Campinas é mencionada no levantamento com 45% dos estudantes inseguros
Na pesquisa elaborada pelo Instituto Locomotiva em parceria com Apeoesp, entre as principais violências apontadas estão bullying (33%), agressão verbal (24%) e discriminação (14%) (Kamá Ribeiro)
Praticamente metade dos alunos da rede pública estadual de São Paulo diz ter sofrido algum tipo de violência no último ano. O dado foi apresentado na quarta-feira (29) em um estudo realizado pelo Instituto Locomotiva e pelo Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp). A pesquisa "Ouvindo a comunidade escolar: desafios e demandas da educação pública de São Paulo" mostrou que 48% dos estudantes entrevistados sofreram algum tipo de violência em 2022. Entre os docentes, 19% afirmaram o mesmo.
Um a cada três estudantes, 33%, declararam que sofreram bullying no período. Outras violências mais comuns citadas foram agressão verbal (24%) e discriminação (14%). A ordem das principais agressões se inverte no caso dos professores, sendo que 12% afirmaram terem sido verbalmente violentados e 5% sofreram bullying. Ainda há casos de furto (3%) e assalto (2%), além de 1% dos professores terem passado por episódios de discriminação (número que é de 2% entre os negros e 0% entre não negros) e 1% de agressão física.
O estudo não divulgou detalhes sobre cidades da Região Metropolitana de Campinas, entretanto, no tópico que aborda a segurança no entorno das escolas, Campinas é mencionada, com 45% dos estudantes inseguros. Na capital e nas periferias a situação é pior, 60% e 54%, respectivamente, enquanto que 26% de alunos em escolas nos centros das cidades não sentem segurança.
A diretora estadual da Apeoesp, Suely Fátima de Oliveira, conversou com a reportagem e lamentou a suspensão de um programa de mediação escolar - em que os professores buscavam solucionar conflitos dentro do ambiente escolar - e do programa Psicólogos na Educação, que colocou profissionais nas escolas estaduais durante a pandemia de covid-19.
Suely fez questão de se solidarizar com a família da professora Elisabeth Tenreiro, de 71 anos, que faleceu na segundafeira após um adolescente atacá-la com uma faca na Escola Estadual Thomazia Montoro.
"Infelizmente, casos assim estão cada vez mais comuns no Brasil, principalmente nas escolas estaduais. Nós sentimos que há um descaso com a escola pública e com a juventude, além da falta de funcionários. Houve, também, um grande aumento na promoção da política de ódio por grupos de extrema-direita, que têm aumentado - e muito - a violência nas escolas."
A pesquisa evidencia, em todos os dados que distinguem as regiões em que os estudantes frequentam as aulas, que a sensação de insegurança e a consolidação dos atos de violência são maiores nas escolas localizadas em regiões periféricas do que nas localizadas nas áreas centrais.
Um exemplo é que 16% dos professores e 26% dos estudantes não se sentem seguros no ambiente interno das escolas. Considerando apenas os professores e estudantes em regiões centrais, 5% e 16%, respectivamente, ficam inseguros dentro das unidades. Na periferia, a insegurança atinge 24% dos educadores e 35% dos estudantes.
“Os dados mostram que a insegurança e casos de violência no ambiente escolar são uma realidade e para lidar com esse cenário é necessário um movimento amplo de toda a sociedade para construir uma cultura de paz. Precisamos de investimento humano e tecnológico para prevenção e enfrentamento da violência, começando pelos colégios de periferia”, disse Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva.
Mesmo mais destacada na periferia, a sensação de insegurança é quase que geral. A percepção de existência de violência nas escolas foi medida no questionário com uma pergunta que pedia uma pontuação de 0 a 10, sendo que zero significava nenhuma violência e dez muita violência.
Consideram que há média ou alta violência (pontuações entre 5 e 10), 68% dos professores, 69% dos estudantes e 75% dos responsáveis pelos alunos da rede pública estadual de São Paulo.
A discrepância entre a visão das comunidades escolares de regiões centrais e das periferias é maior entre os professores. Quase 9 a cada 10 docentes (89%) entendem que há violência nas unidades localizadas em periferias do estado de São Paulo, enquanto 39% sentem o mesmo no centro. Dos estudantes, 69% optaram por uma pontuação entre 5 e 10, o que simboliza a percepção de média ou alta violência. (ver gráfico).
