Pesquisa feita pela Serasa também revelou que uma em cada cinco pessoas apontaram como motivo a necessidade de ajudar a família financeiramente
“Não dá para pagar aluguel, comer e pagar os remédios apenas com a aposentadoria”, afirmou Edson Siqueira de Matos, de 77 anos; conformado com a necessidade de continuar trabalhando, ele divide esse sentimento com o de alegria por ainda possuir uma ocupação (Rodrigo Zanotto)
Manoel Vicente Constante, 70 anos, percorre as ruas do Centro e do Cambuí, em Campinas, empurrando o carrinho usado para afiar facas, tesouras e alicates de cutícula e unha. Ele começou na profissão de amolador há um ano para reforçar a aposentadoria após o benefício ser insuficiente para cobrir as despesas. “Tenho que trabalhar para completar. O que ganho, não dá”, disse. Ele se encaixa no perfil de uma pesquisa que revelou que praticamente 6 em cada 10 aposentados precisam continuar trabalhando após a aposentadoria para complementar a renda.
O levantamento foi realizado pela Serasa em parceria Instituto Opinion Box e ouviu 2.841 pessoas de todo o país, incluindo da Região Metropolitana de Campinas (RMC). De acordo com a pesquisa, quando questionados sobre os motivos, 59% dos entrevistados disseram continuar trabalhando para reforçar a aposentadoria e 19% declararam ajudar financeiramente a família. Manoel Constante passou a exercer a função de amolador após fazer um empréstimo bancário para cobrir despesas imprevistas. O valor inicial de R$ 20 mil, com os juros, se transformou em R$ 45 mil ao longo de cinco anos. Com isso, a parcela mensal de R$ 750, descontada compulsoriamente da aposentadoria todo mês, consome pouco mais da metade equivalente a um salário mínimo – R$ 1.412.
Os R$ 662 restantes são insuficientes para cobrir as despesas mínimas com moradia, alimentação e outros gastos. “Sem trabalhar, seria difícil viver”, disse o amolador. Ele mora em Hortolândia e se desloca para Campinas todos os dias para exercer a atividade. “Aqui é melhor. Campinas sempre foi bom para trabalhar”, afirmou. Manoel Constante se aposentou em 2020 após uma vida atuando como operário e ajudante de caminhoneiro.
OUTROS TRABALHOS
De acordo com o levantamento, 44% dos entrevistados manifestaram que ainda trabalham para quitar dívidas. “Preciso pagar o banco primeiro. Enquanto não terminar, não posso parar”, afirmou o frentista Carlos Oliveira Couto, 66 anos. Ele contou ter recorrido a empréstimos financeiros para cobrir despesas extras, como gastos com cartório e advogado para fazer inventários. Com isso, o homem não pode parar de trabalhar mesmo depois de 50 anos de carteira assinada, atuando como metalúrgico, mecânico de caminhão e frentista, e de ter se aposentado.
Carlos Couto tem a esperança de parar definitivamente dentro de dois anos, quando quitará a dívida. Segundo o perfil nacional do Mapa da Inadimplência de junho, divulgada pela Serasa, as pessoas acima dos 60 anos representam 18,9% dos devedores com contas em atraso. É a terceira faixa etária com maior participação do total, atrás dos consumidores de 41 a 60 anos (35,1%) e de 26 a 40 anos (34,1%). A última posição é do público até 25 anos (11,9%). A distribuição por gênero é equilibrada, com as mulheres representando 50,3% e os homens, 49,7%.
Apesar dos desafios financeiros, o levantamento da empresa de análise de créditos mostrou que uma parcela considerável dos aposentados se sentem felizes (29%), independentes (27%) e aliviados (22%) por alcançarem essa fase da vida. Aos 77 anos, Edson Siqueira de Matos se colocou nessa condição, apesar de não ter conseguido parar desde que se aposentou, ainda em 1996.
No início, ele atuou como transportador autônomo, usando veículo próprio, e há 17 anos faz serviços gerais em uma loja no Centro. Ontem pela manhã, executava a função de segurança. Sentando em um banco na entrada do estabelecimento, ficava de olho na movimento das pessoas no interior. “Faço tudo o que aparecer”, afirmou. Edson Matos se mostrou resignado com a necessidade de continuar trabalhando, mas alegre por ter uma ocupação. “Não dá para pagar aluguel, comer e pagar os remédios apenas com a aposentadoria”, disse.
