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A arte como instrumento de conscientização ambiental

A atriz Pamella Villanova e o músico Dudu Ferraz utilizam diferentes manifestações artísticas para divulgar a importância do Bosque dos Guarantãs

Cibele Vieira
30/09/2023 às 09:03.
Atualizado em 30/09/2023 às 09:03
O músico Dudu Ferraz observa, ao lado da enteada, uma das duas nascentes do Bosque dos Guarantãs: canção Nascente, composta por ele, destaca a importância da preservação do local (Alessandro Torres)

O músico Dudu Ferraz observa, ao lado da enteada, uma das duas nascentes do Bosque dos Guarantãs: canção Nascente, composta por ele, destaca a importância da preservação do local (Alessandro Torres)

A espécie Guarantã, presente em regiões de Mata Atlântica, é considerada elegante e incomum por alcançar até mais de 20 m de altura, e se tornou a principal responsável por esta história. A presença de uma quantidade significativa dessas árvores em uma região urbana de Campinas - o Jardim Nova Europa - motivou no início dos anos 1980 o cercamento de uma área de 87 mil m2 (sendo 23 mil m2 de mata nativa) para preservar o local de depredações e invasões. Conhecido pelos moradores mais antigos como "Bosquinho", sempre foi espaço de lazer para a comunidade da região, pois além das muitas espécies nativas tem também duas nascentes de água. Para motivar a população local a valorizar o espaço e observar com atenção suas belezas naturais, os artistas Pamella Villanova e Dudu Ferraz montaram um projeto de arte educação no local.

Até a nascente do bosque ganhou uma música, lançada em todas as plataformas de streaming no último 22 de setembro, pelo músico Dudu Ferraz. Durante os meses de novembro e dezembro do ano passado (2022), o artista desenvolveu um projeto cultural junto com Pamella Villanova, em que convidaram o público frequentador do Bosque dos Guarantãs a fazer um passeio pelo interior da mata, permeado de jogos, cenas teatrais e músicas que contavam um pouco da história do local, criando espaços de conversas e imaginação sobre o passado e o futuro do território. A música "Nascente" é fruto desse trabalho, que aproximou o artista desse espaço de resiliência no meio da cidade. O Bosque dos Guarantãs fica na Rua Vera Cruz s/n, Jardim Nova Europa e permanece aberto à visitação gratuita diariamente, das 7h às 18h. 

OBSERVAR E PRESERVAR

A história do "bosquinho", como é conhecido pelas pessoas da região, se confunde com a do bairro, conta Pamella Villanova, artista que nasceu no local e por mais de um ano pesquisou fontes oficiais, jornais, e ouviu moradores antigos para coletar memórias. "As pessoas me contam que a área era destinada ao lazer e à preservação desde os anos 1950, época do loteamento da região. Somente algumas décadas depois foi cercada para ganhar a estrutura de parque de lazer. Mas as pessoas, mesmo as que frequentam, nem sempre têm um olhar atento ao local, por isso resolvemos fazer uma intervenção artística chamando a atenção para fatos que são importantes lá dentro, como as árvores nativas, a nascente e outros detalhes", relata Pamella.

As placas colocadas, para não colaborarem com algum tipo de poluição ambiental, foram feitas de madeira crua reutilizada, os textos gravados por meio de queima com pirógrafo (para evitar tintas) e o envernizamento feito com cera de abelha. Pamella explica que a expectativa do projeto é despertar o olhar dos frequentadores para a importância natural presente no local. "Ao contar para as pessoas que ali tem uma nascente, mata nativa e animais silvestres, esperamos cultivar o senso de preservação em quem visita o bosque, que se reconheça o valor de uma área verde dessas no meio da cidade".

Pamella Villanova é atriz com formação em Artes da Cena na Unicamp. Dudu Ferraz é sociólogo pela mesma universidade e músico autodidata, e ambos trabalham como arte educadores, além de serem gestores do Ponto de Cultura Quintal Garatuja (@quintalgaratuja), localizado a menos de 700 metros do Bosque dos Guarantãs. Por isso, eles envolveram o conhecimento artístico com a preocupação ecológica para criar um percurso guiado no parque, promovido por dois meses no final de 2022, e que pretende ser retomado no próximo ano. A intenção, contam, "era fornecer informações - por meio de um processo lúdico - para que as pessoas criassem vínculos com o espaço, identificassem sua importância e fossem despertadas para o sentimento de proteção também".

