não é exigida mais que ela esteja sob medida protetiva.
O prefeito apontou ainda que as ações municipais envolvem várias secretarias e citou a construção simultânea de 16 creches, que devem ser entregues no início de 2024 com 5 mil novas vagas para crianças. "São mães que terão a oportunidade de trabalhar", disse ele, explicando que isso contribui também para a independência financeira feminina.