Passistas, músicos e compositores lamentam o fim de uma festa incomparável, que levava multidões à avenida
O presidente Rafael Rosa e o casal de integrantes da Rosas de Prata, Carla e Weslley: na antiga sede da escola de sambar (Carlos Sousa Ramos/AAN)
Pelo terceiro ano consecutivo, não vai acontecer o desfile das escolas de samba. O governo municipal aposta uma programação com blocos de rua, por toda a cidade. Por conta da crise, não há dinheiro para financiar agremiações. Campinas, assim, perdeu uma festa glamourosa, que no passado tinha alegorias de luxo, passistas, músicos e destaques consagrados. Ficou tudo na lembrança. Por toda a cidade, carnavalescos da antiga lamentam. O valor cultural foi se perdendo. As quadras de ensaio hoje são espaços fechados, empoeirados. Troféus, tambores e fantasias hoje permanecem esquecidos em estantes e gavetas. No Jardim Santa Lúcia, por exemplo, moram Josué de Souza e Iracema, que durante 37 anos brilharam como mestre-sala e porta-bandeira de diversas escolas: Império do Samba, Princesa de Madureira, Ponte Preta, Rosas de Prata. O reconhecimento da classe artística era tão grande que o casal chegou a fazer uma apresentação especial na badalada Unidos do Peruche, em São Paulo. As taças, diplomas e condecorações são tantos que a edícula, nos fundos de casa, se transformou em uma espécie de museu do samba. Marido e mulher ainda guardam o capacete e o estandarte. E se emocionam ao posar para as fotos, repetindo os passos da evolução. Para Josué, de 72 anos, o fim dos desfiles de rua decorre, principalmente, da falta de engajamento das próprias comunidades. “É comum ouvirmos queixas de presidentes das escolas, criticando a Prefeitura pela falta de repasses. O fato, no entanto, é que as agremiações se acomodaram, pedindo dinheiro. Para sobreviver, o carnaval precisa de pessoas mobilizadas, organizando eventos e jantares durante o ano todo, para levantar recursos e financiar o desfile”, diz. “Se o prefeito visse o povo envolvido com os preparativos, na certa ia repassar as verbas. Ninguém quer saber de receber carnavalesco na véspera do desfile, pedindo dinheiro.” Chama apagada O compositor Ciro José Alves de Lima, emocionado, vai falando, um a um, o nome das agremiações: Estrela d'Alva, Astronautas do Samba, Aristocratas, Renascença, Leões, Ubirajara, Mocidade. E ele fala como a festa popular movimentava bairros inteiros. Hoje, o cidadão tem 60 anos de idade e trabalha como técnico em eletrônica, em uma oficina improvisada em um dos sobradinhos do IAPI, onde ele morou quando garoto. “Lembro da minha mãe nesse cantinho da sala, costurando as fantasias usadas no desfile”, diz. A paixão pelo samba, genética, o transformou em artista. Ciro cantou e tocou em casas de espetáculo da cidade toda, e exibe todo orgulhoso um troféu por ter escrito, no começo da década, o samba-enredo nota dez que animou o desfile da Unidos da Vila Rica. No mesmo armário, dentro da própria oficina improvisada, ele guarda instrumentos musicais. “Apagaram uma chama. O poder público conseguiu, aqui em Campinas, acabar com um evento que era cultura das pessoas”, diz. “O Carnaval sempre foi amado por pessoas de todas as raças, de qualquer camada social ou nível intelectual. E os bairros eram verdadeiros celeiros de artistas.” O único consolo, para Ciro, é encontrar os velhos amigos no Pagode Vó Tiana, ali mesmo no IAPI, um espaço cultural que ainda reúne remanescentes da avenida, estudiosos e apaixonados por melodias clássicas. “Um dia, as crianças vão perguntar para os pais o que era carnaval de rua. Triste. A gente precisa não pode perder um patrimônio cultural tão importante.”