REFLEXOS
Para o especialista da Serasa, Thiago Ramos, os familiares devem conversar sobre finanças com os idosos. “Coloquese à disposição para escutar suas histórias e ofereça ajuda, mesmo que não seja monetária”, aconselhou. No caso da pessoa da família ainda não ter se aposentado, ele orientou que, mesmo assim, é um bom momento para iniciar um planejamento antecipado e garantir um futuro mais estável.
A empresa de análise de crédito apresentou ainda cinco dicas para evitar atropelos com as contas, que servem para qualquer faixa etária. As sugestões passam por planejamento de um orçamento realista, com análise detalhada de todas as despesas; manutenção de um fundo de emergência; controle dos gastos com cartões de crédito; cuidados com os golpes financeiros e colocar a quitação das contas como prioridade.
A pesquisa sobre os aposentados que ainda se mantém no mercado de trabalho é reflexo dos processos de envelhecimento da população brasileira e do aumento da expectativa de vida. O Censo de 2022 mostrou que a idade mediana passou de 29 anos em 2010 para 35 anos no último recenseamento feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De acordo com a contagem populacional, o Brasil também registrou o maior salto de envelhecimento entre dois censos desde 1940, passando a ter 55 idosos para cada 100 jovens. O IBGE divulgou que a expectativa de vida de quem nasceu em 2022 é de 75,5 anos, contra 57 anos de quem nasceu década de 1970.
Seguindo uma tendência internacional, o país deve ter cada vez menos jovens e cada vez mais idosos. Essa mudança é apontada também na pesquisa “A tendência demográfica da Região Metropolitana de Campinas” realizada pelo Observatório PUC-Campinas. A projeção feita pelos pesquisadores da universidade aponta que em 2040 a RMC deverá ter 41 idosos e 22 jovens em cada grupo de 100 pessoas. O levantamento revelou a tendência de uma mudança profunda no perfil em quatro décadas. Em 2000, eram 39 jovens e 13 idosos.
O Censo apontou que a população nas 20 cidades da Região Metropolitana de Campinas era de 3.178.607 habitantes em 2022, crescimento de 13,16% em comparação aos 2.808.906 de do levantamento anterior, em 2010. Já o aumento das pessoas a partir de 60 anos foi de 72,68% no mesmo período. No último recenseamento, o total foi de 534.511, contra 309.530 de 2010. Em termos absolutos, o número de idosos teve aumento de 224.981 pessoas, o equivalente a toda população de uma cidade do porte de Americana, a terceira maior da RMC.
O envelhecimento da população causou impacto nas finanças da Previdência Social. Entre 2010 e 2022, a proporção dos potenciais beneficiários do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) cresceu 4%, mais de quatro vezes o crescimento dos potenciais contribuintes com idade de 20 a 64 anos. Esse movimento altera a dinâmica produtiva e causa reflexos no mercado de trabalho e no Produto Interno Bruto (PIB), que é a soma de todos os bens e serviços. Além da Previdência, sobrecarrega a saúde pública e exige mudanças em outras áreas.
“Será necessário um plano de inovação em serviços públicos, tornando possível a filiação de pessoas em situação de vulnerabilidade social, além de alcançar a capacidade de oferta em saúde, educação, segurança, lazer, cultura, habitação, entre outros direitos sociais, em conformidade com as necessidades reais dos agrupamentos da população”, disse o economista Cristiano Monteiro da Silva, coordenador da pesquisa do Observatório PUC.
De acordo com ele, que também é professor da PUCCampinas, a transição demográfica está atrelada à desaceleração das taxas de natalidade e ao crescimento populacional, “tudo isso combinado com alto nível de urbanização", exemplificou. "Certamente, uma situação que obriga novos olhares sobre as demandas da vida social urbana”, acrescentou. Em 1950, a média no Brasil era de seis filhos por mulher, próximo da média no mundo, que era de cinco, porém muito superior à taxa de fecundidade de pouco menos de dois filhos por mulher nos países desenvolvidos. Em 2020, após o processo de crescimento das cidades no país e o avanço da mulher no mercado de trabalho nas décadas anteriores, a média nacional caiu para 1,65 filho.