Medida faz parte do pacote anunciado para ampliar a segurança nas unidades
Os alunos e professores da Escola Municipal de Ensino Fundamental Geny Rodrigues, no São Bernardo, aguardam a aprovação da contratação de psicólogos por parte da Câmara (Kamá Ribeiro)
A partir da próxima segunda-feira, as escolas da rede estadual de ensino estarão fortalecidas com a presença de psicólogos em seus quadros profissionais. Ao total, serão 368 especialistas distribuídos entre as 13 Diretorias Regionais de Ensino (DREs) presentes no território paulista, incluindo a DRE de Campinas. Esses profissionais já iniciaram suas atividades na última segunda-feira e, conforme informado pela Secretaria de Estado de Educação (Seduc), passarão por um processo de integração com os demais colegas antes de começarem a atuar diretamente nas unidades educacionais. Em Campinas, um total de 80 escolas serão beneficiadas por essa iniciativa.
A efetiva inclusão dos psicólogos na área da Educação ocorre após cinco meses do anúncio feito pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos). Essa medida representa uma resposta aos casos terríveis de violência que foram registrados em escolas em todo o Brasil, gerando preocupação entre pais, educadores e estudantes.
Em Campinas, um projeto semelhante foi apresentado em abril pelo Executivo, porém, até o momento, ainda não foi votado pela Câmara Municipal. Esse projeto visa a contratação de 100 profissionais, sendo 50 psicólogos e 50 assistentes sociais, para atuar nas 208 escolas da rede municipal de ensino. Especialistas consultados para esta reportagem enxergam de forma positiva a presença dos psicólogos na Educação, porém, enfatizam a importância de uma atuação eficaz desses profissionais, que deve contribuir para promover um ambiente mais saudável dentro das instituições educacionais.
O anúncio da inclusão dos psicólogos nas escolas foi realizado no início desta semana. A contratação desses profissionais ocorreu por meio de um processo de licitação e está prevista a adição de mais 182 psicólogos ao quadro geral no próximo mês, totalizando assim 550 especialistas. Essa iniciativa faz parte do programa "Psicólogos na Escola", vinculado ao "Programa de Melhoria e Proteção Escolar (Conviva)", lançado em resposta aos casos de violência ocorridos em escolas em São Paulo e outros estados, assim como às diversas ameaças enfrentadas.
Quando questionada, a Seduc não pôde fornecer detalhes sobre a distribuição específica dos psicólogos em cada DRE. Em comunicado, a Seduc afirmou: "Os psicólogos ainda não estão plenamente inseridos no contexto escolar, o que nos impede de divulgar os números exatos para cada região". No caso de Campinas, a cidade possui duas diretorias de ensino, uma responsável pelas escolas na região leste e outra pela região oeste. A equipe de reportagem entrou em contato com ambas as diretorias, porém, elas também não dispunham de informações acerca da alocação específica de profissionais.
A perspectiva da pedagoga e doutoranda em educação pela Universidade Estadual de Campinas, Simone Gomes de Melo, destaca a necessidade de abordar a introdução da psicologia escolar com prudência. Ela argumenta que, no contexto educacional, o papel desempenhado por esses profissionais deve se distinguir significativamente do que é praticado em um ambiente clínico. A meta principal é reestruturar os grupos de forma a permitir que os adolescentes desenvolvam um sentido de "pertencimento".
"A Lei 13.925/2019, de autoria do Executivo Federal, garante a presença do psicólogo no ambiente escolar, e o papel desse profissional na escola é definido por essa lei", esclarece Simone. "Ele desincumbe-se de uma função específica que não é a de proporcionar terapia, mas sim a de organizar o ambiente e impulsionar iniciativas que promovam, por exemplo, o senso de pertencimento, visto que constatamos que os jovens se sentem mais à vontade em contextos nos quais se sentem inseridos. O psicólogo pode colaborar com os professores na reflexão sobre inclusão escolar, lidar com questões de convívio e temas similares."
A avaliação de Simone se alinha à visão da psicóloga Ana Silvia Rennó, da Faculdade São Leopoldo Mandic. A especialista reitera que a adolescência é um período delicado que demanda a presença de grupos que possam guiar os jovens.
"Os adolescentes necessitam de grupos nos quais possam se identificar e explorar diferentes formas de ser para determinar qual delas é mais compatível com eles. Contudo, nem todos os grupos oferecem uma referência saudável para que esses jovens possam utilizar no futuro adulto", destaca Rennó. "Nesse contexto, a presença de um psicólogo que possa orientar através de participação em discussões e grupos de conversa, por exemplo, pode facilitar o entendimento do adolescente de que essa fase transitória é caracterizada por particularidades, mas é crucial para moldar o seu futuro."