A pesquisa foi feita com 3.650 pessoas dividas em três grupos: estudantes com mais de 14 anos, familiares e professores. Os questionários foram realizados entre 30 de janeiro e 21 de fevereiro. A pesquisa utilizou amostras ponderadas conforme parâmetros do Censo Escolar IBGE, PNAD/IBGE e CGRH/SEEM elaboração DIEESE (2022). A margem de erro é de 2,8 pontos percentuais para estudantes e familiares e 2,9 para professores.
Jaguariúna
Mesmo sem registros no município, o prefeito de Jaguariúna, Gustavo Reis (MDB), resolveu se antecipar e anunciou, na terça-feira, a criação de um programa que visa à capacitação de professores e demais integrantes da rede municipal de ensino para treinamentos de técnicas de defesa pessoal.
O prefeito divulgou a novidade para uma plateia de profissionais da Educação do município que participaram de um treinamento de primeiros socorros. A secretária municipal de Educação, Cristina Catão, estava presente ao lado de Reis.
"Estamos fazendo isso de maneira preventiva. Antes de acontecer qualquer ocorrência, estamos nos antecipando em função do que vimos em algumas oportunidades no Brasil (...) a gente viu a morte de uma professora de 71 anos de idade que nem precisava estar mais ali dando aula, estava lá por vocação. Resolvi tomar essa providência para a gente capacitar, preparar e treinar os professores, funcionários da limpeza, da alimentação. A ideia é que esses profissionais saibam como lidar no momento de uma ocorrência", explicou o prefeito.
Gustavo Reis disse que não pretende transferir a responsabilidade para os educadores, mas capacitá-los com uma habilidade que pode ser útil em casos como o de segunda-feira.
"A própria reação natural do ser humano é a proteção à vida, por um instinto de sobrevivência. É muito melhor que ele tenha essa reação com técnicas, com habilidade e com treinamentos para que ele possa aprender em vez de simplesmente agir na emoção, sem o controle, no momento, de saber o que fazer. O profissional pode colocar a vida dele em risco por uma reação inadequada, de peito aberto, mas com treinamento ele consegue saber quais são as maneiras de combater uma agressão iminente."
Os responsáveis pelas aulas de defesa pessoal serão professores de artes marciais, de acordo com o prefeito. Ele ainda analisou que além da autodefesa, a capacitação pode levar educadores a salvar vidas que não poderiam esperar uma ação de um segurança da escola ou mesmo a chegada da Polícia Militar.
O município também pode ter em breve mais duas novidades para a segurança da comunidade escolar: um botão do pânico, possivelmente no celular de alunos e professores, e uma preparação preventiva para que os adultos que trabalham na escola consigam identificar sinais e símbolos que indiquem uma possível radicalização do estudante.
"Temos uma torneira aberta e jorrando uma quantidade de informações que são boas, mas também ruins, incentivando o culto ao ódio, ao preconceito, à misoginia, à intolerância... muitos deles aprendem essas coisas ruins na Internet e ali criam uma comunidade. Nós também vamos orientar todos os professores ou profissionais da educação para ficarem atentos a movimentos estranhos de comportamento, símbolos, sinalizações. É atuar nas duas frentes", concluiu o prefeito.
Estado mantém programas
Em nota, a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo afirmou que possui um programa ativo de mediação de conflitos, o Programa de Melhoria da Convivência e Proteção Escolar - Conviva SP.
"Buscando a constante melhora e adequação ao momento atual, a Seduc-SP anunciou a intensificação do programa de forma que 5 mil profissionais fiquem dedicados à aplicação das políticas de prevenção à violência nas unidades. Os novos educadores do programa receberão treinamento para identificar vulnerabilidades de cada unidade, além de colocar em prática nas escolas as ações do Conviva."
Sobre o programa Psicólogos na Educação, a Pasta informou que a prestação do serviço passará a ser feita de maneira presencial e que já está em andamento a contratação de 150 mil horas de atendimento profissional no programa que oferece suporte psicológico buscando orientar as equipes escolares e os estudantes.