Dudu Ferraz e Pamella Villanova promoveram um projeto cultural que convidava o público a percorrer e a conhecer as riquezas naturais do bosquinho (Dalton Yatabe)

Dudu Ferraz e Pamella Villanova promoveram um projeto cultural que convidava o público a percorrer e a conhecer as riquezas naturais do bosquinho (Dalton Yatabe)

Os passeios começavam com a ajuda de um megafone que chamava o cortejo pela rua, formando os grupos de famílias, caminhantes e curiosos. O acesso ao bosque era guiado por sete placas instaladas pelos artistas, que se transformaram em estações durante o percurso. E, a cada parada, havia uma atividade diferente, como contação de história, jogos, cantorias, performance teatral e até uma caça ao tesouro para identificar a espécie guarantã. "Foram encontros muito bons, as pessoas saíam mobilizadas, após uma interação muito honesta e sensível, que abria o sentir para observar as várias formas de vida existentes no local, o que trouxe curiosidade e outra perspectiva para as caminhadas. Trouxe também uma valorização para o espaço", conta Pamella.

O BOSQUE E A CANÇÃO

A fonte inspiradora do músico Dudu Ferraz foi uma das nascentes naturais de água dentro do Bosque dos Guarantãs, que contribui com um dos afluentes do Ribeirão Piçarrão. Na canção "Nascente", ele relaciona o momento de criação artística e musical com o brotamento de água na superfície do solo. "Parece mágica, mas é também resultado de processos de absorção e um acúmulo profundo. Assim como a água nasce da terra, do peito nasce a necessidade de cantar", diz. A criação se deu a partir da linha de violão, que é muito ritmada e propositiva levando a música para um clima de movimento e celebração.

O músico salienta que "a questão ambiental grita, como outras questões sociais, e afeta a todos. Assim, é importante olhar para ela. As pessoas precisam ser incentivadas a frequentar espaços como esse, valorizar suas nascentes, ajudar a preservar". Ele lembra que em momentos de escassez de água na cidade, esta nascente nunca secou e, segundo moradores locais, chegou a abastecer alguns caminhões da Prefeitura para levar água para pontos da cidade que não tinham. E ressalta que, em dias de calor intenso como o das últimas semanas, o bosque foi o lugar mais agradável de ficar no bairro, convidando as pessoas a saírem de casa. "Essa relação com a natureza é uma qualidade de vida que o bosque traz, assim como a cultura", comenta.

A FORMALIZAÇÃO DO PARQUE

O Bosque dos Guarantãs é uma área remanescente de Mata Atlântica com muitas árvores conhecida como guarantã, espécie ornamental nativa, que floresce entre setembro e outubro. "A área foi cercada pela Prefeitura em 1980 quando o prefeito Chico Amaral determinou que fosse urbanizada. Na ocasião, foram observados muitos cortes de árvores, já que o guarantã é uma madeira de lei muito dura e boa para fabricação de móveis", lembra o atual secretário de Serviços Públicos, Ernesto Paulella, que na época era diretor do Departamento de Parques e Jardins. Ele conta que, com o fechamento, a nascente foi preservada e a mata se regenerou sozinha, por não ter mais invasões e cortes, e hoje são estimadas mais de 10 mil espécies nativas no bosque. "Além do alambrado, com o tempo fomos instalando iluminação, quadras, sanitários, academia, criamos um lago a partir de um dreno da nascente e o vertedouro desse lago é o córrego que existe no meio da área".

Paulella relata que por cerca de 30 anos esse foi o único bosque com parque de lazer na região dos bairros Novo Europa, Campos Sales e Parque da Figueira. E ressalta ainda que aquela área nativa tem grande diversidade de espécies e serve de abrigo - com alimentação e água - para pássaros e pequenos animais. Esclarece, ainda, que uma mata no meio da cidade tem o importante papel de absorver o gás carbônico expelido pelos automóveis, num processo conhecido por sequestro de carbono (as plantas absorvem o gás carbônico da atmosfera para fazer a fotossíntese, funcionando como um filtro, limpando o oxigênio). A nascente preservada tem um vertedouro que segue até o córrego da Rua São José dos Campos, que é afluente do córrego Piçarrão. Entretanto, por estar em área urbana, não é uma nascente com água recomendada para consumo humano.

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