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A amarga lembrança do 'voo da morte'

Em novembro de 1961, um acidente aéreo em Viracopos que matou 52 pessoas abalou Campinas

Francisco Lima Neto/AAN
16/08/2020 às 13:22.
Atualizado em 28/03/2022 às 18:38
Curiosos observam os destroços do Comet 4, da Aerolineas Argentinas: um minuto após levantar voo, a aeronave, que seguia para os EUA, caiu (Cedoc/RAC)

Curiosos observam os destroços do Comet 4, da Aerolineas Argentinas: um minuto após levantar voo, a aeronave, que seguia para os EUA, caiu (Cedoc/RAC)

Em novembro deste ano, completa 59 anos da pior tragédia da aviação campineira: o acidente aéreo de Viracopos que matou 52 pessoas em 1961. Apesar do desastre que foi à época, com repercussão nacional, ainda poucos conhecem essa história. Naquela quinta-feira, 23 de novembro de 1961, o Correio Popular soltou uma edição extra justamente para tratar daquela tragédia sem precedentes. Como não poderia deixar de ser, a capa inteira foi dedicada àquele assunto. A manchete já demonstrava a magnitude do acidente: "52 pessoas morreram no desastre de Viracopos". Aqueles 37 passageiros e os 12 tripulantes que embarcaram no então moderno Comet 4, das Aerolineas Argentinas, com destino a New York, às 23h, da quarta-feira, dia 22, nem podiam imaginar que jamais chegariam ao seu destino. "O aeroporto internacional de Viracopos foi na madrugada de hoje palco de uma tragédia aviatória das mais impressionantes. Um "Comet 4", pertencente às Aerolineas, que procedia de Buenos Aires e se destinava a Nova York, um minuto depois de levantar voo do nosso aeroporto, veio a cair, explodindo e incendiando-se. No desastre, perderam a vida, em dramáticas circunstâncias, os seus 52 ocupantes", começava a reportagem. Aquele moderno jato pousou em terras campineiras exatamente à 1h20. Todos os tripulantes e passageiros desceram da aeronave. Enquanto era abastecida e passava por revisão, todos os seus ocupantes foram se alimentar no restaurante do aeroporto. O voo partiria para uma escala em Trindade e Tobago, antes de finalmente chegar aos Estados Unidos. Todos voltaram para a aeronave. Outras três pessoas vindas de São Paulo embarcaram no voo da morte. Eram um casal e mais um homem. Após permanecer em solo por 1h16, o avião levantou voo às 2h36. Já ganhava altitude e passava dos 800 km/h, quando começou a perder altitude, distante cerca de quatro quilômetros da cabeceira da pista. Diante do pânico instalado, o comandante tentou uma aterrissagem forçada. O avião atravessou um bosque de eucaliptos de um lado a outro, levando consigo boa parte deles. Mas pouco havia para fazer já que a aeronave começou a pegar fogo e ia se desmanchando no ar. Com seu treinamento, o comandante poderia contar com a sorte e, mesmo diante daquele cenário, talvez pudesse pousar e salvar o maior número de vidas possível, mas a chuva que caía, mais a escuridão da madrugada, não ajudaram em nada. O avião bateu de frente com uma espécie de barranco do terreno e explodiu. O local da explosão ficava no bairro do Friburgo, no sítio Lagoa. O proprietário do sítio, Werner Schefer, cuja casa ficava a 500 metros do lugar do acidente, disse ao Correio, na ocasião, que pouco antes das 2h40 foi acordado por uma forte explosão. Sentiu a terra toda tremer. As janelas e portas da casa forma sacudidas com violência. Ele e os familiares, em pânico, levantaram da cama e viram a enorme fogueira que ardia forte sem nem se dar conta da chuva e iluminava o breu da madrugada. Ainda segundo aquela edição do jornal, o Comet 4, prefixo LV-AHR, ficou no ar por apenas um minuto. O povo no aeroporto, inclusive parentes dos três passageiros que embarcaram aqui, ficaram desesperados. Todos correram para o lugar, assim como os bombeiros do aeroporto e funcionários da Força Aérea Brasileira (FAB). Como um capricho do destino para piorar a situação ainda mais, um carro-tanque dos bombeiros, na metade do caminho, ao passar por uma ponte em condições precárias, sofreu um acidente e ficou atravessado na estrada, bloqueando a passagem. Daquele ponto em diante, todos tiveram de prosseguir a pé. O impacto da explosão abriu uma clareira de 400 metros entre as árvores. O incêndio foi tão intenso que durante horas as equipes de socorro não puderam se aproximar do local. No local do acidente a cena era de chocante até para os menos sensíveis. Os corpos mutilados de espalhavam por toda a região. Apenas três ou quatro dos corpos estavam inteiros. Vários estavam cortados ao meio. "Por toda a parte se viam pernas e braços, restos humanos convertidos em massa completamente disforme", trazia trecho da reportagem daquela segunda edição do Correio. Investigação apontou falha operacional como a causa do desastre. Consta que os motores também tiveram algum problema. Os jornais da época informaram ainda que mais um homem vindo de São Paulo deveria ter embarcado, mas ele chegou atrasado e o embarque já tinha finalizado. Ele teria ficado bastante irritado com o motorista do táxi que o trouxe, falando impropérios. Quando soube do ocorrido, passou a beijar e agradecer o taxista. Ainda consta mais uma vítima indireta daquele desastre: uma mulher na Argentina morreu do coração ao saber que o filho morrera naquele acidente de avião.  'Ainda guardo a cena daquela bola de fogo' Em 8 de outubro de 2006, o Correio publicou uma reportagem em homenagem aos mortos daquela tragédia. Na época, entrevistou Roberto de Jesus Orlando, que estava com 69 anos, e era funcionário do aeroporto quando do acidente. Ele era ajudante da equipe que abastecia os aviões. Ele nunca mais conseguiu esquecer o que viu. "Eu não ouvi nem a explosão. Só guardo na cabeça a cena daquela bola de fogo gigantesca", disse. Pouco antes, ele e o amigo Roberto Vieira tinham abastecido aquela aeronave. Eles correram para o local do acidente na inocente ilusão de ajudar os feridos. "Lá demos de cara com um senhor velhinho, de pé, com o guarda-chuva aberto na frente do fogo. Eu, o Vieira e o velhinho não trocamos uma palavra. Ficamos ali até o raiar do dia, vendo a movimentação das equipes de socorro que chegavam", relatou à época. Ele contou à reportagem que até o ano de 2005 guardava um relógio e pedaços da fuselagem do jato, recolhidos no meio dos eucaliptos. Mas resolveu jogar tudo fora. "Sei lá, acho que me dava azar. Resolvi me desfazer de tudo para ver se tiro aquele episódio da cabeça", finalizou.

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