A especialista reforça que a transição entre a infância e a vida adulta é uma etapa complexa de assimilação. "Essa complexidade", observa ela, "juntamente com a influência das redes sociais e a inundação de informações, frequentemente deixa os jovens sem um referencial sólido. Ao carecerem desse referencial, eles tendem a experimentar situações inadequadas. Na clínica, temos testemunhado muitos casos de jovens que buscam cigarros eletrônicos, têm dúvidas sobre identidade de gênero e, nos piores cenários, acabam recorrendo a substâncias ilícitas, acreditando que isso melhorará a sua situação. Segundo a psicóloga, essa desorientação emocional pode resultar em uma falta de preparo emocional para enfrentar os desafios da vida adulta."
O psicólogo e professor universitário, do Centro Universitário Max Planck (UniMAX Indaiatuba), Carlos Henrique da Silva ressalta que o papel do profissional de psicologia no ambiente escolar também engloba a identificação de alunos que possam estar enfrentando agravamentos em quadros de doenças psicológicas, a fim de encaminhá-los para tratamento clínico quando necessário. Um dos fatores contribuintes para essa abordagem é o bullying.
"Os adolescentes possuem uma série de vulnerabilidades que contribuem para os fragilizar. São elas mudanças constantes do corpo - que causa alteração de humor -, crise de identidade, construção de personalidade, não aceitação da autoridade dos pais, enfim. Alia-se a isso um quadro de isolamento, como causado pelo bullying, por exemplo, e cria-se uma condição favorável para o surgimento de um adulto com mágoas, ressentimentos, com a sensação de que foi violentado e ninguém fez nada. Por isso, é papel dos psicólogos escolares, além de promover um ambiente desfavorável a isso, identificar esses potenciais casos de violência", reforça.
Além da atuação profissional em âmbito escolar, Carlos reforça que é necessário um jogo de cintura por parte dos pais, que precisam, diz, "acolher, saber lidar com essa nova personalidade, se desvencilhar da imagem infantil do filho e, assim, contribuir para que o adolescente se sinta amparado".
Entre o público-alvo, a aceitação do psicólogo escolar é boa. Os jovens interpretam que essa figura trará a possibilidade de pôr à luz questões que ficam às escuras no ambiente escolar. "Psicólogo nas escolas? Eu acho que é uma boa. Muita gente tem problemas em casa, não tem condições de pagar um psicólogo, então acho que é importante a escola dar uma ajuda", diz Pedro Henrique de Oliveira, de 18 anos, estudante do 3º ano do ensino médio.
"Eu acho que vai ajudar muito, tanto no empenho emocional quanto na performance escolar. Acho que pode ser até melhor para a escola, na medida em que pode evitar conflitos que atrapalham a aula. É melhor para a sociedade como um todo", avalia a estudante do 1º ano do ensino médio Jeniffer Nascimento, de 15 anos. "Acho que dentro de casa, muitas famílias tratam doenças emocionais como frescura, como falta de responsabilidade e isso acaba resvalando muito na escola", complementa a adolescente.
Mariana Gonçalves nunca teve contato com a psicologia, mas conta que tem curiosidade. Estudante do 1º ano do ensino médio, a jovem de 16 anos conta que já sofreu bullying e, por esse motivo, perdeu a vontade de ir à escola. "Me zoavam muito por causa dos meus óculos e de aparência, motivo pelo qual perdi a vontade de ir à escola. Acho que muitas pessoas precisam disso, de uma coisa que ensinem a ter empatia, para que isso não aconteça com outros alunos", considera a jovem.
CAMPINAS
A Prefeitura de Campinas enviou em abril um projeto para contratar 50 profissionais de psicologia e mais 50 assistentes sociais. Apesar do caráter emergencial imputado às ações que visavam coibir a violência naquele momento, até hoje o projeto não foi votado. No calor dos episódios de violência registrados no primeiro quadrimestre do ano, tanto Câmara quanto Prefeitura afirmaram que a pauta se tratava de prioridade.
À reportagem, a assessoria de comunicação da presidência da Câmara disse que "o projeto foi protocolado em 26 de abril deste ano, tramitou por vários setores, passou por audiência pública no dia 16 de junho e agora chegou na Comissão de Constituição e Legalidade para ser discutido e aprovado, antes de ir à primeira votação em plenário". Já a Secretaria Municipal de Educação disse em nota está acompanhando a tramitação junto à câmara e aguardando as votações.